Com decisão pró-Lula, réus devem pleitear benefício e consolidar esvaziamento de Curitiba

Zé Dirceu/Foto: Dida Samaio/Agência Brasil

A anulação das sentenças contra o ex-presidente Lula na Lava Jato e os votos pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro no Supremo Tribunal Federal já fazem com que outras defesas reanalisem estratégias para que seus processos também sejam revistos nas instâncias superiores.

A circunstância traz alento especialmente a antigos correligionários ou pessoas próximas ao ex-presidente que também foram alvos da Lava Jato. Uma das alegadas irregularidades na atuação de Moro é justamente a atuação político-partidária contra o petista.

No último dia 8, o ministro Edson Fachin anulou duas condenações impostas a Lula no Paraná e determinou que os dois casos, assim como outras duas ações não sentenciadas, recomecem a tramitação na Justiça Federal no DF.

Fachin considerou que as acusações não envolvem exclusivamente a Petrobras, critério anteriormente estabelecido para fixar processos da operação em Curitiba, e que, portanto, foram julgadas por um juiz que não tinha a devida atribuição. A ordem do ministro ainda será analisada pelos outros dez juízes da corte.

Caso seja mantido, o precedente deve consolidar um esvaziamento crescente na Vara Federal paranaense responsável pelos casos da operação, onde ainda estão pendentes dezenas de ações penais. Também pode provocar a anulação de antigas condenações proferidas no Paraná que estão com recursos em aberto em outras instâncias.

Em que pese a turbulência provocada, advogados ouvidos pela reportagem, porém, entendem que a revisão de processos ou o envio para outros estados deve ocorrer caso a caso, sem que fique estabelecido uma ordem ampla de redistribuição da operação.

A defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, condenado em segunda instância a seis anos de prisão, já entrou com um pedido no Supremo na sexta-feira (12) para que o mesmo entendimento de Fachin proferido nos casos de Lula seja aplicado ao dele.

Delúbio considera que seu processo não tem relação com a estatal petrolífera e pede a revisão. Na sentença, foi condenado por corrupção devido a empréstimo do grupo Schahin, concedido em benefício ao partido.

“Os casos que já foram julgados as defesas vão tentar anular. E os que estão lá ainda [em Curitiba] as defesas vão tentar tirar de lá”, diz o advogado do ex-tesoureiro, Pedro Paulo de Medeiros.

Outro nome conhecido do partido que tentará a anulação é o ex-ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil no início do governo Lula, e condenado em segunda instância na Lava Jato.

Ele aguarda em liberdade o julgamento de seus recursos no Superior Tribunal de Justiça, onde o precedente da medida de Fachin deve ser apresentado quando o mérito de sua apelação for julgado.

“Não foi [dinheiro] da Petrobras para José Dirceu. Então, nunca teve razão de isso estar em Curitiba. Acredito agora que, seguindo essa orientação do relator, a decisão deve ser a mesma”, diz Roberto Podval, que advoga para o ex-ministro.

A decisão de Fachin, se aplicada a outros acusados, também levantará discussões sobre o reaproveitamento de provas geradas na investigação no Paraná. As defesas podem alegar que os elementos dos processos também são nulos já que produzidos a partir de despachos de juiz que não deveria cuidar das causas conforme a lei.

A medida do ministro do Supremo na semana passada representa o ápice da debandada de casos de Curitiba, que se intensificou nos últimos anos.

Sob críticas de procuradores, políticos conhecidos nacionalmente, como o ex-ministro Guido Mantega e o ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rêgo, têm conseguido retirar do Paraná suas pendências judiciais.

Um dos mais recentes reveses das autoridades da operação, citado por Fachin em sua decisão, foi a ordem do STF para que suspeitas relacionadas à subsidiária Transpetro (braço da estatal para o transporte de combustíveis) não tramitem no Paraná.

Isso beneficiou em 2020 antigos líderes políticos hoje sem mandato, como o ex-senador pelo MDB de Roraima Romero Jucá.

