Disputa de terras é estopim da principal operação sobre suspeita de vendas de decisões judiciais do Brasil
Foto: Divulgação/Tribunal de Justiça da Bahia |
Com a primeira fase deflagrada há menos de um ano e meio, uma operação relacionada a uma disputa de terras na divisa da Bahia com o Piauí e o Tocantins se tornou a principal investigação sobre suspeita de venda de decisões judiciais do Brasil.
Intitulada Operação Faroeste, a apuração se expandiu nos últimos meses com a ajuda de delações premiadas e, além de magistrados, tem investido sobre advogados que atuavam intermediando a venda de despachos, além de outras figuras do poder público suspeitas de participar de irregularidades.
Até fevereiro de 2021, oito desembargadores já haviam sido afastados do Tribunal de Justiça da Bahia por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de outros três juízes. Três desembargadoras estão presas preventivamente, e uma quarta está em prisão domiciliar.
Ao menos uma desembargadora, Sandra Inês Rusciolelli, a que está em casa, é apontada por outras partes nas investigações como tendo proposto delação premiada ao Ministério Público Federal. O processo está em sigilo, e seu advogado, Pedro Henrique Duarte, não nega nem confirma a delação.
Na Operação Faroeste, segundo as apurações do Ministério Público, advogados intermediavam os interesses de pessoas que precisavam de decisões judiciais em seu favor e estavam dispostas a subornar magistrados.
Em alguns casos, os rascunhos de despachos apresentados por algum juiz ou desembargador eram elaborados por esses advogados, de acordo com a investigação.
A operação também já avançou sobre o Executivo e sobre o Ministério Público da Bahia, e há processos ligados a envolvidos em outros estados.
O ponto de partida para a Faroeste foram suspeitas de grilagem em uma área de 366 mil hectares no extremo oeste da Bahia, próximo à divisa com o Piauí —por isso o nome da operação. O terreno tem cinco vezes o tamanho de Salvador.
Depois, descobriu-se que a área objeto de decisões supostamente compradas era próxima de 800 mil hectares.
Como desde o início envolveu suspeita sobre desembargadores, que têm foro especial, a operação tramita no STJ, sob a relatoria do ministro Og Fernandes.
Em um dos despachos sobre o caso, o ministro descreve que foi descoberta “uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA [Tribunal de Justiça da Bahia], bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do referido estado”.
Já o Ministério Público Federal diz que as investigações revelaram “a existência de um modelo judicial criminoso no seio do Tribunal de Justiça baiano, em que várias organizações criminosas operavam sozinhas ou associadas, tendo julgadores, advogados e servidores, no seu corpo de funcionários e a venda de decisões como mercadoria para enriquecimento de todos em escalada geométrica”.
Até agora, foram apresentadas seis denúncias assinadas pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, e as delações premiadas e materiais encontrados em buscas e apreensões têm fornecido subsídios para a expansão das investigações.
Um dos personagens-chave do caso é o empresário Adailton Maturino, que se apresentava como cônsul honorário da Guiné-Bissau, embora não tivesse autorização do Itamaraty para representar o país no Brasil. Adailton era conhecido pelo seu bom trânsito na alta cúpula dos Poderes da Bahia e do Piauí.
De acordo com as investigações, ele pagou para obter decisões favoráveis de desembargadores em benefício de José Valter Dias —na descrição do Ministério Público, um homem que era um borracheiro e virou um latifundiário.
Com as decisões, Dias pôde se tornar o dono de 360 mil hectares da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, região de cerrado baiano na divisa com o Piauí.
A defesa de Maturino, comandada pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, diz que representações como a de “falso cônsul” e “borracheiro” são preconceituosas.
No local, havia aproximadamente 300 agricultores originários do Paraná que ocuparam a região nos anos 1980, sob incentivo de um programa agrícola do governo brasileiro em parceria com o japonês.
Dias alegava que tinha comprado os direitos sucessórios de herdeiros de antigos donos das terras, com base em um inventário de 1915.
Obteve decisões a seu favor e conseguiu um acordo com os fazendeiros. O dinheiro desse acordo ia para uma empresa que ele constituiu com Maturino e com a esposa dele, a advogada Geciane Maturino.
Com o uso de relatórios de inteligência financeiros e quebras de sigilos telefônicos, o Ministério Público e a Polícia Federal conduziram as primeiras fases da operação e prenderam alvos sob suspeita de ligação com o esquema atribuído a Adailton Maturino, como o próprio empresário, Geciane e José Valter Dias.
Inicialmente, o então presidente do TJ-BA, desembargador Gesivaldo Britto, e outros magistrados foram afastados do cargo.
