Câmara aprova projeto que flexibiliza regras de licenciamento ambiental
Foto: Will Shutter/ Câmara dos Deputados |
O projeto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental foi aprovado na madrugada desta quinta-feira, 13, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Com maioria na Casa, a bancada ruralista aprovou o texto substitutivo do Projeto de Lei 3.729, de 2004, relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.
A proposta do texto principal foi aprovada por 300 votos a favor, ante 122 contra. Nesta quinta-feira, 13, devem ser votados os destaques, como são conhecidas as mudanças específicas propostas pelas bancadas partidárias. Depois, o texto ainda precisa passar pelo Senado. Se os senadores fizeram mudanças no texto, o PL volta a ser debatido na Câmara, mas apenas sobre as eventuais alterações. Se não houver alterações e for aprovado no Senado, seguirá para sanção presidencial.
A aprovação causou indignação generalizada entre organizações ambientais, cientistas e especialistas no setor. O texto final foi encaminhado ao plenário sem ter passado por audiência pública. Não houve espaço para acatar nenhuma recomendação da ala ambiental, que alertou sobre vulnerabilidades trazidas pelo texto final. Especialistas no setor e juristas preveem uma série de ações judiciais, com desdobramentos no Supremo Tribunal Federal (STF), diante de possíveis inconstitucionalidades e descumprimentos de previsões da legislação ambiental. Já a Frente Agropecuária defendeu o texto e culpou o modeo atual por obras paradas.
Com 216 deputados e 8 senadores, a Frente Parlamentar Ambientalista, declarou “profunda indignação”.
“É inadmissível que uma proposta como essa seja aprovada pela Câmara dos Deputados diante de tantos desastres ambientais vividos recentemente no país”, afirmou a Frente, em nota. “Provavelmente, com a aprovação desse projeto, o Brasil irá presenciar novos episódios de acidentes socioambientais. Além disso, a medida poderá enfraquecer a segurança jurídica e a judicialização desse importante instrumento ambiental.”
Os parlamentares ambientalistas afirmam que as tragédias que ocorreram em Mariana e Brumadinho (MG) deveriam ser exemplos reais da importância de realizar debates aprofundados com a sociedade sobre o aprimoramento dessa ferramenta. “O meio ambiente e a vida dos povos indígenas e originários encontram-se, mais do que nunca, ameaçados pela política da ‘boiada livre’. Essa aprovação significa mais uma derrota do Brasil não somente em nível nacional, mas também internacional”, declarou a Frente.
Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, afirma que a Câmara votou “a Lei da Não Licença e do Autolicenciamento”. “Somando-se as isenções de licença com o autolicenciamento em que foi transformada à licença por adesão e compromisso, sobra pouca coisa para licenciar. Consagra-se o liberou geral. Não é o licenciamento ambiental que trava os investimentos no País. É a falta de planejamento, a visão simplista de curto prazo, a busca por lucro fácil, a ignorância, a corrupção”, comenta Araújo, que é uma das principais especialistas do setor.
“O mundo debatendo a retomada econômica lastreada em uma perspectiva orientada para as questões ambientais e climáticas e a Câmara optando pelo retrocesso. O resultado, se isso virar lei, será a luta nos tribunais, tanto em relação ao texto aprovado, quanto em cada um dos licenciamentos ou, corrigindo, dos não licenciamentos”, acrescenta Suely.
Coordenador da Frente, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) afirmou que se trata do fim do licenciamento ambiental no País e disse ser a pior versão da proposta ao longo de 17 anos de tramitação. “Conseguiram piorar o que já era péssimo. Grave ameaça aos direitos sociais e ambientais”, escreveu nas redes sociais.
Desde a semana passada, quando veio à tona o texto final que seria apresentado pelo relator, centenas de organizações ambientais, especialistas no setor, membros da Academia e parlamentares se mobilizaram para tentar demover o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), da ideia de levar uma proposta ao plenário que não chegou a passar por audiência pública. Não houve negociação. Lira, que já havia assumido o compromisso de pautar o assunto apoiado pela Frente Parlamentar Agropecuária, confirmou que levaria a pauta adiante.
