Programa Mais Médicos provoca revolta em médicos e estudantes
As mudanças trazidas no programa Mais Médicos, anunciadas nesta
segunda-feira (7), podem tornar a medicina em uma carreira para poucos.
Os longos períodos de estudo para admissão na faculdade, o alongamento
do período do curso e a obrigatoriedade da prestação de serviço no SUS
podem afastar os jovens da profissão.
A partir de 2015 a duração do curso de medicina deve passar de seis para oito anos e os recém-formados serão obrigados a trabalhar por dois anos no SUS (Sistema Único de Saúde). Adicionando o período de especialização, a formação de um médico pode atingir 12 anos.
Professor da unidade de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo),
Durval Damiani concorda que a mudança pode elitizar a carreira e ainda
ressalta a dificuldade para entrar no curso.
— Em média, um aluno fica quatro anos tentado o vestibular para entrar
no curso de medicina, depois são mais oito anos dentro do curso — agora,
os dois últimos anos sendo jogados fora — depois a residência, com que
idade ele vai se formar? Não há motivação nenhuma!
Diferente da residência, período em que o médico se especializa em uma
área, os anos de trabalho obrigatório no SUS devem dar uma formação mais
generalista aos profissionais. O trabalho será remunerado, mas o valor
ainda não foi definido pelo governo. Há a possibilidade de que a bolsa
fique entre o valor pago para residência (R$ 2.976,26) e a bolsa do
Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) que
pretende atrair médicos para regiões carentes do País (R$ 8 mil).
Professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas (Fafich) da UFMG (Universidade Federal de Minas
Gerais), Cornelis Van Stralen é a favor dos dois anos de experiência no
Sistema Único de Saúde para melhorar a formação dos recém-formados e
comenta que a importação de estrangeiros pode ajudar as regiões mais
necessitadas do Brasil:
— As associações médicas são contra a vinda dos médicos estrangeiros
até por uma questão de reserva de mercado. Existe um problema real com
10% de municípios sem médicos. Não vejo problemas em trazer médicos de
outros países. Dizer que o médico não pode fazer nada nesses lugares é
invenção. Lógico que, para funcionar bem, infraestrutura ajuda bastante.
É frustrante para o médico constatar que o paciente precisa de mais do
que ele pode oferecer, mas um profissional nessas regiões afastadas,
mesmo sem a infraestrutura ideal, já é capaz de fazer algo.
Especialista em política, planejamento e gestão em saúde, Van Stralen
afirma que mais médicos, entretanto, não vão resolver os problemas do
SUS.
— O SUS sofre com falta de recursos humanos e infraestrutura. Uma
pessoa que fica do lado de fora de um posto de saúde esperando
atendimento, em pé, na chuva, é a prova de que a deficiência não é só de
equipamentos, mas também de postos de saúde. O sistema público de saúde
precisa ser acolhedor e humanitário.
Perfil da carreira
Um estudo publicado pela Revista Brasileira de Educação Médica em 2011
aponta o perfil socioeconômico dos estudantes de medicina do Brasil:
grande parte dos futuros médicos é solteira (83%), está entre 23 e 25
anos (65%), mora com a família (71%) em imóvel próprio (69%).
A pesquisa obteve respostas de 1.004 estudantes, sendo 159 de escolas
privadas e 845 de instituições públicas. Os estudantes analisados
pertenciam a 13 cursos da área médica em seis estados do País, em cinco
diferentes regiões.
Além disso, o estudo ainda revelou que apenas 17% dos estudantes
pesquisados exerce alguma atividade profissional, contra 83% de
estudantes dedicados unicamente ao curso.
“Tem que querer muito”
No último ano, a relação candidato/ vaga no vestibular do curso de
medicina da USP foi de 56,43 candidatos para cada uma das 275 vagas. Já
na Unesp (Universidade Estadual Paulista), por exemplo, a relação foi de
185,3 candidatos por vaga. Se a concorrência em universidades públicas é
grande, o preço das universidades privadas é mais um desafio aos estudantes que sonham com a profissão. A mensalidade da faculdade custa no Brasil entre R$ 2.325 e R$ 6.836.
A estudante Bruna Belarmino, de 20 anos, faz cursinho há três anos e
afirma que a nova MP desanima os candidatos a futuros médicos.
— Já demora muito para conseguir entrar, depois ainda precisa fazer
residência. Desanima um pouco. Quem quer fazer medicina tem que querer
muito. Já vi muita gente desistir no começo. O curso é muito caro, mesmo
nas universidades privadas há poucas vagas e é difícil de entrar, não
basta ter dinheiro.
Atualmente, Bruna conta que não trabalha e dedica todo seu tempo ao estudo.
— Realmente é a carreira que eu quero. Quero cuidar das pessoas,
trabalhar com medicina. Conheço muita gente que não podia pagar um
cursinho, como há poucas vagas e o governo não ajuda, vai juntando tudo
isso e as pessoas acabam desistindo. Não tem como trabalhar, para passar
você precisa estudar o dia todo.
* Colaborou Jéssica Rodrigues, estagiária do R7
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