Políticos da Amazônia usam vídeos para incentivar crimes ambientais e invasão de terras indígenas
Foto: Tiago Queirós/Estadão |
Olhando para a câmera de vídeo e rodeado de madeireiros de Rorainópolis (RR), o senador Telmário Mota (PROS-RR) se dirige ao superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, e vocifera: “Você vai pagar, eu vou pra cima de você”.
A declaração, de outubro, é uma reação à Operação Arquimedes, que desarticulou um esquema de extração ilegal de madeira na região amazônica. Foram apreendidos cerca de 400 contêineres no porto de Manaus, e cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensão em sete estados e no Distrito Federal. A PF não se manifestou sobre o ataque do senador.
Há décadas, políticos locais da região da Amazônia mantêm ligações com infratores ambientais, grileiros e invasores de terras indígenas. Com a ascensão de Jair Bolsonaro (sem partido), crítico das leis ambientais e da fiscalização feita pelo Ibama, alguns passaram a defender abertamente ações criminosas e a atacar agentes do Estado.
Levantamento da Folha mostra que, nos últimos meses, ao menos seis políticos com cargos públicos de quatro estados aparecem em vídeos apoiando ou realizando ações sem respaldo legal.
O caso mais recente é desta sexta-feira (28). Empunhando uma motosserra, o deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) aparece destruindo a barreira usada para fechar a BR-174 (Manaus-Boa Vista) durante a noite, em trecho que corta a Terra Indígena (TI) Waimiri-Atroari.
A restrição de uso da estrada é feita pelos próprios indígenas desde 1997, quando o Exército, que cuidava desse controle, se retirou das duas barreiras. O objetivo é assegurar a tranquilidade das aldeias durante a noite e impedir atropelamentos da fauna. Há um ação em tramitação sobre a abertura ao tráfego nesse período na Justiça Federal.
“BANDIDOS E MALANDROS”
No Pará, o senador Zequinha Marinho (PSC) chamou de “servidores bandidos e malandros” os agentes do Ibama que atuam na fiscalização da Terra Indígena Ituna/Itatá, localizada perto de Altamira (PA).
Alvo de grileiros, é a terra indígena mais desmatada no ano passado em todo o Brasil. De 2018 a 2020, foram 112 km² desmatados (o equivalente a 71 parques Ibirapuera, em São Paulo), segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), da ONG Imazon, sediada em Belém.
Em fevereiro, Marinho gravou um novo vídeo. Desta vez, anunciava, após reunião com o Ministério Público Federal, que a fiscalização na terra indígena estava suspensa. O MPF, porém, desmentiu o senador.
No Acre, o governador Gladson Cameli (PP) foi filmado exortando moradores do município de Sena Madureira a não pagar multas ambientais emitidas pelo Imac (Instituto do Meio Ambiente do Acre) “porque quem está mandando agora sou eu”. O vídeo é de 31 de maio do ano passado.
Segundo levantamento do ISA (Instituto Socioambiental), houve em Sena Madureira 2.574 alertas de desmatamento nos meses de junho e julho, 225% a mais do que nos mesmos meses de 2018.
Para a ONG, há uma relação de causalidade entre a declaração do governador e o avanço sobre a floresta.
Ao justificar a declaração, Cameli afirmou na época que “antes, nossos produtores rurais viviam traumatizados pelos excessos cometidos nas gestões anteriores, que ultrapassavam a própria legislação.”
Em Rondônia, o deputado estadual Sargento Eyder Brasil (PSL) gravou um vídeo em que acusava o ICMBio, órgão de preservação ambiental, de desviar madeira em Espigão d’Oeste. “Esses bandidos, esses canalhas, eles só podem achar que rondoniense é tudo tobó [idiota]”, disse.
Coincidência ou não, algumas das regiões mencionadas pelos parlamentares registraram incidentes contra agentes ambientais. Em Espigão d’Oeste, um caminhão-tanque a serviço do Ibama foi queimado em julho. Em Rorainópolis, um madeireiro foi morto no início deste mês durante troca de tiros com a PM, que apoiava agentes do Ibama.
Já na terra indígena Ituna/Itatá, um antropólogo bolsonarista e ligado a Zequinha Marinho foi detido e algemado ao tentar impedir a fiscalização do Ibama, também neste mês.
Folha de S.Paulo
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