PEC 37 ganha as ruas, mas poucos sabem o que é
O protesto deste sábado em São Paulo deu de graça aos procuradores da
República e promotores a vitória na primeira batalha da guerra em torno
da PEC 37, a proposta de emenda constitucional que reforça o poder da
polícia como titular exclusivo de investigações penais.
“O Congresso tem de rejeitar. Só depois poderemos
negociar o que fazer”, disse o promotor Felipe Locke, presidente da
Associação Paulista do Ministério Público.
Leia também: Protesto contra PEC 37 em São Paulo vira ato de oposição ao governo
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Durante as quatro horas em que marcharam da Paulista até o
centro da cidade, dezenas de milhares de manifestantes entoaram
palavras de ordem, exibiram centenas de cartazes e faixas contra a PEC,
mas pouca gente sabia exatamente de que se tratava.
“É contra a corrupção e contra a impunidade”, cravou o
estudante José Paulo Esteves, que se enrolou quando perguntado sobre
como funciona atualmente o aparato de investigações criminais no país.
“Não sei os detalhes”, admitiu.
A
maioria dos entrevistados que participaram da manifestação que terminou
com “um abraço” prédio do Ministério Público Estadual, no centro da
cidade, não tem intimidade com conceitos de Direito e bateu na mesma
tecla, sem saber o que diz a Constituição sobre o papel das instituições
e nem como cada uma delas atua atualmente. “Só sei que é contra a
corrupção e que devemos apoiar”, acrescentou o professor de história
Valdemar Luzardo, que carregava um cartaz em que se lia “Contra a PEC da
imunidade”.
“O que a população está percebendo é que a PEC favorece a
corrupção e a impunidade. É isso que interessa nesse momento”, disse
Locke, que fez um longo mergulho no tempo para tentar explicar sua tese.
Reação: Hostilizados nos protestos, partidos agora recorrem à bandeira da ética
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“Se a PEC for aprovada, voltaremos à Era Vargas e teremos
um chefe da polícia mandando no país. Com as investigações nas mãos da
polícia, o delegado vai investigar o que quiser ou o governo quiser.
Como ele pode ser removido, fará investigações com ausência de
transparência e excesso de impunidade”, acredita o promotor.
De autoria do delegado de polícia Lourival Mendes, do PT
do B do Maranhão, a PEC 37 é um tema árido para o grosso da população,
mas hoje dificilmente seria aprovada no Congresso por causa das
manifestações que tomam conta do país. A proposta é, na verdade, uma
redundância jurídica porque afirma aquilo que já está na Constituição:
polícia investiga, promotor e procurador denunciam e o juiz julga.
O problema é que desde 2007, amparado numa resolução do
Conselho Nacional do Ministério Público, a investigação criminal deixou
de ser monopólio da polícia. A maioria dos juristas e criminalistas é
contra por se tratar de uma norma que não poderia estar acima da
Constituição ou das leis. Em São Paulo, o Ministério Público, ajudado
pela Polícia Militar, passou a investigar as organizações criminosas,
enquanto em nível nacional, os procuradores passaram também a se dedicar
ao combate a corrupção, uma atribuição até então exclusiva da Polícia
Federal.
Procuradores e promotores aproveitaram os protestos
contra a corrupção para levar o tema para as ruas. “Eu gostaria que a
PEC 37 fosse votada hoje”, diz o promotor Felipe Locke, com a certeza de
que seria rejeitada pela força das manifestações. “Não aceito
maniqueísmo”, diz, para afirmar que quem está contra a emenda está do
“lado do bem”.
O promotor Artur Magliori vai na mesma linha: “quando
investigamos é para o bem da população. No Brasil a corrupção é
endêmica. Ou o Ministério Público investiga ou país perde para a
corrupção”.
Locke diz que é inaceitável a concentração de poder numa
só instituição e que o MP deve ainda controlar a atividade policial. O
controle é uma das atribuições legais de procuradores e promotores, que
nem sempre o órgão executa. “Eles não deixam”, reclama o promotor ao ser
questionado sobre o pífio papel do MP na fiscalização da polícia.
Locke afirma que a tese de que o MP deve ficar fora das
investigações é amparada pelo jurista Ives Gandra Martins que, segundo
lembra, apoiou o golpe militar de 1964 no Brasil e, mais recentemente,
em Honduras.
“O combate a corrupção não pode ficar só nas mãos da
polícia”, disse o chefe interino da procuradoria da República em São
Paulo, Aureo Lopes, que comemorou o ingresso do tema nos protestos que
tem balançado o país.
A oportunista inclusão da PEC 37 nas manifestações de rua
silenciou os policiais que lutavam pela aprovação. Como tema é de
difícil compreensão popular por mexer filigranas jurídicas, os delegados
se recolheram, mas não têm com o que se preocupar: o presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), retirou o assunto da agenda
e, se nada mudar, pelo menos com base no que diz a Constituição,
continuam com a prerrogativa exclusiva de investigar. Nos protestos
deste sábado a condenação da PEC rimou com os palavrões contra a
corrupção e contra governo e Congresso.
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