Histórico da PM traz risco para Rui em meio ao estímulo do ‘tenentismo-milicianismo” por Bolsonaro, diz sociólogo
Foto: Reprodução/YouTube/ Na imagem, o analista e professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais, Felippe Ramos |
No último domingo (28), a morte do soldado Wesley Soares após efetuar disparos de arma de fogo contra colegas no Farol da Barra, “apimentou” as discussões políticas – tão afloradas durante a pandemia da Covid-19. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro utilizaram o caso para alimentar o discurso contra as medidas de isolamento social.
Este Política Livre conversou com o consultor e professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais Felippe Ramos, ex-professor da Unifacs, sobre este e outros temas. Para ele, “o presidente e seus apoiadores mais extremistas no Palácio e no Congresso têm estimulado o tenentismo-milicianismo, a insubordinação e amotinamento”.
“Os deputados federais Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro foram rápidos em tentar politizar a morte do PM contra o governador Rui Costa, do partido do agora elegível Lula. Eles sabem do histórico de sublevação da PM baiana”, avaliou o analista político.
Ramos comentou também a movimentação local entre os políticos baianos. O deputado estadual Soldado Prisco (PSC) tem liderado manifestações em Salvador em homenagem ao PM que teve um surto psicótico na última semana. “Prisco é uma figura menor no jogo, de expressão meramente local, mas está surfando nessa onda, na qual já tem experiência”.
“Possivelmente ele se colocará à disposição para ser o executor do plano bolsonarista no nível local. Para ele, é uma oportunidade política de ampliar o próprio poder”, pontuou.
O professor também analisou as recentes mudanças nas Forças Armadas pelo presidente da República. “As Forças Armadas, e principalmente o Exército, se vincularam ao projeto político de eleger Bolsonaro e de ajudá-lo a governar porque fizeram a leitura de que os generais seriam os tutores com capacidade de frear os devaneios mais graves do presidente, enquanto assumiriam postos-chave na gestão para recolocar o país em ordem”, contou.
Na oportunidade, por falar em 2022, Felippe Ramos fez um alerta. “Anote aí: se Bolsonaro perder as eleições e principalmente se perder para Lula, a invasão do Congresso dos EUA, estimulada por (Donald) Trump, irá parecer brincadeira de criança se comparada ao que ocorrerá no Brasil”.
Confira a entrevista completa:
Política Livre: Diante de toda essa instabilidade política que vivemos, como avalia a atual cena no país? Corremos risco de um golpe?
Felippe Ramos: A palavra-chave está indicada na própria pergunta: instabilidade. Os sistemas políticos devem ser estáveis, o que possibilita a maior previsibilidade dos atores tanto da política quanto do mercado. Quando uma instabilidade política assola uma Nação, é importante observar o comportamento das lideranças políticas. Em geral, autoridades públicas tentam resolver as crises e desta capacidade de resolução derivam as maiores chances de que permaneçam no poder, sejam bem avaliados e, no limite, reeleitas. O que realmente chama a atenção no Brasil hoje é que não somente não observamos um comportamento anti-crise do presidente (Jair Bolsonaro), como as crises sucessivas no mundo político têm sido ativa e conscientemente produzidas pelo chefe de Estado. Isso é um fenômeno completamente atípico. O padrão de governabilidade de Bolsonaro não é a cooperação e a harmonia entre Poderes e o respeito ao pacto federativo, mas justamente o enfrentamento, a geração de crise e instabilidade e, ao extremo, o caos. O presidente mostrou-se esperançoso ao afirmar a apoiadores que “o caos vem aí”. Do caos, Bolsonaro pensa poder extrair maior poder de barganha perante o Congresso, Suprema Corte e os governadores. Sob a ameaça da ingovernabilidade e anarquia, ele tira a fórmula mágica “concentração de poderes no Executivo, esvaziamento dos poderes dos governadores, Estado de Sítio”. A leitura do presidente foi de que ele teria o aval da alta oficialidade das Forças Armadas para se colocar como esta solução mágica para o caos criado por ele próprio. A demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das três Forças demonstrou que, felizmente, as Forças Armadas não apoiaram este ataque constitucional. As Forças Armadas atuaram para garantir a democracia, deram um limite ao presidente. O risco de golpe deixou de existir? Não, mas vejo que o risco maior vem do tenentismo-milicianismo, das baixas patentes, principalmente do Exército, e das franjas milicianas das PMs. O presidente atua para ter essas milícias bolsonaristas de prontidão. Isso alarma o Alto Comando, que teme insubordinação e amotinamento. A aposta na crise e no caos como padrão de governabilidade permanecem e, portanto, o auto-golpe segue como ameaça no horizonte.
