Senado prepara nova lei de porte e posse de armas para substituir decretos
Em seis meses, o governo editou sete decretos sobre porte e posse de armas e prometeu encaminhar um projeto de lei. O Senado chegou a aprovar a anulação de dois deles em junho e encaminhou a decisão à Câmara, mas o governo decidiu revogar as medidas e reeditou parte do conteúdo. Esse “vai e vem de decretos” é criticado por senadores que consideram que Bolsonaro invadiu a competência do Congresso, a quem cabe legislar sobre o tema.
— Infelizmente o presidente insiste em
legislar em matéria de Direito Penal através de decreto. Ele está
violando a Constituição Federal. Vamos entrar com um projeto de decreto
legislativo para sustar os efeitos porque esses decretos ultrapassam os
limites de sua competência — criticou o senador Fabiano Contarato
(Rede-ES).
A opinião é compartilhada pela senadora
Eliziane Gama (Cidadania-MA) para quem o presidente extrapolou ao tentar
alterar o Estatuto do Desarmamento por decreto. A senadora informou que
apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para limitar a
edição de decretos sobre o mesmo tema em um mesmo ano, dispositivo que
já vale por exemplo para medidas provisórias.
— Se o presidente fizer um decreto
presidencial e houver um projeto de decreto legislativo que sustou o
decreto, ele não poderá editar outro com o mesmo objetivo. O presidente
não tem tido muito critério nessas situações — avaliou a senadora.
Favorável aos decretos presidenciais, o
senador Marcos do Val (Cidadania-ES) considera que a derrubada das
propostas pelo Senado evidencia certa resistência de alguns
parlamentares em relação ao tema. O senador capixaba foi o relator dos
projetos de decreto legislativo que pediram a anulação das iniciativas
de Bolsonaro e defendeu a manutenção das propostas do governo, mas foi
voto vencido.
— As armas são o único meio para defesa de
inocentes expostos à violência de bandidos. Todo cidadão tem direito à
autodefesa. Sem esse direito, as pessoas ficam vulneráveis. E sem
segurança não existe a liberdade. Se o cidadão estiver amparado pela lei
para defender sua família, o criminoso vai pensar duas vezes antes de
invadir uma residência ou um comércio — afirmou.
PL das Armas
O texto que aguarda leitura e votação na
CCJ é um substitutivo do relator, senador Alessandro Vieira
(Cidadania-SE), a uma proposta apresentada por senadores do PSL e pelo
líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE) que praticamente
repete o teor dos decretos editados por Jair Bolsonaro. A versão
apresentada por Vieira engloba 18 das 31 propostas que estão no Senado
sobre o tema e ainda incorpora medidas previstas em projetos em análise
na Câmara (151 projetos foram apresentados na Câmara apenas em 2019) e
sugestões recebidas por um site eletrônico (https://pldasarmas.com.br/),
criado para receber críticas e sugestões. Apenas nas primeiras 24 horas
no ar, foram recebidas mais de mil contribuições.
Na justificativa da proposta, Bezerra,
Major Olímpio (PSL-SP), Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Soraya Thronicke
(PSL-MS) argumentam que a maioria da população escolheu, ao votar em
Bolsonaro nas últimas eleições, o direito à posse e ao porte de armas de
fogo e à garantia da legítima defesa do cidadão. Segundo eles, o Estado
se mostrou ineficiente em proteger a população.
“É fato que o Estado não possui mínimas
condições de defender os cidadãos, prova constatada nas sessenta mil
mortes violentas ao ano no Brasil”, argumentam no projeto.
A iniciativa de facilitar o porte de armas
proposta pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) é reprovada por 70% dos
brasileiros, segundo pesquisa Datafolha divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo no dia 11 julho.
Apesar de considerar legítimo o acesso a
armas de fogo daqueles que atendem os requisitos da lei para a defesa de
sua família e patrimônio, Alessandro Vieira aponta que colocar
revólveres e pistolas nas mãos dos cidadãos não pode ser a política de
segurança do país.
