Grupo de presidenciáveis do manifesto que apontou 3ª via se esfacela três meses após lançamento
Foto: Governo do Estado de São Paulo |
Era uma vez um grupo de WhatsApp e um manifesto que sinalizou uma convergência de forças rumo à chamada terceira via, uma candidatura alternativa a Jair Bolsonaro (sem partido) e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência da República em 2022.
Três meses depois do lançamento do Manifesto pela Consciência Democrática —assinado por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo) e Eduardo Leite (PSDB)—, pouco restou dessa história.
O grupo de mensagens criado para discutir o texto em defesa da democracia publicado no dia 31 de março, quando o golpe que instaurou a ditadura militar (1964-1985) completou 57 anos, caiu no ostracismo, enquanto dois dos autores saíram da lista de presidenciáveis.
Entre os que restaram, um natural e previsível distanciamento se impôs. Apesar disso, as conversas de partidos e políticos, especialmente no centro e na centro-direita, se expandiram para além do sexteto e incluíram outros nomes, dando sobrevida ao esforço para romper a polarização.
O primeiro signatário do manifesto a deixar o posto de pré-candidato foi Amoêdo, que desistiu da empreitada no último dia 10, em meio a um embate com a ala bolsonarista do Novo. O recuo do empresário foi motivo de surpresa, visto que o partido já tinha anunciado sua escolha.
Uma semana depois, foi a vez de Huck. O apresentador confirmou no dia 16 que estava trocando os planos políticos pelos domingos da TV Globo, com a saída de Fausto Silva. A desistência, esperada nos bastidores havia semanas, frustrou grupos que apostavam nele como a figura da coesão.
Com a adesão ao documento, foi a primeira vez que o comunicador colocou seu nome ao lado do de outros postulantes declarados ao Planalto. Até então, Huck não confirmava nem negava a possibilidade de se aventurar nas urnas.
A carta em louvor às instituições democráticas foi uma resposta à maior crise militar no país desde 1977, com a renúncia coletiva dos três comandantes das Forças Armadas por causa de discordâncias com Bolsonaro. Na ocasião, também houve atos em capitais em comemoração do golpe militar.
Rusgas do passado, divergências ideológicas e guerras de vaidades, contudo, já despontavam como obstáculos para uma aliança ampla no sexteto, tornando baixa a chance de uma candidatura única.
À exceção de Ciro, todos os signatários são identificados na opinião pública como simpatizantes de Bolsonaro no segundo turno de 2018, mas hoje se declaram na oposição ao mandatário. Além do antibolsonarismo, o grupo se une na defesa do antipetismo, mas sobram diferenças.
O pedetista, por exemplo, sempre foi visto como uma peça desgarrada, por vir da centro-esquerda e ter um histórico de críticas a integrantes como Doria e Huck. Ciro, que busca alianças no centro para viabilizar sua quarta campanha presidencial, participou mais pela causa do que por cálculo eleitoral.
O afastamento ficou mais claro desde então, à medida que ele avançou com sua pré-campanha no PDT, contrariando o discurso de outros membros de que um diálogo rumo à composição só seria frutífero se todos se dispusessem a abrir mão de projetos pessoais em benefício da unidade.
A presença do ex-ministro de Lula em um documento coalhado de nomes mais à direita e a aparição inédita de Huck ao lado de presidenciáveis ofuscaram a presença de Doria, que demonstrou desconforto com a falta de protagonismo na repercussão do lançamento do texto.
O paulista, àquela altura consolidado como aspirante à Presidência, ainda teve que dividir espaço com um colega de PSDB, o governador do Rio Grande do Sul. Hoje Doria e Leite estão entre os quatro adversários que rivalizam nas prévias para a definição do candidato do partido.
Para o primeiro, o desafio é capitalizar politicamente o trabalho feito para trazer a vacina chinesa Coronavac ao país. Além disso, falta a Doria quebrar resistências entre partidos e atores que acreditam na terceira via. Ele também amarga rejeição em pesquisas, sobretudo no Nordeste.
