Colômbia chega a 2 meses de caos nas ruas sem perspectiva de fim dos protestos
Foto: Raul Arboleda/AFP |
O conquistador Cristóvão Colombo foi uma das vítimas das comemorações dos dois meses de protestos na Colômbia. Ou ao menos uma representação dele. Na cidade costeira de Barranquilla, na última segunda-feira (28), centenas de pessoas assistiram à derrubada da estátua, no centro da cidade, e ao trajeto pelo qual sua cabeça foi arrastada por cordas até a porta da prefeitura.
Em outras cidades do país, manifestantes também saíram às ruas, embora com menos agressividade e em menor número do que no início do movimento, em 28 de abril. No começo, protestava-se contra uma reforma tributária proposta pelo presidente de centro-direita Iván Duque, parte de um pacote de ajustes que serviria, em parte, para aliviar os gastos durante a pandemia de coronavírus.
A recepção do projeto foi tão ruim que Duque recuou da ideia, e, embora ele tenha realizado diversos encontros com o comitê de greve, que representa parte dos manifestantes, não conseguiu acabar com os protestos. Por um lado, a maioria dos bloqueios montados em ruas e estradas foi retirada, mas em muitas cidades a tensão continua, e os protestos são constantes.
“Esse clima de tensão deve continuar até as eleições [marcadas para maio de 2022]. Duque está frágil e isolado. E a ideia de que está negociando não quer dizer nada. Os sindicatos são uma minoria”, diz o historiador Jorge Orlando Melo, autor de “Historia Minima de Colombia”, entre outros títulos.
“A maior insatisfação é justamente dos não sindicalizados, os que não têm mais trabalho. São os informais, os que trabalhavam em comércios que fecharam, os pobres. Não é um enfrentamento entre trabalhador e governo, é entre os que já estavam sem atividade, os que caíram na pobreza. E Duque já não tem tempo nem força política para resolver o problema desse setor da sociedade.”
Até aqui, nesses dois meses de protestos, de acordo com as ONGs Indepaz e Temblores, já ocorreram 74 mortes, 44 das quais fruto da ação das forças de segurança, além de 28 casos de estupro, 1.832 detenções e 83 pessoas com lesões nos olhos devido ao uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo.
Oficialmente, o governo afirma ter havido, ao todo, 48 mortes em enfrentamentos durante os atos.
Além de todos esses números, a Procuradoria da Colômbia recebeu 572 denúncias de desaparecimentos, embora tenha divulgado a investigação de apenas 84 casos. Os demais, segundo o órgão, “não cumprem os requisitos legais que configuram um desaparecimento”.
“Nossa preocupação é que estejam sendo reproduzidos os padrões da guerra contra as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], na qual centenas de pessoas foram encontradas, anos depois, em fossas coletivas”, diz Luz Marina Monzón, diretora da Unidade pela Busca de Pessoas Desaparecidas.
“As autoridades precisam, urgentemente, reconhecer que há mais desaparecidos do que admitem e redobrar seus esforços para encontrar todas essas pessoas. Elas ainda podem estar em delegacias, hospitais, nas ruas. E se houve algum envolvimento da polícia nesses desaparecimentos, ele precisa ser investigado”, diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch.
Segundo dados oficiais, as perdas na economia já somam mais de US$ 1,5 bilhão, contando, além do que se perdeu com a queda no comércio, as depredações de veículos do transporte público e de delegacias.
Para os que protestam, há três bandeiras principais: a reforma da polícia, a suspensão do desmonte de parte do acordo de paz com as Farc e a reformulação do Estado para atender à demanda por melhores serviços básicos, como saúde e educação. No primeiro ponto, os manifestantes querem a desvinculação da polícia do Exército e uma mudança no treinamento para combater a violência urbana. “A polícia militarizada da Colômbia é a mesma que foi formada para lutar contra guerrilheiros armados na selva. O que as pessoas pedem é uma polícia menos bruta e mais justa”, diz o historiador Melo.
Em relação ao pacto de paz, o documento previa itens que Duque não vem atendendo, como a integração de guerrilheiros à sociedade, a proteção dos que se desarmaram e o funcionamento do tribunal especial. Eventos como os assassinatos de centenas de líderes sociais que colaboravam com a recuperação de ex-combatentes e de 150 ex-membros das Farc causam mais tensões no campo e além das fronteiras.
Ao perceberem que não teriam proteção enquanto são julgados, alguns dos ex-líderes da guerrilha foram para acampamentos ilegais na Venezuela, o que ampliou os problemas com o país vizinho. A explosão de um carro-bomba num quartel do Exército e os tiros de fuzis contra o helicóptero em que o presidente viajava, na cidade fronteiriça de Cúcuta, mostram que o conflito entre grupos armados vem escalando.
Durante seu mandato, Duque desfez as boas relações que seu antecessor, Juan Manuel Santos, manteve com a ditadura venezuelana. Assim, Nicolás Maduro, em seus discursos, afirma que a crise é culpa do líder colombiano, que estaria tentando entrar no país e derrubar o regime a mando dos EUA. Duque, por sua vez, afirma que o chavista faz vista grossa para a presença de grupos ilegais em seu território.
Por fim, a demanda pela reformulação do Estado aparece como uma das principais bandeiras em um país que é o segundo mais desigual da América do Sul, atrás apenas do Brasil, e o sétimo no mundo, de acordo com o Banco Mundial. A pandemia de coronavírus, segundo dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), colaborou para elevar a pobreza de 31,7% em 2019 para 38,7%.
“A Colômbia havia melhorado muito o padrão de vida dos habitantes nas últimas duas décadas. Mas a pandemia e, em grande parte, essa administração tiraram o país desse caminho”, diz Melo. “A sociedade sente isso, que caminhamos para um país com mais pobres, mais desigualdade, mais população urbana em condições precárias e sem emprego. Por ora, não vejo como acalmar completamente as ruas.”
Sylvia Colombo / Folha de São Paulo
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