Defensores de candidaturas independentes insistem em bandeira e veem causa mais forte pós-eleição
Foto: Rosinei Coutinho/STF/Luís Roberto Barroso |
Ativistas e políticos favoráveis à autorização para candidaturas independentes (sem exigência de filiação partidária) se sentiram esperançosos quando ouviram, em dezembro de 2019, uma fala do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso.
“A minha ideia é ser capaz de liberar esse tema para a pauta no primeiro semestre do ano que vem”, discursou ele na abertura de uma audiência pública na corte para discutir o tema.
Hoje proibido no Brasil, o arranjo dependeria de uma mudança na Constituição para ser implementado. Um processo sobre o assunto tramita no STF e tem Barroso como relator.
Os mais otimistas acreditavam até que uma mudança já pudesse valer para as eleições municipais de 2020, abrindo caminho para que candidatos desvinculados de legendas disputassem cadeiras de prefeito e vereador.
Encerrado o ano, muitos dos entusiastas da causa se viram frustrados com a estagnação do debate, mas reconheceram que a pandemia do novo coronavírus impôs questões mais urgentes —como o próprio adiamento do pleito.
Querem, no entanto, insistir na luta pelas candidaturas avulsas (também assim chamadas) e acreditam que a necessidade do novo formato saiu reforçada da disputa de 2020.
Mesmo com o impedimento legal, candidatos chegaram a se registrar para concorrer no ano passado sem estarem filiados, mas tiveram o pedido barrado pela inconformidade.
Um levantamento do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) feito a pedido da Folha mostrou que casos de pelo menos cinco candidatos que pleitearam uma campanha independente foram julgados na segunda instância da corte.
O tribunal não informou números de ações na primeira instância, alegando dificuldade para a extração dos dados.
Um dos casos examinados pelo TRE-SP foi o do advogado Carlos Alexandre Klomfahs, de São Bernardo do Campo. Um velho conhecido de quem acompanha o debate sobre o tema, ele chegou a tentar concorrer à Presidência da República em 2018 sem filiação, mas foi brecado pelo STF.
Em 2020, Klomfahs empreendeu uma batalha jurídica em esforço para virar prefeito de São Bernardo. Encarou negativas nas duas instâncias do TRE e chegou a ir ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) reclamar de um desembargador pelo que considerou lentidão na análise de seu caso.
Por fim, seu processo chegou ao STF e foi parar nas mãos de Barroso, que hoje é também o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O ministro, baseando-se no texto constitucional que prevê a necessidade de estar filiado a partido para disputar cargo eletivo, negou a demanda.
“Não vou desistir. Isso que tenho o prazer de fazer não é pensando em mim, é para a coletividade”, diz Klomfahs, que se define como alguém de esquerda, porém sem identificação com nenhum dos 33 partidos em funcionamento no país.
“É uma coisa estranha, né? A pessoa tem que ter partido para concorrer, mas depois pode deixá-lo?”, acrescenta, sobre a possibilidade de exercer mandato sem estar ligado a uma sigla, caso de Bolsonaro hoje.
O TSE, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, também barrou em 2020 a segunda tentativa do advogado Rodrigo Mezzomo de concorrer a prefeito do Rio de Janeiro. Na primeira vez, em 2016, seu caso foi avançando no Judiciário até chegar ao Supremo.
A ação que Barroso disse querer liberar em 2020 era a de Mezzomo, personagem que se tornou pioneiro e espécie de garoto-propaganda da pauta.
Se o STF vier a decidir favoravelmente a ele, o entendimento seria estendido a todo o sistema político e impactaria o modo como se organizam as eleições hoje no país.
A possibilidade de que o assunto seja decidido por vias judiciais, e não pelo Congresso Nacional, é uma das críticas recorrentes à bandeira das candidaturas independentes. A ideia sofre resistência de parlamentares, que também são pressionados por líderes partidários a engavetar propostas do tipo.
