Governo e aliados de Renan pedem moderação em CPI, e senador avalia baixar o tom
Foto: Dida Sampaio/Estadão |
Aliados de Renan Calheiros (MDB-AL) e interlocutores do Palácio do Planalto pediram ao relator da CPI da Covid para baixar o tom nas críticas ao governo Jair Bolsonaro.
Enquanto apoiadores do presidente avaliaram que o senador exagerou nas falas iniciais no colegiado, pessoas próximas a Renan elogiaram o discurso com recados duros ao Planalto, mas pediram parcimônia a partir de agora.
Na terça-feira (27), logo após assumir o posto, Renan fez ataques ao negacionismo durante a pandemia e a defesa de que culpados existem e devem ser punidos “emblematicamente”.
Iniciados os trabalhos da CPI, previstos para durar 90 dias, a recomendação de aliados a Renan é que se evite ataques a possíveis investigados antes de as apurações avançarem.
Foi dito ainda ao relator da comissão para ele não usar sua posição em defesa própria diante de processos a que responde na Justiça. A Operação Lava Jato foi um dos alvos do senador em pronunciamentos.
Após a sessão de terça, Renan se reuniu com aliados correligionários, que pediram mais moderação e apelo a questões técnicas. Com isso, avaliam eles, preserva-se a imagem da CPI e afasta-se a pecha de oposição.
Além de provocar reação do Planalto e haver risco de tirar credibilidade da comissão, aliados do senador também consideram que falas mais fortes e contra diversos adversários podem resultar no rompimento de uma aliança que contribuiu para tirar do governo o comando e a relatoria da CPI da Covid.
Senadores independentes e da oposição aglutinaram um grupo majoritário na comissão formada por 11 titulares. Isso permitiu eleger Omar Aziz (PSD-AM), que, por sua vez, indicou Renan para a relatoria.
O grupo é composto por congressistas de diferentes espectros da política, como o tucano Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o petista Humberto Costa (PT-PE), além de defensores da Lava Jato, como Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O senador afirmou a interlocutores que irá calibrar as falas. Apesar disso, alguns aliados dizem acreditar que Renan seguirá na toada ácida.
É esse posicionamento que preocupa o Planalto. Acuado pela CPI da Covid, o presidente Jair Bolsonaro ainda tenta criar um canal de diálogo com Renan.
Após ter falhado em investidas anteriores de aproximação com o relator, Bolsonaro aposta na relação de amizade do congressista alagoano com o presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), um aliado do governo, líder do centrão e integrante da CPI.
Segundo relato feito à Folha, Bolsonaro entrou em contato com Nogueira, de quem se tornou aliado após a entrada do centrão na base aliada, e pediu ao dirigente partidário que ajude, como uma espécie de mediador, a arrefecer os ânimos de Renan em relação ao Planalto.
Os sinais já foram emitidos. Dos senadores oposicionistas do órgão, Nogueira foi o único a votar em Omar Aziz (PSD-AM) para presidir o colegiado, que, por sua vez, indicou Renan para a relatoria.
O candidato apoiado por Bolsonaro para presidir a comissão, senador Eduardo Girão (Podemos-CE), recebeu 3 dos 11 votos. Aziz foi eleito com 8.
Segundo um articulador político de Bolsonaro, o voto de Nogueira para que Aziz se tornasse presidente da CPI da Covid foi combinado com o Planalto e propositalmente anunciado pelo próprio líder do centrão.
“Eu votei no senhor. O senhor me pediu e eu vou entrar na minha vida pública e sair dela cumprindo minha palavra. Um dos motivos que eu votei no senhor foi o que o senhor me disse que será um presidente imparcial”, disse Nogueira a Aziz na sessão da comissão na terça.
O líder do centrão não chancelou, por exemplo, um pedido para a retirada de Renan da relatoria feito ao STF (Supremo Tribunal Federal) na noite de terça. Assinaram o mandado de segurança Girão, Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO).
