Governo Bolsonaro avalia que China mira águas do Brasil
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress |
As desconfianças do governo brasileiro em relação à China começaram a ser expostas em papéis oficiais. Documentos do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) obtidos pelo Estadão registram a preocupação com um interesse do país asiático pelos recursos naturais estratégicos, especialmente a água. O órgão comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) destaca que as potencialidades brasileiras já estão na mira de potências como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.
“A entrada da China no seleto grupo de grandes potências econômicas hegemônicas do mundo, contextualiza uma nova realidade global, na qual regiões ricas em recursos naturais estratégicos passam a ser o alvo das políticas externas do Governo chinês”, ressalta uma apresentação feita na última terça-feira, 3, aos integrantes do Conselho.
O documento ressalta que, na crise global da água, a situação já é crítica na República Popular da China, na Índia, no México e na região do Chifre da África – que abrange Somália, Etiópia, Eritreia e Djibouti. Nesses países, segundo o governo, os lençóis freáticos registram queda de um metro por ano, acima da taxa natural de reposição, o que aponta grave crise em 20 a 25 anos.
Apresentado por um subordinado de Mourão na reunião, o documento destaca um possível apoio de “entidades ambientalistas” aos governos europeus, além de “interesses menos republicanos entre nacionais”. “Será que vale a pena a troca de provocações nas Relações Internacionais?”, questiona o documento. A equipe de Mourão ainda lançou novo questionamento: “Qual seria a melhor estratégia para o Brasil?”. A resposta está registrada logo abaixo. “Assegurar sua soberania pela Coordenação e Integração de Políticas Públicas, por intermédio do CNAL”.
Gestão quer limitar atuação de organizações que contrariem ‘interesses nacionais’
Como o Estadão revelou nesta segunda-feira, o conselho traçou objetivos para a região da Amazônia. Entre eles, a criação de um “marco regulatório” para controlar as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que atuam na região. Segundo documentos entregues a membros do conselho, a meta é impedir a atuação na floresta de ONGs que não atendam aos “interesses nacionais”.
Os objetivos do conselho dividem-se em três principais eixos (preservação, proteção e desenvolvimento sustentável). Cada tópico é subdividido em objetivos mais pontuais, que têm metas e ações programadas. Na última semana, Mourão pediu para diversos ministérios indicarem especialistas para debater estes objetivos junto ao conselho. Além de um ofício assinado pelo general, a Vice-Presidência encaminhou a apresentação feita aos membros do conselho e tabelas com as descrições dos objetivos do grupo. Duas fontes do governo que acompanham as discussões confirmaram o envio dos documentos.
Questionado nesta segunda-feira sobre o assunto, Mourão disse desconhecer a proposta sobre as ONGs, apesar de ele mesmo ter assinado o comunicado convocando servidores de outras pastas para discutir o tema.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, o governo se isola ao pautar ações por “teorias da conspiração”. “A China tem importância ao País, principalmente no mercado internacional”, disse.
As discussões do conselho sobre a Amazônia ocorrem no momento em que o Palácio do Planalto avalia se vai manter seu discurso ambiental com a vitória do democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, e o País sofre desgaste no exterior por causa do desmatamento. Mourão promoveu viagem com diplomatas de dez países pela Amazônia na última semana. “Ainda mais com a eleição de Biden (nos EUA), o mundo vai valorizar cada vez mais o multilateralismo. O acordo do Mercosul com a União Europeia mostra isso. A conspiração só vai isolar o Brasil”, afirmou Astrini.
Nos planos do conselho da Amazônia há ainda meta de redução de 90% dos desmatamentos e queimadas na região até 2023, “como consequência da maior celeridade do fluxo de informações a antecipação das ameaças”. O conselho demonstra também preocupação com a imagem da gestão Bolsonaro. Por isso, outra ideia é aumentar em 70%, até 2021, o número de notícias positivas divulgadas pelo governo sobre repressão a crimes na Amazônia.
Para Astrini, as metas de preservação ambiental são uma “maquiagem” que o governo mostra a investidores e diplomatas, com objetivo de recuperar recursos perdidos, como do Fundo Amazônia. “Qualquer escrito que venha do governo em favor do meio ambiente, para mim, não passa de enrolação. A prática é antiambiental”, diz ele.
Estadão Conteúdo
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