Matriz operou conta secreta,diz ex-dirigente da Siemens
O engenheiro Adilson Antônio Primo, que por dez anos presidiu a
Siemens no Brasil, afirma que uma conta no paraíso fiscal de Luxemburgo
foi "operacionalizada" pela matriz da multinacional na Alemanha. Ele
alega que a conta, que acumulou € 6 milhões, foi aberta em 2003 por um
diretor financeiro da companhia, com anuência da cúpula da matriz alemã.
"Naquela ocasião, a Siemens tinha certas contas, as chamadas contas de
compensação", disse.
Veja também:
Primo
ocupou a presidência da Siemens Brasil de outubro de 2001 até 2011.
Ex-executivos da empresa relataram, em acordo de leniência com o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que a multinacional
atuou em esquema de cartel no País de 1998 a 2008.
A
ascensão do mineiro de São Lourenço na Siemens começou ao se formar
engenheiro elétrico pela Universidade Federal de Itajubá (Unifei). Primo
"saiu para o mundo" em 1976, aos 23 anos, ao ganhar uma bolsa-convênio
da empresa alemã. Viveu três anos em Erlangen, perto de Nuremberg.
De
volta ao Brasil, em 1980, Primo foi contratado como engenheiro de
vendas, passou pelo marketing e subiu até chegar ao topo da
multinacional. Hoje, move um processo na Justiça do Trabalho contra a
empresa. No início de janeiro, o ex-número 1 da Siemens Brasil aceitou
salário de R$ 5,6 mil e o convite de Rodrigo Riera (PMDB), prefeito de
Itajubá (MG), para assumir a Secretaria de Coordenação-Geral e Gestão da
cidade de 96 mil habitantes na Serra da Mantiqueira.
Primo
não foi citado no acordo de leniência que executivos da companhia
firmaram com o Cade, mas, diante da crise que colocou a Siemens no
centro do grande escândalo dos cartéis para fraudes em licitações, pediu
exoneração, a fim de evitar constrangimentos ao amigo prefeito.
Ao Estado, Primo falou do que define como a longa jornada de dedicação à Siemens, até sua queda.
Leia Mais;
Desídia e insubordinação. Apenas tomei
ciência, não concordei. Tenho um processo trabalhista contra a empresa.
Não aceitei ser acusado de desídia e insubordinação pelo histórico que
tive na empresa. Em momento algum atribuem a mim improbidade, mas fiquei
chocado porque desídia é desleixo. Essa é a razão pela qual eu me vi
quase na obrigação, até como resposta aos meus pares, meus amigos, minha
família, de entrar com processo. Busco os meus direitos e a reparação.
Desleixo de um cara que colocou a empresa aonde ela chegou? Reconhecido
pela própria organização mundial, no Brasil? Tive que tomar essa
atitude.
A qual insubordinação se referem?
Já
refleti muito tentando achar em que episódio fui insubordinado. Fui um
cara que todos os chefes que tive se davam muito bem, respeitavam de
forma ampla, pela lealdade, pela ética, pelos resultados, pelo espírito
de colaboração. Onde fui insubordinado? Não consta nenhuma outra
acusação no documento oficial da minha demissão que não fossem essas
duas palavras, desídia e insubordinação. Você trabalha 35 anos na
empresa, em todos os cargos que eu passei deixei uma marca positiva.
Durante os anos em que fui presidente a empresa cresceu, foi rentável,
saiu de 5 para 13 fábricas. Eu era pessoa respeitada por toda a
organização na Alemanha e aqui no Brasil como um dos maiores
empresários. Falo isso com muito orgulho. Fui empresário do ano por três
vezes na área em que atuava.
Não foi por causa da conta de € 6 milhões em Luxemburgo?
A
conta de Luxemburgo é uma conta que era operacionalizada pela própria
Siemens da Alemanha, foi aberta em um determinado ano por funcionários
aqui do Brasil sem o meu conhecimento, mas era basicamente de
responsabilidade do diretor financeiro. Naquela ocasião a Siemens tinha
certas contas, que não existem mais. Até 2007 existiam, a Siemens tinha
as chamadas contas de compensação, e isso era da alçada e da
administração do diretor financeiro, e a operacionalização disso era da
Alemanha. Todas as vezes que fui perguntado se eu conhecia aquela conta
disse que não conhecia. Como presidente você assina 500 documentos por
dia. Num determinado dia, muitos anos depois, houve uma mudança. Essa
conta que tinha sido aberta e operacionalizada pela Alemanha, acabei
assinando um documento. Não assinei um documento, eu rubriquei
simplesmente, de mudança de titularidade. Foi aí que eles disseram que
eu sabia da conta e deveria ter avisado. Mas a conta era operada por
eles.
O sr. nunca operou essa conta?
Nunca.
Até porque eu não tinha nem procuração para isso, para movimentar.
Quando eu rubriquei a mudança de titularidade já haviam sido feitas,
pela própria Alemanha, movimentações nessa conta, aberta em 2003 pelo
diretor financeiro da época, que era um alemão, sem o meu conhecimento e
sem a minha assinatura. Eles faziam toda essa administração. Dois anos
depois houve essa mudança de titularidade, acabei rubricando, tinha lá o
meu nome. Eu não tinha nem a procuração, não movimentei conta nenhuma e
nem sei os movimentos que foram realizados, com que objetivos foram
feitos.
