Desemprego só retorna ao nível pré-pandemia em 2023, apontam economistas
Foto: Agência Brasil/Arquivo |
As revisões pessimistas para o avanço da economia em 2022 já preocupariam pela volta do país a um ritmo de crescimento medíocre, após a debacle causada pela pandemia. O cenário, no entanto, também sinaliza que o desemprego deve permanecer alto no ano que vem e só voltar ao patamar pré-Covid em 2023.
No trimestre encerrado em maio, o desemprego no país bateu em 14,6%, o que equivale a 14,8 milhões de pessoas, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Quando se olha para a população subutilizada, o número é ainda mais preocupante: 32,9 milhões.
O ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman lembra que o ritmo de recuperação dos postos de trabalho depende diretamente de quanto o país irá crescer este ano e nos próximos. Com as projeções mais recentes do boletim Focus, do Banco Central, o desemprego deve permanecer elevado até 2023, voltando ao nível de antes na segunda metade do ano, diz.
De acordo com o último Focus, há uma expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,27% este ano. Para 2022, hoje é estimada uma elevação de 2% —mas essa estimativa já foi de 2,5% no começo do ano e tem passado por constantes revisões para baixo.
A expectativa de crescimento para o ano que vem já caiu para baixo de 2% em análises recentes de diferentes instituições. O FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo, já fala em 1,9%; o Itaú, em 1,5%; a MB Associados, em 1,4%. Para 2023, a previsão de alta do PIB é de 2,5%, ainda segundo o Focus.
Além dos desafios impostos pela própria pandemia, o cenário eleitoral no ano que vem também deve prejudicar o crescimento e um aumento dos investimentos.
O processo já vem sendo conturbado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que coloca em dúvida a confiança nas urnas eletrônicas e mantém um clima de confronto com ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em suas viagens pelo país, o presidente também tem culpado os governadores pelo desemprego alto, atribuindo à política do “fique em casa”, de distanciamento social, a responsabilidade pelas perdas no mercado de trabalho.
Experiências internacionais, no entanto, apontam que a recuperação avançou mais rapidamente em países onde o governo atuou desde o início na compra de vacinas e no combate à pandemia.
Schwartsman acrescenta que a taxa de participação na força de trabalho (a chamada oferta de trabalho, conta que inclui quem está ocupado ou procura emprego) estava na casa dos 57% nos trimestres encerrados em abril e maio, ainda de acordo com o IBGE. Só que antes da crise a relação era de 61,5%, em média.
“A previsão de volta ao desemprego de antes depende que essa relação se mantenha perto do patamar atual; se ela subir e mais gente entrar no mercado de trabalho, a volta ao patamar pré-Covid fica mais distante, pelo menos para um crescimento do PIB na casa de 2%”, diz o ex-diretor do BC.
No trimestre móvel de março a maio, 101,5 milhões estavam na força de trabalho, aumento de 1,2 milhão de pessoas ante o trimestre móvel anterior.
Foi por pouco que Sérgio Batista Silva, 52, não fugiu das estatísticas de desemprego. Desempregado desde maio, o vigia acordou cedo, tomou um café da manhã modesto e saiu de casa antes do amanhecer.
Quando chegou na porta da empresa, onde estavam oferecendo vagas para segurança, já não tinham mais senhas para entrevistas de emprego. “Descobri que tinha gente na fila desde o dia anterior. As 50 senhas não deram nem para metade da fila”.
Ele agora conta com o bilhete para viagens gratuitas, que o Metrô de São Paulo oferece para desempregados, para poder continuar saindo em busca de um novo emprego. “Tenho uma filha e um neto. Topo tudo, menos desistir”.
De acordo com o economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), a taxa de desemprego, mesmo com a recuperação do nível de ocupação ocorrendo desde o final do ano passado, deve se manter pressionada pela taxa de participação em alta.
