Em guerra contra Moro, Aras enfrenta ‘guerrilha’ interna na Procuradoria
Bolsonarismo do PGR acirrou levante no Ministério Público Federal, especialmente entre os lavajatistas
Presidente Jair Bolsonaro e o procurador-geral da República, Augusto Aras (Foto: Isac Nóbrega/PR) |
Não surpreende que um levante de abril na Procuradoria tenha virado coisa pior. “O clima é de guerra”, diz Eugênio Aragão, subprocurador-geral aposentado. “Uma grande maioria de colegas está indignada. E não só os de esquerda. Toda a turma conservadora, lavajatista, está profundamente irritada. E são eles, principalmente, que fazem essa pressão pela constitutucionalização da lista tríplice.”
Uns 650 procuradores, cerca de 55% do total, assinaram nos últimos dias um manifesto em favor de se pôr na Constituição a regra de o procurador-geral ser escolhido sempre entre três candidatos eleitos pela categoria. Aras foi o primeiro desde 2003 a chegar a PGR fora desse padrão. Seu governismo explica por que foi pinçado por Bolsonaro. O manifesto é dirigido ao Congresso.
Esse governismo “é muito ruim para a casa (a Procuradoria)”, diz um subprocurador-geral, este na ativa e que pede para não ser identificado. Para esta fonte, Aras “vai morrer abraçado” a Bolsonaro, por sonhar com uma indicação presidencial ao Supremo Tribunal Federal, onde blinda o ex-capitão. Foi logo após pedir ao STF a suspensão do inquérito das fake news, que o manifesto surgiu.
Aras usa o Supremo para fustigar Moro. Foi a seu pedido que a corte abriu o inquérito sobre as alegações do ex-juiz quanto às razões particulares de Bolsonaro para trocar a chefia da Polícia Federal (PF). Só que o PGR queria a apuração também de possíveis crimes de injúria, calúnia e denunciação caluniosa. Que teriam sido cometidos por Moro nas alegações sobre o presidente.
Nesse inquérito, o juiz Celso de Mello, o encarregado do caso, liberou um vídeo com a íntegra de uma reunião ministerial de Bolsonaro de 22 de abril, como defendia Moro. Aras era contra. E em um documento a Mello, tascou: “Não compactua com a utilização de investigações para servir, de forma oportunista, como palanque eleitoral precoce das eleições de 2022”. Bolsonarismo na veia.
Mais: Aras retomou conversas sobre uma delação embaraçosa para Moro, conforme noticiou O Globo. São alegações do advogado Rodrigo Tacla Durán, que foi da Odebrecht e caiu nas garras de Moro no passado. Durán diz que o advogado Carlos Zucolotto Jr, padrinho de casamento de Moro e antigo sócio da esposa do ex-juiz, traficava influência na Operação Lava Jato em troca de grana.
“É uma guerrilha (contra Aras na PGR) e agora vai ser cada vez mais uma guerrilha”, diz o subprocurador-geral que falou anonimamente a CartaCapital. Uma “guerrilha” iniciada na forma de um “levante” em abril, com a ameaça da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) de entrar no STF com um mandado de segurança contra Aras, por ele ter tentado amordaçar a categoria em processos sobre coronavírus.
Um exemplo de “guerrilha” é a eleição, agora em junho, de membros do Conselho Superior do Ministério Público. O CSMP é o órgão decisório máximo do Ministério Público Federal (MPF). Abre sindicâncias e aprova critérios para distribuir inquéritos entre procuradores, por exemplo. Pode frear o PGR. Aras precisa ter maioria entre os 10 conselheiros (ele é um deles), para governar a casa em paz. Mas há uma articulação de grupos de oposição para tentar vencer.
O Conselho pesa também na definição do comando das sete câmaras de coordenação e revisão do MPF. Estas câmaras dividem-se por temas e têm o poder de reabrir casos arquivados por algum procurador. São uma barreira a engavetamentos, exceto em casos em que apenas o PGR pode atuar, como processos contra o presidente. Elas possuem três membros. Um é indicado pelo PGR. Os outros dois, pelo Conselho.
Apesar disso tudo, diz Eugênio Aragão, quem conseguiria agir de fato contra o procurador-geral, se entender que ele descumpre sua missão ao proteger Bolsonaro, é quem aprova um indicado à PGR. “Ele pode ser destituído pelo Senado. O problema é que o patamar de exigência para isso é muito alto, de dois terços dos votos. Me parece que hoje Bolsonaro bloqueia esse quórum.”
Aras, afirma Aragão, poderia ser alcançado ainda por uma acusação de “crime de responsabilidade”, com base na Lei do Impeachment, a 1.079, de 1950. Mas provar que ele agiu de forma indevida, e não por interesse em salvar a pele do padrinho, seria difícil. “Ele sempre pode se socorrer dizendo que estava fazendo uma interpretação legítima da Constituição. Infelizmente, o juridiquês dá margem a esse tipo de ginástica retórica.”
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