Já o gaúcho, que ganhou projeção nos últimos dias após se declarar homossexual, precisa superar as barreiras da disputa interna na legenda e da baixa taxa de conhecimento nacional. Leite, contudo, é tido como um nome relativamente palatável para eventuais alianças eleitorais.
Idealizador do manifesto, Mandetta diz que não considera a iniciativa um fracasso. Segundo o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, o objetivo maior era lançar um alerta em prol da democracia, o que se cumpriu, e os diálogos no campo do centro evoluíram de lá para cá.
“Naquele momento, o debate estava muito em função de nomes. Por isso, falei: vamos andar mais em direção a partidos”, afirma ele, que é pré-candidato do DEM e tem atuado para aproximar representantes de várias legendas. “Não adianta falar de candidatos sem pensar em partidos.”
No último dia 16, horas após a formalização da desistência de Huck, o presidenciável realizou em Brasília um almoço com dirigentes e integrantes de sete siglas de centro-direita e de centro-esquerda —DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos e Solidariedade.
Ao fim do encontro, anunciou-se o consenso de que ninguém ali pretende se incorporar a Bolsonaro ou Lula, pelo menos não no primeiro turno. Convidados, os presidentes do PDT, Carlos Lupi, e do PSL, Luciano Bivar, não compareceram sob a justificativa de que já tinham marcado outros compromissos.
De acordo com Mandetta, seu papel tem sido o de “provocar os partidos” em busca de coalizões. “Ressalvei que todos eles podem ter seus pré-candidatos. Isso não anula a conversa partidária. Precisamos criar uma força gravitacional plural e ampla, para fazer frente a Lula e a Bolsonaro.”
“Os nomes vão aparecer em função dos espaços políticos que forem criados. Se vai ter um nome capaz de aglutinar todos, hay que ver [é preciso ver]. O que não podemos deixar é de debater o Brasil, os problemas reais e o projeto de país que queremos, de reconstrução e de esperança”, acrescenta.
Sobre o desfecho do manifesto, ele resume: “O Huck se orientou por uma questão pessoal e profissional, o PSDB caminhou para as prévias, o Ciro continuou com a sua pré-candidatura e vem dialogando com os partidos, e o Amoêdo recuou, mas continua participando e dando ideias”.
O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que foi sondado para assinar o texto, mas declinou alegando impedimentos contratuais com a consultoria para a qual trabalha, continua sendo uma incógnita para as eleições. Partidos e apoiadores da Operação Lava Jato o incentivam a se candidatar.
“O Moro tem uma posição muito reservada”, diz Mandetta. “Deve estar refletindo, tem o tempo dele.”
Amoêdo confirma que se mantém na saga da terceira via, mesmo fora da posição de presidenciável. “O que me levou a desistir [da candidatura] foi que senti uma indefinição do partido em relação a ser uma oposição firme a Bolsonaro. Sem essa clareza, isso me deixou inseguro.”
Segundo ele, o texto divulgado pelo sexteto foi importante para exaltar a democracia em um momento que ela estava sob ataque. “Mas sempre entendi que existiam muitas dificuldades dentro do grupo, a começar pelos partidos. O PSDB e o DEM, por exemplo, não têm clareza de candidatura.”
Apesar dos entraves, Amoêdo se diz otimista. “A gente ainda continua com poucas opções na terceira via, mas vai se criando um caminho para que lá na frente, se houver convergência de ideias e disposição daquele que tem maior chance, ocorra uma junção eventualmente em torno de um nome.”
Huck também tem afirmado que não se afastará do debate público e trabalhará, ainda que fora dos holofotes, pela fabricação de uma candidatura de perfil moderado. Procurado, ele não se manifestou.
Pesquisa do Ipec divulgada na sexta-feira passada (25) mostrou Lula com 49% das intenções de voto no primeiro turno e Bolsonaro com 23%. Na sequência, aparecem Ciro (7%), Doria (5%) e Mandetta (3%). Outros 10% disseram preferir votar em branco ou nulo —3% não responderam.
Joelmir Tavares / Folha de São Paulo
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