O economista da IDados Bruno Ottoni concorda que a busca dos brasileiros por um emprego ainda deve ser longa. Apesar de o país mostrar sinais de recuperação, o mercado de trabalho ainda demora a reagir com força.
Ele também estima que, caso o país cresça na casa de 5% este ano e mais de 2% no ano que vem, deve levar até 2023 para que o mercado volte ao patamar de antes da crise sanitária.
Para Ottoni e Tiago Cabral, também da IDados, a taxa de participação deve seguir em alta nos próximos meses, no contexto da retomada do setor de serviços e de redução das incertezas com a pandemia.
Os cálculos da consultoria apontam que o desemprego médio esperado para este ano é de 14,3%, superior ao observado em 2020 (13,5%).
Para 2022, a expectativa é de uma desocupação ainda alta, atingindo 11,8% no quarto trimestre —acima dos 11% registrados antes da pandemia, no quarto trimestre de 2019.
Dessa forma, as quedas mais acentuadas do desemprego, para níveis pré-pandemia, vão depender de um ritmo mais consistente de retomada de atividade econômica, reforçam os analistas.
Isso, no entanto, acontece em um contexto de alta da inflação, que obriga o Banco Central a subir os juros básicos —hoje em 5,25% ao ano e que devem chegar a 7,5% até o fim de 2021. Ao deprimir a atividade econômica, a alta de juros também impacta na recuperação do mercado de trabalho.
“A gente não sabe como vai ser o dia de amanhã. A única certeza é que alguns setores não vão voltar ao que já foram”, diz o especialista em petróleo Edson Pimentel, 46. Há duas décadas ligado a um setor que foi um dos mais afetados na recessão de 2015 e 2016, ele passou por todas as turbulências do mercado de trabalho dos últimos anos.
“Quando saí da faculdade, há 20 anos, recebi quatro ofertas de emprego. O trabalho me permitiu morar nos Estados Unidos, na Argentina e no Nordeste, parecia que tudo ia ficar bem”, conta. Até que veio a primeira crise, há cinco anos, que fez ele perder a função e virar motorista de Uber.
Com o diploma de engenharia na gaveta, Pimentel chegou a ser gerente em uma rede de supermercados e agora usa as economias e os investimentos que fez para montar uma consultoria na área de petróleo, com a esperança de que as coisas melhorem.
“É aquela ‘esperança de classe média’, que acredita no país, ao mesmo tempo que não descarta pegar os filhos e ir morar no exterior. Sinto que tudo que estudei nesses anos está sendo jogado fora”.
“A pandemia ressaltou as anomalias do mercado de trabalho. Diversos levantamentos já mostraram que ela acentua as desigualdades pré-existentes, que não eram pequenas”, diz Ottoni. “Infelizmente, sairemos dessa ainda mais desiguais.”
Um outro estudo, também conduzido pela IDados e baseado na Pnad Contínua, mostra que as maiores perdas do mercado de trabalho se deram entre os mais pobres. Para as faixas com rendimentos mensais entre R$ 548,23 e R$ 1.176,26, a queda na ocupação foi de 14%, entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período deste ano.
Com o avanço da vacinação e a reabertura gradual do setor de serviços, há uma expectativa de volta das vagas de menor remuneração, sobretudo informais.
“Resta saber, no entanto, se a variante delta vai prolongar as medidas de distanciamento social e se as empresas se sentirão seguras para reabrir vagas formais mais rapidamente”, diz Ottoni.
O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), por exemplo, apontou em julho a abertura de 316,5 mil postos formais e a tendência é de novas altas na série sem ajuste sazonal, apesar do pessimismo em relação ao crescimento do país no ano que vem.
No mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou a metodologia da Pnad Contínua, disse que o IBGE ainda está “na idade da pedra lascada” e defendeu os dados do Caged.
O Caged, no entanto, retrata somente o mercado formal. Já o IBGE, por meio da Pnad Contínua, abrange outras modalidades de ocupação, como informal, por conta própria e doméstico, além de empregadores.
Douglas Gavras/Folhapress
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