— Esse exercício de um direito individual
não se confunde com medida de combate à criminalidade ou mesmo de
reforço para a atividade de Segurança Pública. O único caminho para
reduzir os indicadores alarmantes de violência no Brasil é a adoção de
uma política de Segurança Pública baseada em evidências, com garantia de
financiamento adequado e com a coordenação da União, abarcando
prevenção, repressão qualificada e ressocialização do encarcerado. Fora
disso, o que temos são ações com efeito pontual ou meramente cosmético —
defende.
Polêmica
Entre os pontos polêmicos da
flexibilização proposta pelo governo estava a previsão de que 19
categorias profissionais, a exemplo de caminhoneiros, advogados,
políticos e jornalistas, poderiam requerer autorização para portar arma
de fogo nas ruas. Essa autorização foi revogada pelo governo. Outra
questão sensível é a possibilidade de liberar armas mais potentes para
civis, ampliando o rol de equipamentos considerados de uso permitido. A
medida foi revista em um dos últimos decretos que determinou que o
Exército elabore em 60 dias os parâmetros de aferição e a listagem dos
calibres nominais que se enquadrem nos limites estabelecidos.
Exame toxicológico
No relatório entregue na CCJ, Alessandro
Vieira incluiu um novo requisito para aquisição de arma de fogo: a
realização de exame toxicológico. Conforme a proposta, além de outras
exigências já previstas, o interessado em comprar armas deverá
“apresentar exame toxicológico de larga janela de detecção, não inferior
a 180 dias, com resultado negativo”. Esse teste, que detecta o uso de
substâncias proibidas como cocaína, crack e anfetaminas é o mesmo hoje
exigido periodicamente de motoristas de caminhão, ônibus e vans para
renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Após cinco anos de obtenção do registro,
alguns dos possuidores de armas serão submetidos novamente ao teste por
“submissão randômica”, ou seja, aleatória. Se o resultado der positivo, a
posse ou o porte ficará suspenso por cinco anos.
Área rural
Para a área rural, entre outros
requisitos, está prevista no texto a comprovação de efetiva necessidade e
a apresentação de declaração de que conta em sua residência com um
cofre para guardar armas e munições. Alessandro Vieira, que também foi
relator de um projeto aprovado pelo Senado que reconhece que posse de
arma em área rural deve valer para toda a propriedade (PL 3.715/2019), incluiu no PL 3.713/2019
que a efetiva necessidade será presumida em área da zona rural onde não
houver delegacia de polícia ou unidade policial em um raio de 50 km, o
que vai facilitar o porte para proprietários de fazendas.
Potência da arma
O texto propõe aumentar a potência de arma
para porte de civis de 407 joules — um revólver de calibre 38, por
exemplo — para 520 joules, o que permitiria o porte de pistolas 9 mm,
arma de uso restrito das forças de segurança. Joule é uma unidade de
medida de energia.
Por outro lado, ele aumenta a pena nos
casos de porte ou posse ilegal e omissão de cautela (em caso de
facilitar o acesso a criança, adolescente ou pessoa com deficiência
mental). A punição proposta é detenção de 1 a 3 anos, além de multa. Já
para o porte ilegal a pena será de 3 a 5 anos, e multa.
Entre as mudanças propostas estão também a
suspensão do porte de arma daquele que estiver sendo investigado por
violência doméstica, ameaça, lesão corporal ou homicídio.
CAC
O texto também flexibiliza regras para
posse e porte de armas para caçadores, atiradores e colecionadores
(CACs). Em audiência pública na CCJ no dia 4 de julho, representantes
dos CACs pediram que seja mantida previsão que consta nos decretos do
governo que facilitam o acesso a munição e transporte de armas de fogo
para esse grupo. Jodson Edington Junior, vice-presidente da Confederação
Brasileira de Tiro Esportivo, afirmou que essas categorias ficaram em
um vácuo legislativo desde o Estatuto do Desarmamento. Atiradores
esportivos, segundo ele não têm direito ao porte de armas, apenas ao
porte “em trânsito”, ou seja, transportar a arma municiada e pronta para
uso no trajeto entre o local de acervo e o de treinamento.
