Com Gilmar, Toffoli e Lewandowski, alvos da Lava Jato obtêm situação de equilíbrio no STF
Foto: Reprodução/ Os ministros do STF Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski |
Após quase sete anos da chegada da Lava Jato ao Supremo Tribunal Federal, a maior investigação de corrupção da história do país encontra-se em uma situação de equilíbrio na mais alta corte da Justiça brasileira. Se consideradas as principais decisões tomadas até agora nos inquéritos, 17 foram contrárias a investigados e réus e 16, favoráveis.
A análise dessas decisões, que envolvem sentenças já proferidas e acolhimento ou rejeição das denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República, mostra ainda que os ministros Gilmar Mendes (19), Dias Toffoli (13) e Ricardo Lewandowski (13) são os que mais acumulam votos favoráveis a alvos da operação.
Na outra ponta, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin (21), e o ex-ministro Celso de Mello (19) são os que reúnem o maior número de votos contra investigados e réus.
Deflagrada em março de 2014 a partir de Curitiba, após autorização do então juiz federal Sergio Moro, a Operação Lava Jato atingiu grande parte do status quo político e empresarial do país e foi um dos principais propulsores da crise que levaria ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), dois anos depois.
Coube ao Supremo, em especial à Segunda Turma da corte, composta por 5 dos 11 ministros, a análise dos casos relativos a políticos com foro especial (congressistas e ministros), sob relatoria inicial de Teori Zavascki. Após a morte do ministro em um acidente aéreo, em janeiro de 2017, a função passou para Edson Fachin.
Até agora, o STF já proferiu sentença em seis casos, com quatro condenações e duas absolvições.
O primeiro a ser condenado a prisão foi o ex-deputado federal Nelson Meurer (PP-PR), em maio de 2018, sob acusação de receber R$ 29 milhões em troca da sustentação política da cúpula do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na direção da Petrobras.
Ele só passou a cumprir a pena de 13 anos de prisão em outubro de 2019, após a rejeição definitiva de seus recursos. Meurer, que tinha 77 anos, acabou morrendo na cadeia em julho, vítima da Covid-19.
As outras três condenações ocorreram entre outubro de 2019 e outubro deste ano e todas se referem a políticos do MDB —os irmãos Geddel Vieira Lima e Lúcio Vieira Lima, em decorrência da descoberta, em Salvador, de um apartamento que escondia R$ 51 milhões; o deputado federal Aníbal Gomes (CE), hoje no DEM, por intermediar propina para contratação pela Petrobras de um escritório de advocacia; e o ex-senador Valdir Raupp (RO), sob acusação de receber R$ 500 mil em propina da Queiroz Galvão.
As duas absolvições foram em junho de 2018, da deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que era acusada, ao lado do marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, de desviar recursos para campanha eleitoral, e, em agosto de 2020, do deputado federal Vander Loubet (PT), que era acusado de receber propina do doleiro Alberto Youssef.
Embora haja pontos fora da curva, a dinâmica de decisões favoráveis e contrárias aos alvos da Lava Jato encontra alguma relação com a composição da Segunda Turma do STF, nos últimos anos, e a divisão de ministros entre as chamadas alas “garantista” e “punitivista”.
Por essa ótica, Gilmar, Dias Toffoli e Lewandowski inclinam-se a valorizar o direito à presunção de inocência de investigados, dando menor peso à palavra de colaboradores, um dos principais pilares de sustentação da Lava Jato.
Esses ministros têm frisado em suas decisões o julgamento de que muitas das denúncias ofertadas pela Procuradoria-Geral da República amparam-se quase apenas na palavra de delatores, carecendo de provas mais robustas para o prosseguimento do caso ou eventual condenação.
Já os chamados “punitivistas”, como Fachin, Celso e Cármen Lúcia, tendem a dar mais sustentação às acusações do Ministério Público, segundo quem há diversos outros elementos de provas a amparar a palavra dos delatores, como dados de quebras de sigilo e de busca e apreensão.
Com a aposentadoria de Mello, uma articulação política da qual participaram Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ciro Nogueira levou o presidente Jair Bolsonaro a indicar para o STF o juiz federal Kássio Nunes, também considerado um “garantista”, o que novamente formou uma maioria contrária à Lava Jato na Segunda Turma.
