Brasil terá primeiras vacinas de consórcio em março, mas envio será limitado até junho, diz vice-diretor da Opas
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/ O envio das primeiras doses de vacinas previstas pelo consórcio Covax Facility ao Brasil deve começar em março |
O envio das primeiras doses de vacinas previstas pelo consórcio Covax Facility ao Brasil deve começar em março, mas em quantidades limitadas até junho, afirma à Folha o vice-diretor da Opas/OMS (Organização Pan-americana de Saúde), Jarbas Barbosa, 63, que lidera as negociações da iniciativa nas Américas.
Ele prevê que a situação melhore no segundo semestre, quando há previsão de entrada de mais fornecedores. Atualmente, o acordo do Brasil na Covax, iniciativa que acompanha diferentes vacinas em desenvolvimento, prevê 42,5 milhões de doses até o fim de 2021. O objetivo do consórcio é permitir acesso global às vacinas.
Em entrevista, o médico sanitarista e especialista em epidemiologia avalia que ainda deve “levar meses” para que países controlem a transmissão da Covid. Para ele, é “muito improvável” que o mundo consiga atingir imunidade coletiva ainda em 2021.
“No primeiro semestre de 2022, se todo mundo trabalhar junto, talvez”, afirma, frisando que é preciso atenção a novas cepas do novo coronavírus.
Ele faz um alerta para a necessidade de distribuição equitativa de vacinas no mundo, em coro ao que tem defendido o diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), Tedros Adhanom. “Em 2021, não podemos aceitar que país rico tenha já jovens saudáveis sendo vacinados enquanto em país pobre tenha idoso morrendo com falta de vacina.”
FOLHA – O Brasil aderiu ao consórcio Covax Facility para obter 42,5 milhões de doses de vacinas contra a Covid. Há uma previsão de quando essas doses devem ser disponibilizadas?
JARBAS BARBOSA – Estamos negociando produtor a produtor os contratos. Para poder entregar vacinas no mecanismo Covax, tem que preencher dois critérios: ser pré-qualificado pela OMS e ter contrato assinado. Já temos produtores que assinaram o acordo e estão prontos para entregar vacinas, mas ainda não estão qualificados, e estamos aguardando informações. E outros pré-qualificados com quem estamos fechado acordos. Nossa expectativa é que tenhamos ao menos 2 bilhões de doses para 2021, com possibilidade de ampliar.
A previsão é começar a entrega em março. Queremos uma entrega progressiva e sustentada. Não queremos entregar e no mês seguinte não ter vacina. Estamos com escala mês a mês, que começa com quantidade relativamente limitada e vai crescendo. A partir de junho, os quantitativos seriam importantes para chegarmos no fim do ano com 2 bilhões de doses pelo menos.
Já estamos fechando um acordo com a Pfizer, que prevê 40 milhões de doses no primeiro trimestre, o que aumenta as chances de entregar já em fevereiro. Acreditamos que em duas semanas podemos ter esse cronograma. Mas, por enquanto, o prazo ainda é março.
Quando o sr. fala que pode haver doses em março, mas limitadas, quanto seria? O que o Brasil pode esperar?
Ainda estamos fazendo a estimativa país a país, porque são 190 participando da Covax. Países que têm acordos bilaterais e estão com bastante vacina, como o Canadá, já informaram que não vão precisar nessa primeira entrega. Estamos pedindo que outros também informem. Isso vai facilitar porque aumenta para outros países.
Mas reforço que a quantidade que haverá é limitada.
Faço essa ressalva porque a vacina, em um primeiro momento, tem objetivo de salvar vidas e não interromper a transmissão. Mesmo quem começou a vacinar primeiro, como o Reino Unido, ainda tem transmissão fortíssima. Vamos levar meses até que haja vacina suficiente em todos os países para que possamos atingir coberturas vacinais elevadas.
Até lá, é preciso manter o uso de máscara, distanciamento físico e evitar aglomeração, que é o que sabemos que funciona para prevenir, para que não se tenha uma compreensão errada de que, uma semana depois [de vacinado], acabou a transmissão. Ela não acabou e não vai acabar por muitos meses, infelizmente.
Quando devemos ter todas as 42 milhões de doses previstas no acordo brasileiro?
Até dezembro. Isso pode se antecipar, mas depende de alguns acordos e de ter mais disponibilidade de vacinas. O Brasil começa a receber em março junto com os outros.
Alguns países começaram a imunizar suas populações mais cedo, enquanto outros ainda não iniciaram ou têm poucas doses até agora. O fato de ter alguns países mais a frente do que outros pode trazer impactos no controle da epidemia?
Pode, e isso é fundamental discutir. Para a economia global funcionar, precisamos que a transmissão seja controlada no mundo inteiro. Se não é controlada, sempre teremos o risco de acontecerem surtos e transmitir de um país a outro. Esse esforço para que a gente consiga o acesso equitativo a vacinas tem uma dimensão ética e moral importante. Em 2021, não podemos aceitar que país rico tenha já jovens saudáveis sendo vacinados enquanto em país pobre tenha idoso morrendo com falta de vacina. Em reunião, o diretor-geral da OMS [Tedros Adhanom] disse de forma clara: vai ser um problema moral se isso ocorrer. Há uma dimensão prática de que se faça esse esforço para termos um acesso equitativo garantido [como na Covax].
Natália Cancian/Folhapress
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