Se instituída, a alteração acarretaria uma revolução não só na disputa eleitoral, com consequências, por exemplo, nas regras de distribuição do fundo público de campanha. Também exigiria uma readequação no funcionamento das casas legislativas, já que o modelo de bancadas partidárias ficaria fragilizado.
Apesar do ano infrutífero, Mezzomo diz receber com compreensão a decisão que o brecou. “Sei que mudar as regras do jogo em período eleitoral gera muita insegurança jurídica, e o TSE precisa ser burocrático”, afirma.
O advogado, que é conservador, se diz confiante em obter sucesso com sua causa no STF, a partir da liberação do voto do ministro relator. “2021 será o ano da vitória, na minha leitura”, calcula.
Procurado, Barroso não quis comentar o tema. Em entrevista à Folha dias antes da audiência pública de 2019, ele rebateu a tese de que a discussão contribui para enfraquecer os partidos, mas evitou antecipar voto. “O meu esforço é para aprimorar a política, inclusive atraindo novos valores para ela.”
Para Mezzomo, a eleição mais recente confirmou um cenário positivo para a causa. “A fervura está subindo. Nunca a crise de representatividade dos partidos se agudizou tanto quanto em 2020”, diz.
Ele cita como justificativas as altas taxas de abstenção e de votos brancos e nulos, além da queda no voto em legenda. “Sinalizam o clamor por mudanças.”
Outro movimento apontado como sintoma da necessidade de reformas é a popularização das candidaturas coletivas, que também não são reconhecidas pela legislação brasileira, mas têm se espalhado por diferentes cidades e partidos de maneira informal.
Nesse formato, o candidato regularmente filiado se registra na Justiça Eleitoral, mas faz campanha e se propõe a ocupar um mandato legislativo em conjunto com mais pessoas, geralmente empregadas como assessoras no gabinete.
Na prática, os chamados “cocandidatos” não precisam pertencer a legendas. Por essa lógica, pessoas já estão fazendo parte de mandatos sem terem vinculação partidária —embora o eleito para a cargo seja, para todos os fins, aquele que colocou o nome na urna.
“As candidaturas coletivas entraram na pauta e retroalimentam o debate. Ambas as questões mostram que o sistema precisa desesperadamente de uma válvula de escape”, defende Mezzomo.
A principal linha de argumentação dos defensores das candidaturas independentes envolve o Pacto de São José da Costa Rica, um tratado internacional de 1969, do qual o Brasil é signatário, que garante a qualquer cidadão o direito de votar e ser votado.
O debate nos tribunais, até agora com placar desfavorável para os desgarrados partidários, é se os termos do pacto passam a fazer parte imediatamente do ordenamento jurídico dos países que o assinaram ou se, em caso de divergência, prevalece o que está escrito na Constituição.
Mezzomo sustenta que o STF tem o entendimento de que, em situações assim, a convenção internacional se sobprepõe ao texto constitucional no que for mais favorável ao indivíduo. O advogado já denunciou o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos) por descumprimento do pacto.
Na audiência pública promovida por Barroso, 11 dos 12 partidos ouvidos se manifestaram contra a mudança. Só a Rede Sustentabilidade endossou a questão, dizendo ver espaço “para experimentações”.
Na ocasião, representantes da Câmara dos Deputados e do Senado também fustigaram a ideia e defenderam a separação dos Poderes, deslegitimando uma eventual alteração via Judiciário.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino se pronunciou na época contra a proposta e mantém a avaliação de que as candidaturas avulsas fragmentariam ainda mais o sistema político.
“Os partidos brasileiros têm problemas, claro, e precisam de reformas no sentido de democracia interna, representatividade e transparência, mas candidaturas avulsas seriam uma tentativa de contornar o problema por fora, implodindo o sistema”, diz o porta-voz da organização.
Em comum com entusiastas da pauta, Galdino tem o diagnóstico de que a explosão de candidaturas coletivas mostra a necessidade de renovar as práticas partidárias e favorecer a entrada de novos nomes. “As candidaturas avulsas são um sintoma de uma causa mais profunda.”
Folhapress
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