TJ-SP poderá julgar contrato suspeito do próprio tribunal com amigo de Temer
Foto: Fábio Motta/Estadão |
Sete meses após a Polícia Federal ter apresentado o relatório final do inquérito que investigou suspeitas de envolvimento do ex-presidente Michel Temer (MDB) em pagamentos de propina no setor portuário, uma ponta da apuração, sobre obras no Tribunal de Justiça de São Paulo, permanece solta. As suspeitas da PF sobre o tribunal se iniciaram quando foram analisados documentos encontrados na sede da Argeplan, empresa de João Baptista Lima Filho. Conhecido como coronel Lima, ele é apontado pelo Ministério Público como operador financeiro do ex-presidente Temer. Os papéis se referiam a repasses de um contrato, em vigência de 2013 a 2018, entre o TJ e um consórcio formado pela Argeplan e pela Concremat Engenharia. Com três aditivos, o valor acertado ultrapassa R$ 130 milhões.
Segundo o TJ, chegaram a ser pagos R$ 73 milhões pelos serviços das empresas. A principal desconfiança dos investigadores é que houve superfaturamento e que parte do contrato não foi cumprida. Esse desdobramento das investigações atualmente tramita na Justiça Federal de SP, sem decisão se será transferido para o âmbito da Justiça Estadual. Se isso ocorrer, o caso deixará de ser analisado por juízes federais e ficará sob responsabilidade de magistrados do próprio tribunal investigado. No relatório dos portos, a PF destaca a “abstração do objeto do contrato” feito pelo TJ com a Argeplan e Concremat. O serviço prestado seria de “apoio técnico por profissionais na área de arquitetura e engenharia”. Na prática, o consórcio faria a fiscalização de obras em prédios do tribunal paulista e elaboraria projetos de acessibilidade, reformas e proteção e combate a incêndio.
Para anunciar o edital da licitação das obras, o TJ gastou só R$ 242, em um anúncio em revista de pequena circulação. Tudo isso levantou questionamentos da desembargadora Maria Lucia Pizzotti, que coordenava as obras de restauro do Palácio da Justiça, ao então presidente do TJ, Paulo Dimas Mascaretti. Esse, que assumiu a presidência em 2016, não foi responsável pela elaboração do contrato inicial com o consórcio, mas autorizou um dos aditivos. Entre outros problemas, Pizzotti reclamou em emails que o consórcio Argeplan/Concremat fiscalizaria a restauração do palácio —obra que teve projeto elaborado pela própria Argeplan e execução da empresa Concrejato, cuja dona é a Concremat.
Ou seja, Pizzotti afirmou que havia conflito de interesses entre o consórcio que fiscalizaria a execução e os realizadores do projeto e obra. Após essas críticas, a desembargadora foi procurada pela PF. Aos investigadores disse que considerava o preço do contrato desproporcional, que os valores dos projetos não contavam com forma clara de cálculo e que houve triangulação de contratos e pedidos de aditivos sem necessidade justificada. “Me levou à conclusão de que em se tratando de projetos de pouca complexidade, os valores poderiam estar supermensurados”, disse ela.
Folha de S.Paulo
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