Em aceno a conservadores e forças de segurança, Moraes trava pauta social no STF
Foto: Dida Sampaio/Arquivo/Estadão Conteúdo |
Recentemente, Moraes interrompeu o julgamento de três dos principais temas em curso na corte com viés social.
O ministro pediu vista —mais tempo para análise— nas ações relativas à letalidade policial no Rio de Janeiro e nas que tratam de decretos de flexibilização do porte e posse de armas editados pelo presidente Jair Bolsonaro.
Moraes também foi o responsável por interromper o julgamento virtual sobre demarcação de terras indígenas para enviá-lo ao plenário físico.
Além disso, o ministro suspendeu a análise do processo sobre a tese que ficou conhecida como revisão da vida toda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que, de um lado, pode impor prejuízo aos cofres públicos, mas, de outro, representa ganho de vencimentos para milhões de aposentados.
Procurado, Moraes não quis se manifestar sobre os pedidos de vista.
Em alguns casos, as solicitações do ministro para analisar processos por mais tempo têm postergado a decisão do Supremo e, em outros, também têm evitado eventual imposição de derrota a policiais e ao governo Bolsonaro.
Em relação à questão bélica, por exemplo, o fato de Moraes ter interrompido o julgamento garantiu que normas editadas pelo chefe do Executivo para flexibilizar a circulação de armas no país tivessem a vigência estendida até que o Supremo dê a palavra final sobre o tema.
Os Institutos Sou da Paz e Igarapé, que atuam na área, cobraram do ministro a retomada do julgamento.
“O Supremo ainda deve analisar diversos pontos que seguem em vigor e, para tanto, é preciso que Moraes apresente prontamente seus votos, liberando os processos para que os outros ministros pacifiquem a questão e ajam para proteger a vida de todas e todos”, disseram por meio de nota conjunta.
O STF já suspendeu, por decisões individuais dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, diversos decretos do presidente nesta área.
As entidades afirmam, porém, que as decisões monocráticas resolveram apenas questões mais urgentes e que o julgamento colegiado pode ampliar o veto às normas de Bolsonaro.
“Apesar da importante decisão da ministra [Rosa Weber] e de um sentimento disseminado de que o Supremo colocou um freio à sanha armamentista do governo, ainda há muitos dispositivos nas dezenas de normas publicadas que contradizem a lei e colocam toda a sociedade em risco”, disseram.
Além disso, uma das normas mais abrangentes assinadas por Bolsonaro não foi suspensa e segue em vigor.
Trata-se do decreto que definiu a presunção de veracidade da declaração pessoal de efetiva necessidade para obter a posse de arma. Antes, o cidadão precisava comprovar à Polícia Federal a existência de efetiva necessidade para ter um revólver ou de outro armamento.
As pessoas tinham de provar, por exemplo, que moravam em uma área afastada, distante de delegacia, ou que as circunstâncias da sua profissão exigiam um aumento da proteção pessoal, como em caso de advogados que se indispõem com clientes considerados perigosos.
A polícia, então, verificava se a pessoa cumpria de fato os requisitos antes de conceder a posse. Agora, a polícia que tem de comprovar que a pessoa não precisa ter a posse da arma.
Em 22 de março, o Supremo começou a julgar uma ação do PSB contra o decreto. Fachin, relator do caso, votou para derrubar a norma. A ministra Rosa Weber, então, pediu vista e liberou o processo para retomada em abril.
Quando a análise do caso foi retomada, no dia 16 daquele mês, Rosa se alinhou a Fachin para vetar a vigência da norma. Moraes, então, interrompeu a análise do tema novamente e, até hoje, não o liberou.
Esse não é o caso, por exemplo, da ação em que Fachin sustou os efeitos do decreto que zerava a alíquota de importação de armas de fogo. Moraes também pediu vista e interrompeu esse julgamento, mas permanece em vigor a decisão de Fachin enquanto o plenário não finaliza o julgamento.
Na questão da letalidade policial do Rio de Janeiro, o julgamento também está travado por causa de Moraes.
Em duas oportunidades, no entanto, Fachin, que é relator, já passou por cima do colega para garantir vigência imediata de ordens judiciais que considerou necessárias. Geralmente, quando há pedido de vista, os ministros aguardam a devolução do processo para julgamento pelo colega para tomar decisões.
Nessas duas situações, porém, Fachin avaliou que não era possível aguardar a liberação do caso.
Primeiro, na análise preliminar do caso, em abril do ano passado, o STF iniciou o julgamento virtual que pedia o veto a operações nas favelas e a adoção de uma série de outras medidas para reduzir a violência policial no Rio de Janeiro, entre elas a vedação ao uso de helicópteros nas ações policiais.
Fachin votou para impor uma série de restrições às forças policiais fluminense e para determinar que as operações só poderiam ser realizadas em situações excepcionais, mas o julgamento foi interrompido por Moraes.
Menos de dois meses depois, o relator proibiu a realização de operações em favelas.
Depois, em maio deste ano, o STF se debruçou logo após a ação policial no Jacarezinho que deixou 28 mortos para definir qual o alcance da excepcionalidade imposta às operações.
Moraes, no entanto, pediu vista. E Fachin, em julho, novamente ignorou o colega e determinou ao MPF (Ministério Público Federal) que instaure uma investigação perante a Justiça Federal para apurar se a Polícia Civil descumpriu a ordem do Supremo na ação mais letal da história da capital fluminense.
Essa previsão já estava em seu voto, mas não havia sido implementada por causa do pedido de vista. O julgamento do mérito da ação, porém, em que é discutido com mais profundidade as medidas a serem adotadas, ainda depende da liberação de Moraes.
O caso do debate sobre a demarcação de terras indígenas, entretanto, é diferente.
O ministro não pediu vista, apenas destacou o processo, em junho, por considerar importante que ele fosse analisado no plenário físico, e não no virtual.
O julgamento está marcado para 25 de agosto. Será analisado um processo com repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão a ser tomada deverá ser aplicada em todos os processos sobre o tema pelas demais instâncias do Judiciário.
Em resumo, o tribunal discutirá se o reconhecimento de uma área como território indígena depende de demarcação ou se deve ser usada a teoria do marco temporal para que a terra seja considerada dos indígenas por direito.
Matheus Teixeira/Folhapress
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