Revés com Lula suscita tese de improbidade, não mais crime
Foto: Reprodução/Instagra |
A eventual anulação das provas que o Ministério Público alega ter obtido no petrolão sobre supostas propinas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio de obras em um tríplex em Guarujá (SP) e em um sítio em Atibaia (SP) derruba a hipótese de que ele seja processado criminalmente, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.
Para eles, desconsiderando a conexão com contratos da Petrobras ou outros setores públicos, restaria apenas a possibilidade de discussão sobre se teria ocorrido improbidade administrativa quanto a esses imóveis.
A diferença é que a improbidade é uma ilegalidade contra a administração pública na área cível, e não pode levar à prisão, como ocorre no campo penal. As improbidades podem levar a punições como multa, devolução de valores e perda dos direitos políticos.
Porém, mesmo as supostas irregularidades de Lula nessa esfera civil já estariam prescritas, ou seja, ele não poderia mais ser processado na Justiça, em razão de o prazo legal para tais apurações já ter se esgotado, de acordo com os constitucionalistas.
Em ambos os casos, do tríplex e do sítio, a defesa de Lula afirma que nem sequer houve benefício pessoal pago pelas empresas ao petista, uma vez que ele nunca foi proprietário dos imóveis.
Em relação ao sítio, os advogados dizem que em 2010 a então primeira dama Marisa Letícia é que estava a par das benfeitorias, e o líder partidário só veio a saber das obras da Odebrecht depois que elas já tinham sido concluídas, após o fim de seu mandato.
Na última terça-feira (9), a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), presidida pelo ministro Gilmar Mendes, retomou julgamento que pode levar à anulação de todas as investigações e processos do petrolão conduzidos pelo ex-juiz Sergio Moro em relação a Lula. A defesa do petista acusa Moro de ter atuado de modo parcial contra o ex-presidente.
Todavia, o julgamento no STF foi novamente suspenso, agora em razão de pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Com placar empatado em 2 a 2, não há data para ser reiniciado.
Tendo em vista a possibilidade de anulação das provas do petrolão, a reportagem questionou especialistas sobre qual seria o quadro jurídico que restaria em relação às obras desconsiderando os indícios de toma lá, dá cá entre o Lula e as empresas, conforme alegado pelo Ministério Público.
Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, caso não se prove a ligação entre as obras e vantagens concedidas ou prometidas por Lula, e as benfeitorias sejam consideradas como possíveis presentes ao ex-presidente, não haveria violação da lei penal, mas poderia ter ocorrido improbidade administrativa, caso recebidas durante o mandato do petista.
As reformas no sítio de Atibaia bancadas pela Odebrecht tiveram início no fim de 2010, quando Lula estava encerrando seu segundo mandato, e custo de cerca de R$ 500 mil em valores da época, segundo testemunhas do caso.
Nessa hipótese, a violação seria ao artigo 9º da Lei de Improbidade, que descreve como enriquecimento ilícito o recebimento de valores pagos por pessoas ou empresas cujos interesses possam ser atingidos por condutas das autoridades ou servidores beneficiados.
O diretor da USP ressalva, porém, que “teríamos no caso que provar que a reforma do sítio implicou enriquecimento do ex-presidente, o que pressupõe prova de propriedade do sítio”. Formalmente, o sítio foi comprado em 2010 pelo empresário Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT.
Lula e sua defesa sempre negaram que o ex-presidente tenha sido o proprietário de fato do imóvel. A procuradora regional da República e especialista no estudo de improbidade Samantha Dobrowolski também vê a possibilidade de ter havido enriquecimento ilícito no caso do sítio de Atibaia.
“A empresa [Odebrecht] notoriamente mantinha contratos com o governo. Parece um tanto improvável afirmar ter havido boa-fé, dado o valor expressivo para uma doação ou presente nas condições de exercício de cargo público”, afirma ela.
“Não exprimo crítica moral, subjetiva, política. Nem preconceito. É uma constatação a partir de dados da experiência e da realidade usual, numa análise técnica, mas em tese, da situação dada”, diz a procuradora.
O professor de direito público da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld concorda que pode ter ocorrido a ilegalidade apontada no artigo 9º da Lei de Improbidade.
De acordo com Sundfeld, a lei “não exige prova de que o agente público tenha de fato usado seu cargo para beneficiar ilicitamente quem lhe tenha dado o presente. Basta que, em função do cargo, esse benefício fosse possível”.
“Também não exige prova da origem ilícita do acréscimo patrimonial do agente público; basta que ele seja desproporcional a seus recebimentos declarados e lícitos.”
Para a professora aposentada de direito administrativo da Faculdade de Direito da USP Odete Medauar, as obras do sítio de Atibaia podem ter violado o artigo 11 da Lei de Improbidade, que trata dos princípios da moralidade e impessoalidade na administração pública.
“Em termos de princípios de moralidade, eu enquadraria como improbidade, pois acho imoral receber um presente nesse patamar. Receber um presente de R$ 500 mil não combina com uma postura de correção”, diz Odete, em referência ao valor da reforma do sítio no interior paulista feita pela Odebrecht.
Já o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano entende que os casos do ex-presidente não poderiam ser enquadrados como improbidade.
Segundo o constitucionalista, para a configuração da ilegalidade seria necessária a comprovação de que Lula realizou atos administrativos concretos contra a lei.
“O ato de improbidade precisa de uma conduta concreta praticada. O que Lula e Marisa disseram é que eles não aceitaram os presentes, então não há conduta nenhuma ali. Hoje a meu ver, no direito brasileiro, receber presente não é crime nem ato de improbidade.”
As eventuais improbidades, no entanto, já estariam prescritas. Segundo os especialistas, as violações à lei prescrevem em cinco anos após a saída do cargo público ou mandato.
Como as obras mais recentes teriam sido realizadas pela construtora OAS em 2014, no tríplex em Guarujá, todos os prazos quinquenais já teriam se esgotado. Procurada pela reportagem, a assessoria de Lula disse que não se manifestaria sobre as avaliações dos especialistas.
Flávio Ferreira, Folhapress
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