Pesquisadores apontam causas das manifestações
Sentimento de tédio entre a juventude, crise da
política representativa e guinada conservadora estão entre as hipóteses
levantadas no debate “O que está acontecendo?”, realizado por
pesquisadores do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, hoje. O
diretor do IEA, Martin Grossmann, referiu-se ao debate como uma “UTI”
montada para entender as manifestações.
Professor de ética e filosofia política da USP,
Renato Janine Ribeiro comparou a situação brasileira com a de países
onde ocorreram revoltas recentes. Para ele, assim como a Espanha, o
Brasil é uma sociedade democrática, ao contrário das nações que viveram
a Primavera Árabe: “Talvez o problema, para nós, não seja tanto a
opressão, mas o tédio”. Segundo Janine, o tédio esteve na origem da
revolta de Maio de 68, em Paris.
Sylvia Dantas, professora de psicologia na Unifesp,
foi na mesma linha e definiu o estado espírito dos brasileiros como
“melancolia” e “impotência”. “As manifestações trouxeram vida,
esperança. É um movimento de catarse. A insatisfação teve voz.” Nem
todos, porém, acharam a explicação satisfatória. “Compartilho apenas em
parte o ponto de vista de que o movimento nasceu do tédio ou
eventualmente teve uma dimensão espontânea “, disse José Álvaro Moisés,
professor de ciência política na USP, lembrando os oito anos de do
Movimento Passe Livre.
Referência na militância de esquerda no país, o
crítico literário Alfredo Bosi não conseguiu chegar à USP por causa de
um protesto na rodovia Raposo Tavares e enviou sua intervenção por
e-mail. Para ele, entre os ganhos do movimento está o reconhecimento do
direito à manifestação: “Governo, imprensa, universidade e todas as
instâncias envolvidas no processo são (ou ficaram) unânimes no
reconhecimento do direito de manifestação de segmentos da população.”
Bosi apontou a crise da “democracia puramente
formal e representativa em termos eleitorais": “Seu descrédito merecido
exige alguma resposta, ainda que difusa e insuficientemente
articulada.” A questão também foi apontada pelo antropólogo italiano
Massimo Canevacci e por Moisés. “Atualmente ninguém quer ser
representado”, disse o italiano. “Existe uma afirmação crescente da
autorrepresentação.” Moisés apontou o “enorme mal-estar com a
democracia no Brasil": “Os partidos fracassaram, inclusive os que
nasceram dos movimentos sociais, como foi o caso do PT”.
Para Sergio Adorno, do Núcleo de Estudos da
Violência da USP, trata-se de “um momento de interrupção da comunicação
entre os atores políticos": “Os canais considerados legitimamente
aceitos de comunicação e reivindicação parecem insatisfatórios”. Pelo
Skype, Bernardo Sorj, professor de sociologia na UFRJ, lembrou que,
apesar da importância da internet, os protestos mostram que a arena da
política ainda é a rua: “Milhares de assinaturas contra Renan Calheiros
não levaram a nada, mas milhares de pessoas na rua, sim.” Em nível
nacional, segundo ele, a Copa foi o estopim dos protestos: “Deveria ter
sido um momento de ufanismo, de orgulho, mas as pessoas viram obras
públicas superfaturadas, associadas à corrupção. Foi o contrário do que
os governos esperavam”.
A “guinada conservadora” observada pelos
debatedores, principalmente nos protestos de quarta-feira, foi citada
entre os possíveis desdobramentos do movimento. Lúcia Maciel de
Oliveira, da Escola de Comunicações e Artes da USP, se disse
“inquieta”. “Essa guinada conservadora é bastante preocupante”. Ela
criticou a demora do prefeito Fernando Haddad para se posicionar:
“Quando se posicionou, foi de forma conservadora”.
Alexey Dodsworth Magnevita, da nova geração do IEA,
alertou a “fagocitação do movimento por parte de grupos conservadores”.
Historiadora especializada no mundo árabe, Arlene Clemesha afirmou que
no Egito há denúncias de que “bandidos” sejam pagos para manchar o
movimento nas ruas. “Aqui também começam a aparecer grupos
oportunistas, de caráter fascista.” O debate está disponível no site do
IEA (iea.usp.br).
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