Poder empresarial se retrai após proibição de doação, mas mantém influência nas eleições

                                                    Foto: José Cruz/Agência Brasi

A proibição de que empresas financiem as campanhas eleitorais, decisão que acaba de completar cinco anos, não eliminou a influência do poder econômico nas disputas, embora tenha restringido o seu alcance.

Deixaram a arena eleitoral grandes bancos, empreiteiras e outras gigantes nacionais, mas fundadores e dirigentes de empresas de grande e médio porte continuam na lista dos principais responsáveis por direcionar dinheiro a candidatos.

Levantamento da Folha nas prestações de contas tornadas públicas até a última sexta-feira (9), ou seja, relativas ainda à reta inicial da campanha, mostra que candidatos a prefeito e vereador no país já receberam R$ 60 milhões de doações de pessoas físicas, em especial, empresários.

Candidatos com grande patrimônio, a quase totalidade empresários, também retiraram do próprio bolso e aplicaram nas campanhas outros R$ 71 milhões, totalizando em R$ 131 milhões o dinheiro privado declarado até agora pelas campanhas.

No topo do ranking das doações, com R$ 1,050 milhão, está Eugenio Pacelli Mattar, diretor-presidente da Localiza. Ele é irmão de José Salim Mattar Jr. —fundador da empresa e secretário de Desestatização do governo Jair Bolsonaro até agosto—, que também já fez doações de R$ 300 mil, figurando na décima posição entre os maiores financiadores privados da campanha.

O destinatário de quase todo o valor da doação de Eugênio (R$ 1 milhão) é Rodrigo Paiva (Novo), candidato a prefeito de Belo Horizonte.

Apoiado pelo governador Romeu Zema (Novo), Paiva obteve apenas 2% das intenções de voto na pesquisa do Datafolha divulgada na quinta-feira (8). O líder é o prefeito Alexandre Kalil (PSD), com 56% das intenções de voto.

“Considero que o apoio individual a partidos políticos é uma forma de participação legítima no desenvolvimento de uma sociedade democrática e plural. Representa o apoio cidadão a causas consideradas relevantes e que devem ser debatidas pela sociedade”, afirmou Eugênio, dizendo ainda que a doação foi uma iniciativa própria, sem vínculo com o negócio que ele comanda e de acordo com a lei.

A maior doação de Salim Mattar até agora (R$ 200 mil) é para o ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM), candidato à Prefeitura do Recife.

Há quatro anos, Salim Mattar fez doações no total de R$ 370 mil. Em 2018, ano de eleições gerais, saltou para R$ 2,9 milhões, com destaque para Zema, que recebeu R$ 700 mil. Maior empresa de locação de veículos do país, a Localiza é sediada em Belo Horizonte.

As demais colocações no topo do ranking de doadores também são ocupadas, até agora, por empresários.

Com repasses acima de R$ 500 mil estão, entre outros, o senador e empresário Eduardo Girão (Podemos-CE), que injetou recursos na campanha de Capitão Wagner (PROS) a prefeito de Fortaleza, e Rafael Nazareth Menin Teixeira de Souza, que doou até agora R$ 500 mil a João Vítor Xavier (Cidadania), candidato a prefeito de Belo Horizonte (6% das intenções de voto, pelo Datafolha).

Rafael é diretor-presidente da construtora MRV e filho do empresário Rubens Menin, fundador e presidente do conselho de administração da empresa e principal sócio da CNN Brasil.

Rubens Menin foi o terceiro maior doador em 2016 (para vários candidatos, em especial o MDB nacional) e o 6º em 2018 (em especial para o DEM do Rio de Janeiro).

Girão afirmou que acredita na política como o caminho para a transformação social e que se sente na obrigação de incentivar candidatos que considera terem as qualidades necessárias.

“A legislação permite que uma pessoa fisica doe até 10% da renda bruta anual declarada à Receita Federal. Portanto, acredito ser positivo o novo processo, pois une limitação financeira e transparência, já que o nome do doador é declarado publicamente na prestação de contas do candidato.”

Rafael Menin não se manifestou.

Até as eleições de 2014, bancos, empreiteiras e outros pesos-pesados do PIB nacional respondiam pela maior parte do financiamento empresarial. Naquela eleição, o gasto declarado pelos candidatos ficou em torno de R$ 5 bilhões (valor da época), com cerca de 60% saídos dos cofres de empresas como JBS, Odebrecht e Bradesco.

As duas primeiras se tornaram pivôs dos principais escândalos de corrupção no Brasil, nos últimos anos, sob suspeita de repassar propina a políticos em troca de benesses na máquina pública.

Em 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu o financiamento empresarial das campanhas sob o argumento de que a prática desequilibrava a disputa e representava a captura da política pelo poderio econômico.