Neri Geller disse, durante a sessão plenária que apresentou um relatório “equilibrado” e que não traz “uma única vírgula” que afronte o meio ambiente. A FPA, da qual ele é vice-presidente, aponta excesso de burocracia no modelo atual e divulgou informações para declarar que o licenciamento ambiental é responsável pela paralisação de mais de 5 mil obras em todo o País. Não é nada disso que mostra o Tribunal de Contas da União (TCU).
Levantamento realizado pelo TCU mostrou que, na realidade, o licenciamento ambiental não respondia por mais do que 1% das obras do País. Fora analisadas mais de 30 mil obras públicas financiadas com recursos federais. Menos de 200 projetos tinham paralisações associadas a dificuldades de obter licenciamento.
O próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, chegou a afirmar, em entrevista ao Estadão, que o motivo das paralisações não é o licenciamento em si, mas a péssima qualidade dos estudos apresentados pelas empresas e órgãos do governo.
“É preciso fazer um mea-culpa sobre isso e reconhecer que não vínhamos fazendo a nossa parte tão bem quanto o necessário. Estávamos cobrando do órgão ambiental uma velocidade no licenciamento, mas deixávamos de fazer a nossa parte”, disse Freitas ao Estadão, em fevereiro. “Muitas vezes, o licenciamento trava por causa da baixa qualidade desses estudos. A gente estuda mal e, de repente, oferece um produto ruim para o órgão de meio ambiente analisar. É um aprendizado para nós.”
Uma das principais mudanças impostas pelo PL diz respeito à dispensa expressa de licenças para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva e semi-intensiva, além de pecuária intensiva de pequeno porte. Outros 13 tipos de atividades ficam isentas da obrigação de serem licenciadas. São projetos como, por exemplo, obras de transmissão de energia elétrica; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário; obras de manutenção de infraestrutura em instalações preexistentes, como estradas, além de dragagens (retirada de sedimentos) de rios; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; e usinas de reciclagem de resíduos da construção civil.
Outra mudança impostas pelo projeto da lei prevê o enfraquecimento de regras nacionais que hoje vigoram sobre o setor, repassando a governos estaduais e municípios a atribuição de definir qual tipo de empreendimento precisará de licença ambiental, além do tipo de processo do licenciamento que é aplicado em cada caso.
Nacionalização de Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
O texto propõe a adoção de licenças autodeclatarórias para todo o País. Esse instrumento da LAC já existe em alguns Estados, mas é aplicado apenas a determinados empreendimentos, e com conhecimento prévio da área ambiental e um termo de referência do que se pretende. A crítica é que, da forma como está estabelecida, a LAC será convertida em um licenciamento automático, com simples declaração pela internet, sendo submetida apenas a uma análise por amostragem.
Acesso irrestrito a terras indígenas e quilombolas em fase de estudo
O texto exclui da avaliação de impacto e da adoção de medidas preventivas as terras indígenas não homologadas e as terras quilombolas impactadas por empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, ou seja, que ainda aguardam para serem tituladas, devem ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.
Restrição a condicionantes sociais
O projeto limita profundamente o alcance de medidas de redução de impactos causados por projetos. Medidas como a instalação de escolas públicas e postos de saúde, que muitas vezes são incluídas em ações de mitigação e compensação, ficam mais restritas, limitando-se a temas especificamente ambientais, apesar de uma série de impactos sociais que é gerada por empreendimentos.
Enfraquecimento do ICMBio
O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), órgão que hoje tem poder de veto a empreendimentos que venham a impactar as unidades de conservação federal, tem essa atribuição retirada, a partir do projeto de lei. O PL altera regras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, acabando com o poder de veto do Chico Mendes, limitando sua atuação a uma posição consultiva.
André Borges/Estadão Conteúdo
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