Quatro ministros do STF ignoram Constituição e abrem caminho para permitir reeleger Maia e Alcolumbre no Congresso

Julgamento virtual começou nesta sexta. Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia foram contrários à medida, e Kássio Nunes Marques defendeu a recondução apenas do presidente do Senado

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira a possibilidade de autorizar candidaturas de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e de Davi Alcolumbre (DEM-AL) à reeleição para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente. O mandato atual de ambos se iniciou em fevereiro de 2019 e vai até o mesmo mês de 2021. A Constituição diz que é “vedada a recondução para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente” para o comando do Congresso, ou seja, a reeleição não pode ocorrer no mesmo mandato. Ainda assim, quatro ministros votaram a favor da tese de que ambos podem tentar se reeleger: primeiro Gilmar Mendes, o relator do caso, seguido de Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Houve um quinto voto, do ministro Kassio Nunes Marques, que entendeu que apenas Alcolumbre deveria ter o direito à reeleição. Em seguida, Marco Aurelio Mello e Cármen Lúcia votaram contra o procedimento.

O julgamento está ocorrendo no plenário virtual da Corte, em que os ministros votam de forma remota, sem debate entre eles no pleno do Tribunal. A ação foi movida pelo PTB de Roberto Jefferson, aliado ao presidente Jair Bolsonaro, com a intenção de barrar uma eventual tentativa dos comandantes atuais das Casas legislativas de concorrer na próxima eleição do Congresso, marcada para o início de fevereiro de 2021.

Ainda faltam os votos de quatro ministros. Mesmo que seja formada uma maioria, como os magistrados que já votaram ainda podem teoricamente alterar o seu parecer, o resultado final só pode ser proclamado após o término oficial do julgamento, que tem prazo para acontecer até o dia 11 de dezembro. Em seu voto, que foi acompanhado por três colegas, Gilmar Mendes faz uma longa defesa “necessidade de se proceder a certa adaptação constitucional, em face de determinada disfuncionalidade concreta”. De quebra, lamenta a dificuldade que é aprovar uma emenda no Legislativo que mude a Carta: “A aprovação de emenda à Constituição não é algo que se possa realizar facilmente, tanto o mais quando trata de matéria propícia a gerar impasses político-institucionais”.

Segundo o Thiago Bottino , professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio e pós-doutor pela Columbia Law School, o texto da Constituição Federal é explícito ao proibir os chefes da Câmara e do Senado de tentarem uma reeleição na mesma legislatura, que tem a duração de quatro anos. “A lei expressa pela Constituição é clara. Se o Supremo decidir por permitir a reeleição, será uma interpretação política, e não jurídica”. Em sua visão, não seria a primeira vez que o STF substituiria por vontade própria algo um artigo constitucional. Ele cita como exemplo a interpretação sobre a prisão em segunda instância, colocada apesar de a Carta determinar a inocência até o trânsito em julgado do processo, ou seja, a terceira instância. “Decidindo por permitir a reeleição, o STF estará substituindo a vontade dos parlamentares que redigiram a Constituição pela sua própria. Esses parlamentares foram eleitos para isso, enquanto os juízes do Supremo não tiveram nenhum voto”, relembra Bottino.

De acordo com o cientista político e também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, “a norma constitucional é um texto absolutamente cristalino e criado para evitar personalismos, que é o que está acontecendo. É uma gravidade imensa, até porque o Congresso tem mecanismos para alterar se achar que pode, por emenda. Só não pode ser por reinterpretação”.

Nos bastidores de Brasília, a interpretação é de que a maior parte dos ministros do STF teriam simpatia pela atuação dos presidentes das casas legislativas em providenciar equilíbrio nos momentos mais tensos do ano, especialmente ao conduzirem a crise sanitária da covid-19 frente às posições negacionistas do presidente Jair Bolsonaro e às manifestações antidemocráticas de seus apoiadores. “O complicado é essa simpatia se tornar um critério de interpretação constitucional”, diz Couto. “Seria uma leitura criativa para agradar as preferências dos juízes. Acho contraditório com o trabalho que o Supremo fez desde o início do Governo, de colocar freios em suas medidas mais autoritárias”.

O cientista político também alerta que “se for aprovada a recondução, será criado um espaço para novas interpretações excessivamente criativas do texto institucional”, diz Claudio Couto. “Fora isso, não dá para dizer que somente um em 81 senadores ou um em 513 deputados é capaz de presidir a Câmara por uma legislatura”, completa. Ele também lembra o exemplo da Bolívia, onde o presidente Evo Morales foi autorizado pelo Supremo local a concorrer a um quarto mandato com a justificativa de um “direito humano”, o que acarretou em uma crise política no país sul-americano e a realização de novas eleições no último mês de outubro.
Coincidência

Kassio Nunes Marques, o mais recente ministro do STF e único indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, foi o primeiro a votar contra a possibilidade de reeleição de Maia, mas a favor de Alcolumbre ―uma posição que agrada o Palácio do Planalto. Bolsonaro, de forma geral, possui um bom entendimento com o presidente do Senado ―mas um relacionamento turbulento com Rodrigo Maia, o presidente da Câmara.

Dessa forma, o candidato do Planalto à Presidência da Câmara deve ser Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, deputado federal que é réu sob acusação de corrupção passiva. “Se concorrer de novo, Maia é favorito, o que diminui as chances de Lira. Mas caso não possa ser reeleito, é bem provável que o atual presidente da Câmara se mobilize com a oposição para evitar a vitória do candidato do Governo”, completou Couto.

Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o julgamento do STF, mas o vice-presidente, Hamilton Mourão, disse nesta sexta-feira que é contra a alteração da regra colocada na Constituição. “Acho que a Constituição Federal é clara. Não pode. Eu acho que teria que mudar a Constituição, mas o Supremo tem, vamos dizer, tem o arbítrio para interpretar da forma que melhor lhe aprouver”, afirmou.
Sem influência

Relator do julgamento, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a decisão do Supremo não significa uma influência da Corte nas eleições do Congresso. “Decidiremos, entretanto, acerca da constitucionalidade de dispositivos regimentais que tratam sobre a composição da Mesa das Casas do Congresso Nacional. Não decidiremos acerca de quem vai compor a próxima Mesa: para tanto é preciso de votos no Parlamento, e não no Plenário deste Supremo Tribunal Federal”, escreveu o ministro. Ele também defendeu que, a partir da próxima legislatura, haja uma regra que limite a uma recondução. Por outro lado, os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio sinalizam resistência à ideia.

Se qualquer ministro indicar preferência para transformar a sessão em presencial, o processo pode ser retirado da pauta online. Nesse caso, o presidente do tribunal, Luiz Fux, seria o responsável por analisar o pedido e escolher uma data para o julgamento no plenário.
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