Quem era esse diretor?
Não
sei se poderia abrir isso aqui por causa do segredo de justiça. Eu não
movimentei essa conta. Não existe um documento de transferência que
estou fazendo dessa conta para algum lugar. Quando eu rubriquei isso daí
não era dinheiro do Brasil, não era dinheiro da Siemens Brasil. Não
houve transferência de recurso daqui para o exterior. Era uma conta
sempre administrada pelo diretor financeiro, que era sempre um
expatriado, aliás, até hoje. Sempre foi indicado pela Alemanha.
A
demissão tem a ver com a carta de um executivo para o ombudsman da
Siemens, em 2008, denunciando práticas ilícitas na companhia?
Não.
Em 2008, através da imprensa, e depois do próprio Ministério Público de
São Paulo, nós recebemos uma denúncia. O Ministério Público nos fez
questionamentos em função de uma denuncia anônima que citava três
contratos na área de trens e metrôs, mas não abriu nenhuma investigação
contra a Siemens. Como presidente da empresa, em nenhum momento, nenhum
colaborador veio discutir comigo aspectos relativos a conluios,
pagamentos ilícitos. A minha própria postura não dava o menor espaço a
alguém vir me falar isso. Nem nenhum funcionário público. Nunca estive
com presidentes de empresas concorrentes para discutir esses aspectos.
Em 2008, como presidente da Siemens, qual foi a atitude que tomei? Pedi
auditoria e mandei as perguntas do Ministério Público para a Alemanha,
para a área de compliance.
O sr. mesmo tomou a iniciativa?
Pedi
uma auditoria aqui, conduzida pela Devoise que veio na nossa área de
transportes. Nenhum tipo de indício que viesse a suspeitar de atos
ilícitos foi constatado. Em 2009 esse tema veio à tona novamente e, mais
uma vez, solicitei auditoria independente. Veio uma equipe da Alemanha,
aí tivemos conhecimento dos relatórios. Não tinha nenhuma situação que
indicasse problema de compliance. Eles verificaram problema de ordem
contábil, absolutamente natural. Eu cumpri o meu papel, não fui
desidioso. Como presidente tomei a decisão que deveria ter tomado. Se
você tem uma denúncia, muito bem, vamos apurar. Foi feita uma varredura
muito grande. Me senti confortável na medida em que tenho um relatório
que não indica atos ilícitos do ponto de vista de conluio entre
empresas. Agora, entendi pela mídia que a Siemens enviou ao Cade
documentos que ensejam suspeita de cartelização. Ela não enviou nenhum
outro tipo de documentação. Tanto é que colocou um fato relevante
refutando quaisquer outras interpretações. Até a data em que saí da
empresa, os relatórios indicavam o que acabei de colocar.
As licitações e os contratos passavam por suas mãos?
A
gente comanda uma empresa de 11 mil funcionários. Com essa estrutura
você tem diretorias, divisões e unidades de negócio. As pessoas que
comandavam as unidades de negócio eram diretores, tinha diretor da
unidade de negócio, diretor das divisões e o diretor estatutário. Toda a
parte de negócios, contratos, elaboração de propostas era feita no
nível dessas unidades e em linha com as divisões da Alemanha. A nossa
organização no Brasil é matricial. Ao mesmo tempo em que uma unidade de
negócios responde ao chefe de divisão a que ela está ligada, ela também
responde à unidade de negócios relativa na Alemanha. Todos esses
contratos e níveis de preço eram discutidos também com a Alemanha.
Nunca nenhum leniente comentou nada com o sr.?
Em
absoluto. O presidente de uma empresa desse tamanho, com essa
diversificação de negócios, não é responsável pelos atos dos seus
funcionários. Se um funcionário um dia fez um ato que não seguiu o
compliance, não é responsabilidade do presidente da empresa, que está no
nível de cima para tratar de estratégia, da infraestrutura. As metas
eram colocadas, eu cobrava. Agora, detalhes dos negócios eram realizados
nas unidades respectivas. E aqui não estamos falando de funcionários de
último escalão, mas de funcionários importantes. E sempre
matricialmente ligado com a Alemanha. Principalmente depois de 2007, a
influência da Alemanha cresceu muito. Tínhamos um instrumento através do
qual todas as características, as propostas técnicas e comerciais eram
discutidas com a Alemanha, com as áreas correlatas.
Teve contato com presidente de Metrô ou da CPTM?
Não.
Aquelas áreas é que tinham relação mais próxima. Eu nunca me sentei com
funcionários públicos para tratar de temas específicos de
concorrências. Até porque não me cabia como presidente.
Teve encontros com o ex-governador José Serra ou com o governador Geraldo Alckmin?
Só
em eventos institucionais. Fui vice-presidente da Abdib (Associação
Brasileira da Indústria de Infraestrutura de Base), o governador esteve
lá. O Serra não sei, mas o Alckmin esteve. Foram eventos institucionais,
públicos.
Reuniões no Palácio dos Bandeirantes ou na empresa?
Não. Nunca estive. Aliás, nunca nenhum deles visitou a Siemens.
Quais os seus planos?
Tenho alguns convites para fazer consultorias em empresas, elas estão procurando pessoas com experiência.
Fonte MSN.Estadão
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