O senhor fez uma alerta forte sobre o risco de que o movimento de protesto contra a morte do policial Wesley Soares desencadeasse uma sublevação na PM. Ainda pensa assim?
Ainda penso assim. Indicar que um evento de grande consequência pode ocorrer não significa dizer que ele irá ocorrer. Mas sempre que um risco é grave o suficiente para merecer atenção ele deve seguir sendo monitorado, avaliado e, se possível, medidas devem ser tomadas para preveni-lo e mitigá-lo, caso venha a se concretizar. Como mencionei anteriormente, o presidente e seus apoiadores mais extremistas no Palácio e no Congresso têm estimulado o tenentismo-milicianismo, a insubordinação e amotinamento. Os deputados federais Bia Kicis (PSL-DF) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foram rápidos em tentar politizar a morte do PM contra o governador Rui Costa, do partido do agora elegível Lula. Eles sabem do histórico de sublevação da PM baiana. Vão seguir alimentando isso nos bastidores e nas redes sociais, sempre apagando os posts mais polêmicos depois de criar os efeitos desejados. Qual o objetivo deles com isso? Ter uma milícia a postos para tensionar as eleições em 2022. Anote aí: se Bolsonaro perder as eleições e principalmente se perder para Lula, a invasão do Congresso dos Estados Unidos, estimulada por (Donald) Trump, irá parecer brincadeira de criança se comparada ao que ocorrerá no Brasil.
Não acha que está havendo uma “forçação de barra” – por protestos e confronto com o governo – da parte de policiais políticos, como por exemplo o Soldado Prisco, por causa da preocupação com suas próprias reeleições em 2022?
Sim, exatamente pelo que mencionei anteriormente. Prisco é uma figura menor no jogo, de expressão meramente local, mas está surfando nessa onda, na qual já tem experiência. Possivelmente ele se colocará à disposição para ser o executor do plano bolsonarista no nível local. Para ele, é uma oportunidade política de ampliar o próprio poder.
Até que ponto a revolta que emergiu da morte do policial tem a ver com a existência da ideologia bolsonarista nas polícias militares? De fato, essa ideologia existe nas PMs pelo país afora?
É difícil mensurar o nível de penetração de ideias politicamente extremistas nas PMs, mas já há farta literatura e investigação sobre o crescimento das milícias. O Estado do RJ é basicamente miliciano hoje. Mas milicianismo era originalmente um negócio, tratava-se de busca de ganhos econômicos para os agentes envolvidos. Com Bolsonaro no centro do poder nacional, esse poder econômico armado vê a oportunidade de galgar também o poder político. O Rio de Janeiro é um modelo exitoso para os promotores dessa agenda de milicianização das PMs no país. Diversos memes, cards de mobilização política e fake news que circulam em aplicativos de mensagens servem como termômetro do nível de atividade comunicacional dos defensores das PMs como poder paralelo. Acrescente-se a agenda armamentista do presidente, de facilitação do acesso às armas por civis, que a fórmula se completa. Votaram em Bolsonaro para impedir que o Brasil se transformasse na Venezuela. Pois bem: o Brasil nunca esteve mais próximo de ser uma Venezuela do que agora.
Acredita que a crise que se desencadeou na cúpula das Forças Armadas com o presidente da República foi decorrente de sua tentativa de usar o caso do surto do PM baiano para implantar um Estado de Sítio no país?
Sim, conforme mencionei acima. As Forças Armadas, e principalmente o Exército, se vincularam ao projeto político de eleger Bolsonaro e de ajudá-lo a governar porque fizeram a leitura de que os generais seriam os tutores com capacidade de frear os devaneios mais graves do presidente, enquanto assumiriam postos-chave na gestão para recolocar o país em ordem. A intenção foi boa, mas popularmente sabemos o que enche o inferno. Bolsonaro não é tutelado, aos trancos e barrancos vai ganhando projeção sobre seu próprio governo, derruba Sérgio Moro, neutraliza Paulo Guedes e demite quatro altos oficiais das Forças Armadas em dois dias. É verdade que não houve auto-golpe. Mas também é verdade que os oficiais perderam seus postos de maneira humilhante, enquanto Bolsonaro segue presidente sem qualquer perspectiva de impeachment. Quem ganhou a queda-de-braço?