— Nós não temos até hoje nessa
regulamentação. O que nós queremos é exatamente praticar o esporte de
forma legal. Porte de arma é um direito que não foi dado para a gente.
Para ter esse direito o atirador, bastaria apenas criar um critério mais
rigoroso. Agora, temos outras classes que estão conseguindo esse mesmo
porte sem fazer nenhum exame, sem fazer nenhum teste de tiro, sem
praticar — disse.
Já Daniel Terra, da Associação Nacional de
Caça e Conservação, ressaltou o papel dos caçadores no controle de
javalis e também pediu regras mais flexíveis para o grupo.
— Nós temos hoje, no Brasil, 40 mil
controladores de javali cadastrados no Ibama. Estar cadastrado no Ibama
não quer dizer que essas pessoas estão habilitadas a portar ou
transportar armas de fogo. Na Alemanha, existem 300 mil controladores
armados, fazendo o controle do javali. Não tem esse excesso de
regramento, e no Brasil ele é um animal exótico e é tratado de uma
maneira que não deveria ser tratado: ele não é encarado, hoje, como uma
praga. Se a Alemanha tem 300 mil controladores de javali, nós
precisaríamos ter no Brasil, no mínimo, um milhão — disse.
Armas desviadas
De acordo com o Exército, 163.546
caçadores, atiradores e colecionadores são registrados no Brasil. São
389.318 armas pertencentes a esse grupo, uma média de 2,38 armas por
cidadão. Em 2018 foram roubadas/furtadas 989 armas. O coronel Dimas
Silvério da Silva destacou que o Brasil é um dos poucos países que marca
munições e ressaltou que são poucos os casos de desvios envolvendo
CACs.
— Em 2019 foram roubadas/furtadas 461
armas. A média de armas roubadas ou furtadas ao longo dos anos dá
0,0102% do total de armas pertencentes ao CAC, um percentual baixo, não
temos tido muitos problemas — disse o coronel.
Mas organizações contrárias à
flexibilização argumentam que facilitar o acesso a armas e munições vai
aumentar a violência. Eles também temem o aumento “de armas e munições
desviadas”. Felipe Angelli, do Instituto Sou da Paz, afirmou que é
preciso melhorar o rastreamento de armas e munições em circulação no
país, que muitas vezes caem nas mãos de criminosos. Ele lembrou que o
lote de munições de onde saíram os projéteis usados para assassinar a
vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes no ano passado,
por exemplo, foi roubado da Polícia Federal e vendido de forma
irregular.
— De fato, ter estatísticas em relação a
isso é muito difícil, porque, para a gente conseguir identificar em cada
homicídio aquele que é cometido por alguém que tem um CR [registro]
emitido pelo Exército, a gente precisaria ter acesso ao sistema de
registros de armas. A gente tem essa dificuldade de identificar a
totalidade de casos, mas eu consigo aqui elencar uma série de casos
recentes de pessoas com registro de CAC que cometeram crimes de grande
repercussão. Existe um acusado, um suspeito no Rio de Janeiro que se
chama Ronnie Lessa. Ele é acusado de ter tido participação no
assassinato da Vereadora Marielle Franco e também de integrar milícias.
Ele tinha registro de atirador desportivo — disse Angelli.
Atendendo em parte ao pedido dessas
organizações, o senador Alessandro Vieira propõe a criação de
dispositivos de caráter antimilícia, para responsabilizar entidades e
indivíduos pelo desvio de arsenais. O projeto também determina a
integração dos dois sistemas de registros de armas, o Sigma (Sistema de
Gerenciamento Militar de Armas), do Exército, e o Sinarm (Sistema
Nacional de Armas), gerenciado pela Polícia Federal, além da redução de
10 mil para 1.000 unidades os lotes de munições. O objetivo é facilitar a
investigação de crimes com armas de fogo.
Fonte: Agência Senado
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