“A influência do poder econômico culmina em transformar o processo eleitoral em jogo político de cartas marcadas e o processo eleitoral em odiosa pantomima, que faz do eleitor um fantoche”, afirmou a ministra Rosa Weber, durante o julgamento.

Um exemplo desse possível desequilíbrio de armas pode ser observado na campanha à prefeitora de Casa Nova, cidade do interior da Bahia com pouco mais de 50 mil eleitores.

O empresário do ramo de supermercados José Humberto Souza repassou R$ 200 mil à candidatura do tucano Anísio Viana, 96% do que ele arrecadou até agora. Dos seus quatro concorrentes, três não declararam nenhuma movimentação financeira até agora e o quarto, Wilker do Posto (PSB), afirma ter recebido R$ 40 mil do fundo partidário. A Folha não conseguiu falar com José Humberto.

Apesar da decisão de 2015 do STF, há brechas que possibilitam a participação legal de empresas nas campanhas.

Primeiro, o limite de doação de pessoas físicas atrelado aos rendimentos do doador (10%), o que permite cidadãos com altos rendimentos direcionarem volumes consideráveis para as campanhas.

Além disso, a ausência de qualquer impedimento para executivos de uma mesma empresa fazerem doações em conjunto, prática verificada em 2016 e 2018, e a ausência até este ano de um limite específico para o autofinanciamento, o que beneficia candidatos mais ricos, em geral, empresários.

Há ainda o financiamento ilegal, o chamado caixa dois, que é a injeção de dinheiro na campanha sem conhecimento da Justiça Eleitoral.

Após a proibição do STF, em 2016 os gastos eleitorais no país ainda foram predominantemente privados, mas em menor volume —R$ 1,13 bilhão de autofinanciamento e R$ 1,35 bilhão de doações de pessoas físicas, em especial empresários.

Naquela disputa municipal, os doadores campeões foram os irmãos Alexandre e Pedro Grendene, com R$ 6,6 milhões, em valores da época, para vários partidos e candidatos.

Eles também fizeram expresssivas doações em 2018 (R$ 2,1 milhões) e, na atual disputa municipal, direcionaram até agora R$ 50 mil (R$ 25 mil cada um) ao PP de Farroupilha, no Rio Grande do Sul, onde a empresa foi fundada. O candidato do partido a prefeito da cidade é Fabiano Feltrin.

Em 2018, nas eleições para presidente, congressistas, governadores e deputados estaduais, o dinheiro privado deixou, pela primeira vez, de ser a principal fonte dos candidatos, já que o Congresso criou o fundo eleitoral, que, ao lado do fundo partidário, se tornou a principal fonte de receita.

Naquela eleição, dos R$ 5,9 bilhões gastos pelas campanhas, R$ 1,15 bilhão foi dinheiro privado. O campeão de doações foi o empresário Rubens Ometto Silveira Mello, da gigante do setor de energia e combustível Cosan, com R$ 7,5 milhões. Não há doações do empresário registradas até agora na disputa de 2020.

Em São Paulo, dos 14 candidatos, 7 já declararam algum tipo de movimentação financeira. Cinco disseram ter recebido recursos públicos dos fundos Eleitoral e Partidário —Jilmar Tatto (PT), R$ 2,14 mihões, Guilherme Boulos (PSOL), R$ 1,16 milhão, Joice Hasselmann (PSL), R$ 1 milhão, Marina Helou (Rede), R$ 320 mil, Orlando Silva (PC do B), R$ 281 mil e Vera (PSTU), R$ 51 mil.

Dois declararam receita privada: Arthur do Val (Patriota), com R$ 163 mil, mais da metade vindo de vaquinha virtual, e o prefeito Bruno Covas (PSDB), com R$ 212 mil, a quase totalidade (R$ 200 mil) vinda de uma doação de José Roberto Lamacchia. Ao lado da mulher, Leila Pereira, Lamacchia detêm uma das maiores fortunas do país —o casal é controlador da Crefisa, que patrocina o Palmeiras, e de várias outras empresas.

Em 2016 o limite do autofinanciamento era o mesmo do limite do cargo disputado. Em 2020 passou a valer a regra que limita o dinheiro próprio a 10% do teto do cargo disputado, que varia de acordo com o tamanho da cidade.

O campeão no autofinanciamento até agora é o prefeito de Betim (MG), Vittorio Medioli (PSD), cuja fortuna declarada é de R$ 352 milhões. Dono de empresas de transporte, veículos e comunicações (entre elas a que edita o jornal mineiro O Tempo), Medioli financiou sua campanha à reeleição com R$ 500 mil, quase o novo teto permitido.

Por meio de sua assessoria, o prefeito disse que “a campanha segue estritamente o que é permitido por lei”.​

Folha de S.Paulo

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