Por que a dificuldade de as pessoas, principalmente comerciantes e lojistas mais afetados pelo toque de recolher e as medidas restritivas na Bahia e em outros Estados, em cobrar a responsabilização do presidente da República pelo caos sanitário que leva ao fechamento da economia?
Porque o presidente escolheu de forma inteligente sua agenda. Na sua política de enfrentamento sem meios termos, sem espaço para negociação e compromissos, adotou o discurso da defesa do “abre tudo, aglomerem, não usem máscaras”. Isso gera mortes? Sim, mas a popularidade do presidente segue ao redor de estratosféricos 30%, se olharmos que se trata da pior gestão da pandemia no mundo, com o Brasil respondendo por 1/3 das mortes por Covid-19 no planeta. As pessoas estão morrendo, mas muitas das que estão vivas não aguentam mais lockdown, seja porque querem abrir o comércio seja porque querem se divertir. O presidente é bem avaliado por essas pessoas.
Diria que o bolsonarismo, ainda que restrito a 30% do eleitorado, tem ganho a guerra de narrativas no país?
Em sociedades altamente polarizadas, como a nossa, não há vitorioso na guerra de narrativas justamente porque cada lado acredita piamente que ganhou. Os antibolsonaristas estão convictos de que desmascararam os excessos do extremismo do presidente. Os bolsonaristas estão convencidos de que são o verdadeiro povo brasileiro, os únicos legítimos atores políticos lutando contra os monstros do globalismo e do comunismo. Não há como criar pontes, não há diálogo. Isso é péssimo para a democracia, gera um desgaste muito grande, um clima de ódio muito presente nas ruas e nas redes o tempo inteiro.
Se não há governo, por que as pessoas defendem Bolsonaro? É uma questão mais de identidade e afinidade ideológica do que programática?
O índice de aprovação de Bolsonaro desafia as teorias mais ingênuas da ciência política sobre comportamento e atitude do eleitor. Em geral, a literatura acadêmica indica que crises econômicas, desemprego, redução da renda, instabilidades e crises sanitárias tendem a empurrar para baixo e de forma acelerada a aprovação dos presidentes. Por que não com Bolsonaro? Dei a dica anteriormente: olhem para a Venezuela. Pesquisas de institutos independentes e confiáveis como Datanálisis mostram que cerca de 30% da população da Venezuela seguem apoiando Maduro, isso em meio ao maior declínio econômico e fuga migratória em massa da história da América Latina. Sociologicamente, interpreto que índices de popularidade são úteis para compreender a política de países em situações normais e estáveis, com sistema político e econômico funcionais. No entanto, quando hecatombes de proporções bíblicas atingem países, e esse é o caso tanto de Venezuela quanto do Brasil, os indivíduos deixam de ser meros atores racionais, premiando ou punindo políticos de acordo com suas performances objetivas. Passam, ao contrário, a assumir identidades mais ideológicas, a seguir um ou outro salvador no mercado das ilusões populistas. Quando isso ocorre, pouco importa a objetiva péssima gestão do político porque a culpa é sempre do outro lado, do mal, do inimigo e todos precisam cerrar fileiras acriticamente e atuarem como soldados do comandante injustiçado. Aí a popularidade encontra um piso mínimo elevado e não cai independente das atrocidades que o líder cometa.
Que tipo de recado daria para o governador Rui Costa depois desse episódio?
O governador é esperto. Evitou as crises com a PM que (Jaques) Wagner teve que enfrentar. Conseguiu neutralizar as tentativas do presidente de usar politicamente a morte do soldado contra seu governo. Ele sabe que tem uma ameaça muito grande o tempo inteiro pairando sobre ele, mas é hábil, evita indispor-se com o comando da PM, fortalece a instituição, aumenta a rede de escolas militares, tenta ajustar salários quando a situação fiscal permite. Também tem se articulado com outros governadores para não ficar isolado. Mas se tudo isso for insuficiente para evitar um possível amotinamento e insubordinação em meio a um caos eleitoral, ele não contará com o envio de tropas da Força Nacional ou das Forças Armadas para apaziguar as ruas, pelo menos no que depender de decisão do presidente da república. Se isso acontecer, o governador estará em maus lençóis.
Mateus Soares
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