À Folha, na semana passada, Fachin disse que o alcance de sua medida “não é diferente do impacto que esse conjunto de decisões teve ao longo dos anos”.

Os casos da operação na 13ª Vara Federal do Paraná, anteriormente ocupada por Moro, hoje estão com os juízes Luiz Antonio Bonat e Gabriela Hardt.

Outro fator contra os trabalhos no Paraná foi o envio de casos para a Justiça Eleitoral, depois que o Supremo estabeleceu, em 2019, que crimes que envolvem caixa eleitoral em conexão com corrupção não devem permanecer na Justiça Federal.

A sombra da reviravolta sobre processos já julgados há anos, porém, esbarra no estágio avançado de tramitação de parte deles.

Vários dos casos mais antigos já estarem com sua tramitação encerrada. Até o fim de 2020, cinco das sentenças de Moro já tiveram recursos já julgados até mesmo em último grau no Supremo e ao menos oito apelações se esgotaram mesmo antes de chegar à mais alta corte.

Além disso, parte das sentenças envolve apenas colaboradores, que acabaram não tendo mais interesse em recorrer.

Há ainda situações de réus que tiveram suas condenações enquadradas em indulto editado no governo Michel Temer. Esse benefício extingue a pena de condenados que cumpram determinados requisitos.

SUSPEIÇÃO DE MORO
Ainda mais intrincada é a consequência sobre outros casos da Lava Jato de eventual decisão do Supremo classificando o ex-juiz Moro como parcial à frente dos processos do ex-presidente Lula.

Edson Fachin já demonstrou preocupação com a possibilidade de esse julgamento afetar os antigos processos da Lava Jato como um todo. Ao falar à Folha, na semana passada, sobre a ligação entre o ex-juiz Moro e os procuradores, disse: “Se reconhecida, por exemplo, a amizade entre uma parte e o magistrado, sempre que estiverem no mesmo processo, deverá o juiz dar-se por suspeito”.

Na terça-feira (9), os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram por anular os atos de Moro no caso do tríplex do Guarujá (SP) por considerarem que ele agiu sem a devida equidistância, de maneira política.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista (mais prazo para análise) feito pelo ministro Kassio Nunes Marques e não tem data para ser retomado.

A possibilidade de os efeitos dessa decisão serem estendidos para os casos de outros réus é ainda mais incerta, já que o veredicto sobre se um magistrado agiu de maneira inadequada ou não tende a ser mais subjetivo.

Dois fatores, porém, podem fazer com que mais réus tirem proveito desse julgamento a respeito da atuação de Moro. Primeiro, Gilmar e Lewandowski disseram considerar, mencionando diálogos hackeados no aplicativo Telegram, que o ex-magistrado tinha excessiva proximidade com a acusação.

Pode-se projetar que a mesma avaliação tende a ser estendida a outros réus sentenciados por Moro, muitos deles mencionados nas trocas de mensagens.

Além disso, a tese de que Moro agiu para prejudicar Lula politicamente também poderia enquadrar aliados do ex-presidente que foram processados em Curitiba, como dirigentes do partido e políticos.

A defesa do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula preso em 2015 e que também está com o julgamento de recursos contra a condenação pendente, aguarda a definição do Supremo sobre a suspeição para pedir que o benefício também seja concedido a ele.

“Há muitos diálogos comprometedores [no Telegram] citando o meu cliente, que demonstram a falta de isenção do Moro não só em relação a Lula, mas também a ele”, diz a advogada Daniella Meggiolaro.

Outros réus também pediram no Supremo o mesmo acesso às mensagens hackeadas que foram entregues à defesa de Lula. Entre eles, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.

Na semana passada, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB) pediu ao Supremo que considere que Moro era suspeito para julgá-lo e mencionou voto de Gilmar Mendes em julgamento sobre o acesso de Lula às mensagens do Telegram, em que o ministro fala em conluio entre o magistrado e os procuradores.

Folhapress

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