“Agora, neste exato momento, eu não vejo obstáculo nenhum de o senhor [Renan] ser relator da CPI”, havia afirmado Nogueira na comissão. Procurado pela Folha, ele não quis se manifestar.
A aliados Renan disse não se preocupar com o pedido feito ao STF. Ele afirmou que a investida faz parte do jogo dos senadores aliados de Bolsonaro.
O caso na corte está sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. O magistrado já analisa o pedido dos senadores, mas não há prazo para que ele tome uma decisão a respeito.
A CPI se reúne nesta quinta-feira (29), às 9h, para a votação dos primeiros requerimento.
Aziz informou à Folha que vai marcar para a próxima quarta-feira (5) o depoimento do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e um dos principais alvos da comissão de inquérito do Senado.
Segundo ele, no dia seguinte, quinta (6), será a vez do atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga. O presidente da CPI confirmou que os dois ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich serão ouvidos na terça-feira (4). O calendário foi definido nesta noite.
Enquanto agem para atingir Renan, os senadores governistas atuam alinhados ao Planalto.
Requerimentos apresentados por eles à CPI da Covid partiram, segundo indicam registros de dados dos arquivos, de um computador registrado em nome de Thaís Amaral Moura, secretária especial de assuntos parlamentares do Palácio do Planalto.
A informação foi divulgada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha, a partir da análise dos metadados dos documentos apresentados ao Senado.
Um dos pedidos é de Nogueira, que solicitou a presença da imunologista e oncologista Nise Yamaguchi, 58, que chegou a ser cotada para substituir Luiz Henrique Mandetta.
A médica também é uma entusiasta do uso precoce da combinação da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina já nos primeiros sinais da infecção por coronavírus —e não apenas para pacientes graves, como preconiza o Ministério da Saúde.
Mello também apresentou requerimento registrado pela funcionária do governo convidando a mesma médica para a falar à CPI. O senador não quis comentar.
Procurados, Nogueira e o Planalto não se manifestaram até a conclusão deste texto.
Na frente judicial, já foram duas as ofensivas contra Renan. Na primeira, a Justiça Federal do Distrito Federal concedeu uma decisão liminar (provisória) a pedido da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) que o impedia de ser eleito relator.
Pelo regimento do Senado, no entanto, o posto é ocupado por indicação do presidente da CPI, não por eleição. A ordem não só foi ignorada como acabou derrubada na terça pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
O argumento dos senadores ao STF é que Renan seria suspeito de elaborar o documento final da CPI e definir o plano de trabalho da comissão por ser pai do governador Renan Filho (MDB-AL).
O senador chegou a afirmar que se declara suspeito de participar de qualquer investigação que envolva o filho —que ainda não é alvo da comissão. Mesmo assim, governistas querem tirá-lo da função por ser considerado de oposição.
As falas de terça endossam o temor de aliados de Bolsonaro. O discurso foi cheio de recados ao Planalto.
Renan afirmou que responsabilizará aqueles que têm culpa pelas 400 mil mortes durante a pandemia. E, inclusive, sugeriu que pode haver pedidos de indiciamento por crimes contra a humanidade.
isse também que não se curvará a intimidações. “Não foi o acaso ou flagelo divino que nos trouxe a este quadro. Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados”, afirmou.
Renan chegou a afirmar que crimes contra a humanidade não prescrevem. “Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet são exemplos históricos. Façamos nossa parte”, disse.
“O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes e eles devem ser punidos imediata e emblematicamente”, afirmou o senador durante a reunião da comissão.
Renan ainda mandou recados ao ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde), apontado pelos senadores como um dos principais alvos da investigação, ao fazer uma analogia indireta com o fato de o general não ser da área da saúde.
“O que teria acontecido se tivéssemos enviado um infectologista para comandar nossas tropas [na Segunda Guerra]? Provavelmente um morticínio”, afirmou.
Julia Chaib , Renato Machado , Daniel Carvalho , Gustavo Uribe e Matheus Teixeira
Folhapress
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