Dez dias depois, a desembargadora Maria do Socorro Santiago foi presa, por supostamente ter descumprido ordem judicial e ter feito contato com seu gabinete tentando destruir provas de um celular. A defesa dela nega e diz que a perícia não constatou nenhuma conversa que a comprometesse.
Atualmente, Maria do Socorro continua presa e é ré sob acusação de lavagem de dinheiro e de participar de organização criminosa. Ela também é ex-presidente do TJ-BA. Além delas, estão presas preventivamente em Brasília outras duas desembargadoras.
O caso se expandiu e, após a quinta fase da operação, o Ministério Público chegou a um outro lado das acusações: pediu buscas e apreensões também em suspeitos de atuarem contra Adailton Maturino.
Desembargadores eram pagos, segundo as denúncias, por representantes de produtores agropecuários que estavam na disputa judicial contra o “falso-cônsul”.
Esse ramo da investigação foi desvendado com ajuda de um delator que é ex-assessor do Judiciário baiano e passou a atuar como advogado em uma banca que seria especializada em intermediar a venda de decisões.
Também é delator Nelson Vigolo, representante da Bom Jesus Agropecuária, que admitiu ter bancado advogados com a finalidade de pagar propinas em troca de decisões favoráveis.
Em dezembro, uma nova fase da Faroeste revelou que a operação também investigava suspeitas no Governo da Bahia e no Ministério Público da Bahia.
Um dos alvos foi o então secretário da Segurança Pública Maurício Teles Barbosa, que é delegado da Polícia Federal e atuou de 2011 a 2020 nos governos dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa. Ele foi afastado do cargo de secretário por decisão judicial e, depois, exonerado.
Barbosa, segundo as investigações, mantinha contato com Adailton Maturino e é suspeito de frustrar investigações que envolviam o empresário e os desembargadores ligados a ele.
Também é alvo de investigação a ex-procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado. Em uma conversa gravada, a desembargadora Sandra Inês afirma que Ediene atuou para impedir a apresentação de uma denúncia que o Ministério Público baiano tinha preparado contra Barbosa.
INVESTIGADOS NEGAM IRREGULARIDADES
O Tribunal de Justiça da Bahia não se manifestou sobre a situação da corte, e o seu atual presidente, Lourival Almeida Trindade, afirmou que não pode se posicionar sobre processos pendentes de julgamento.
O advogado do desembargador Gesivaldo Britto, Adriano Figueiredo, diz que não foram identificados elementos que apontem que o magistrado ostente padrão de vida incompatível com sua renda e que ele não participou de nenhum julgamento em processos que dissessem respeito ao objeto apurado.
“O MPF se apega a frágeis suposições para mantê-lo, a fórceps, no polo passivo da demanda criminal”, diz.
Os advogados de Maurício Teles Barbosa, Sérgio Habib e Thales Habib, afirmam que não há nos autos nenhuma prova de que ele tenha frustrado investigações ou favorecido Adailton Maturino, “desafiando a que se prove qual a sua conduta que o favoreceu”.
Também afirma que não procede a acusação de que ele tenha sido favorecido por Ediene, porque foi alvo de uma representação do Ministério Público que acabou arquivada após um habeas corpus no TJ-BA. A defesa de Ediene também nega irregularidades.
Os advogados de José Valter Dias, Maurício Vasconcelos e Aloísio Freire, afirmam que a empresa criada com Maturino “foi realizada às claras e à luz da legislação pertinente”.
A movimentação financeira, diz a defesa, é “absolutamente compatível com a natureza dos negócios jurídicos ao redor dos imóveis que integraliza, em preço de mercado cambial de soja, conforme reconhece o próprio Ministério Público Federal”. Também afirma que a família acredita ser titular do direito sobre as terras.
Os advogados de Adailton Maturino reiteram que todas as movimentações financeiras feitas pelo seu cliente são regulares.
O advogado de Maria do Socorro, Bruno Espiñeira Lemos, argumenta que não há participação da magistrada em qualquer ato de lavagem de dinheiro ou em uma eventual organização criminosa. Afirma que não houve interceptação do telefone dela com qualquer dos investigados e que não há motivo para mantê-la presa.
“O que estão fazendo hoje, no caso, é tentar tirar qualquer oxigênio de vida e que ela resolva tentar delatar. De preferência, que faça como a maioria, que invente, que deixe muito colorido além do normal”, afirma. “Eles criaram uma pirotecnia, um espetáculo para dar uma dimensão e fortalecer a narrativa do Ministério Público.”
A defesa de Nelson Vigolo “reafirma que o agricultor foi vítima de um poderoso esquema de extorsão que vem sendo revelado a cada etapa da Operação Faroeste”.
Folhapress
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