Em reação, o novo presidente do STF, Luiz Fux, que é da ala mais alinhada à Lava Jato, apresentou proposta, que foi aprovada, determinando volta dos julgamentos dos casos criminais, entre eles os da Lava Jato, para o plenário da corte, composto por todos os 11 ministros. Apesar disso, integrantes das turmas decidiram manter o julgamento de recursos que já estavam sob análise.
De 2014 até meados de 2017 houve uma inclinação mais punitivista no STF. Na maior parte desse período, Teori Zavascki, também considerado mais rigoroso com investigados e réus, relatava os inquéritos e formava uma maioria na Segunda Turma, ao lado de Celso de Mello e Cármen.
De 42 votos proferidos nos casos específicos da Lava Jato nesse período pelo plenário e pela Segunda Turma, 38 foram contrários a investigados e réus e apenas 6 foram favoráveis.
A composição da Segunda Turma passou por mudanças no fim de 2016, quando Cármen assumiu a presidência do STF e cedeu a sua vaga na turma para Lewandowski. Com a morte de Teori, no início de 2017, sua vaga foi ocupada por Fachin.
Com as mudanças, os chamados “garantistas” conseguiram virar o jogo e formar uma maioria de 3 a 2, com Gilmar, Toffoli e Lewandowski.
Nessa fase, nove denúncias da PGR em inquéritos da Lava Jato foram rejeitadas integralmente pela Segunda Turma do STF, uma foi rejeitada parcialmente e houve uma absolvição. Na outra ponta, apenas duas denúncias foram acolhidas integralmente, outra parcialmente e houve a primeira condenação, de Nelson Meurer.
Esse cenário durou até o fim de 2018. Com a saída de Toffoli e o retorno de Cármen Lúcia à turma, novamente o pêndulo da maioria se moveu para o lado dos “punitivistas”, que formaram uma maioria com Cármen, Fachin e Celso.
Após essa nova configuração, vieram as outras três condenações.
Paralelamente às decisões proferidas por meio de votos dos ministros, dois casos relativos a políticos do PP estão paralisados por longos pedidos de vista feitos por Gilmar Mendes.
A denúncia de que o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) teriam tentado intimidar e comprar o silêncio de uma testemunha (inquérito 4720) recebeu o voto de Fachin e Cármen Lúcia para ser acolhida e se transformar em ação penal em novembro de 2018, justamente na fase da volta da maioria na turma para o lado dos “punitivistas”.
Desde então, ou seja, há quase dois anos, o caso está paralisado pelo pedido de vista de Gilmar.
O ministro também é responsável pela estagnação de mais de seis meses do caso em que que Ciro, Eduardo, o líder do PP, Arthur Lira (AL) —candidato do presidente Jair Bolsonaro à presidência da Câmara—, e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), são acusados de formar o “quadrilhão do PP” para desviar recursos da Petrobras, o inquérito 3989.
Essa denúncia da PGR foi recebida pelo STF em junho de 2019, mas até hoje, um ano e meio depois, não conseguiu efetivar o passo processual seguinte, a abertura de ação penal, pois ainda estão sendo analisados recursos da defesa contra o recebimento da denúncia. Contribuiu para a morosidade até mesmo o adiamento de sessão sob a justificativa de que um dos advogados de defesa havia marcado uma viagem internacional.
Procurado por meio da assessoria do STF, Gilmar não se manifestou sobre esses pedidos de vista.
Indicado por Jair Bolsonaro, o atual chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, também é um crítico de métodos da Lava Jato. Sob sua gestão, a Procuradoria-Geral da República patrocinou a atípica medida de voltar atrás em uma denúncia na Lava Jato que ela própria havia feito, meses antes, contra Arthur Lira, que era acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina da Queiroz Galvão.
O PP é o principal partido do centrão, o grupo que hoje dá sustentação política a Bolsonaro no Congresso. Antes crítico, nos discursos, à política do toma lá da cá tradicional em Brasília, o presidente se rendeu à negociação de cargos e verbas com esses partidos com o objetivo, entre outros, de afastar a possibilidade de abertura de um processo de impeachment.
Folhapress
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