Governo discute dar aumento no Bolsa Família para quem conseguir emprego
Foto: Arquivo Agência Brasil |
Integrantes do governo defendem que os beneficiários do Bolsa Família —ou do programa social que vier a substituí-lo— recebam um bônus caso consigam trabalho formal.
O argumento é que a medida estimularia a busca por emprego formal, pois, na prática, a família teria um aumento duplo na renda: o salário pago pela empresa e também o bônus transferido pelo programa do governo.
O nome do Bolsa Família deve ser alterado para Auxílio Brasil.
O benefício assistencial, inclusive com o bônus, deve ter um prazo para ser encerrado após a carteira de trabalho ter sido assinada. Esse período e o valor adicional ainda estão em discussão, pois dependem de Orçamento federal. O governo avalia conceder um bônus de R$ 200.
Uma família cadastrada no Bolsa Família recebe hoje R$ 190 por mês, valor bem inferior ao salário mínimo em 2021, de R$ 1.100 por mês, que geralmente é usado como piso para trabalhadores com carteira assinada.
Apesar de haver vantagem financeira em buscar trabalho formal, membros dos Ministérios da Cidadania e da Economia avaliam que beneficiários do Bolsa Família rejeitam a formalização do vínculo porque deixariam de receber a renda do programa social.
Esse argumento e a proposta como um todo geram debates entre especialistas de política pública na área social.
Para um grupo, a medida geraria distorções dentro do programa, pois o gasto seria menor com quem está em situação mais vulnerável.
Professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Débora Freire diz que a ideia de premiar quem conseguir carteira assinada surge de uma visão ultrapassada de que beneficiários de assistência social não querem procurar emprego.
“Estudos mostram que esse chamado efeito preguiça não aconteceu no Brasil. O Bolsa Família não foi responsável por uma redução na força de trabalho”, afirma Freire.
Para ela, o governo deveria voltar os esforços para estimular a criação de vagas, por meio, por exemplo, de investimento público, e também criar programas de qualificação profissional.
O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, diz que a medida de estímulo ao emprego formal pode ser relevante, apesar da baixa evidência do efeito preguiça no programa.
No entanto, ele lembra que o Bolsa Família está em municípios pobres do país e há dúvidas sobre o comportamento do mercado formal de trabalho nessas regiões.
“O Brasil é um país muito diverso e desigual. O programa é bem focalizado nos mais pobres. Tem de ver se há demanda por trabalhadores lá”, afirma Neri.
Integrantes dos Ministérios da Cidadania e da Economia dizem que há um desestímulo para as pessoas deixarem o Bolsa Família no formato atual, pois, se perderem o contrato de trabalho, elas têm dificuldade para regressar ao programa. Nesse caso, essas famílias teriam de voltar para a fila de espera.
Do governo Michel Temer (MDB) até meados de 2019, a fila de espera no programa ficou zerada. Mas agora, como há menos recursos para o programa do que a demanda, a fila voltou.
Na proposta de reformulação do Bolsa Família, o governo estuda também acesso mais rápido para quem deixou o programa depois de ter conseguido um emprego e, após o encerramento do contrato, voltar à situação de vulnerabilidade.
Maurício Bugarin, professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), que já fez um estudo sobre a qualidade do gasto público no Bolsa Família, afirma que as propostas pensadas pelo governo estão na direção correta, pois estimulam a procura por vagas de emprego.
“O bônus viria em um momento de reaquecimento da economia. Se o benefício for sendo retirado aos poucos, isso é, para mim, um bom incentivo para quem está no programa”, diz.
Para entrar no Bolsa Família, há o critério de renda mensal da família, que não é atualizado desde 2018.
Para ser considerada em situação de extrema pobreza, a renda tem de ser de até R$ 89 por membro da família. Rendimentos entre R$ 89,01 e R$ 178 são classificados como situação de pobreza. É possível acessar o programa mesmo sem filhos.
No novo programa social, que está em análise pelo governo, a ideia é elevar essas faixas para cerca de R$ 100, no caso de extrema pobreza, e aproximadamente R$ 200 para o critério de pobreza. A proposta é reajustar em valor próximo da inflação do período.
O desenho final do programa ainda está em elaboração. A intenção é aumentar o benefício médio por família dos atuais R$ 190 mensais para R$ 300 ou mais. A equipe econômica trabalha com um valor próximo de R$ 300, mas há pressão por um patamar mais elevado.
Inicialmente, técnicos da Cidadania calcularam em R$ 250 o benefício, mas fizeram um desenho de R$ 300 a pedido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O número de beneficiários também deve aumentar, passando de 14,7 milhões de famílias para aproximadamente 17 milhões.
Com essas medidas, o custo do programa tende a subir para mais de R$ 55 bilhões por ano —isso depende do valor a ser transferido por família. No Orçamento de 2021, a verba para o Bolsa Família é de R$ 34,9 bilhões.
O governo quer unificar programas sociais no novo Bolsa Família, que deve ser renomeado. Bolsonaro busca uma digital na área social e tenta substituir a marca que atualmente é vinculada à gestão petista.
Aliados do presidente contam com essa medida para conter a perda de popularidade de Bolsonaro, que quer concorrer à reeleição em 2022. Mas o novo programa precisa entrar em vigor até o fim deste ano, já que a legislação impede esse tipo de ação em ano eleitoral.
Entre os programas a serem fundidos está o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). A ideia é comprar mais de produtores familiares inscritos no Cadastro Único (base de dados de programas sociais) e repassar esses alimentos à população de baixa renda.
O Ministério da Cidadania pretende enviar ao Congresso uma MP (medida provisória) com as bases do novo programa social. Uma MP passa a ter efeito imediato, mas precisa do aval do Congresso em 120 dias para não perder a validade.
Bolsonaro e ministros tentam colocar em funcionamento o novo Bolsa Família a partir de novembro, ou seja, logo após o fim da última parcela do auxílio emergencial.
O governo enfrenta dificuldade para encontrar espaço no Orçamento de 2022. Por isso, deve propor ao Congresso um projeto para adiar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça —chamadas de precatórios— e usar os recursos para elevar o valor do Bolsa Família.
A proposta também deve criar um fundo que poderá ser usado para pagamento de precatórios parcelados e também para beneficiários do programa social quando forem receber um bônus (valor variável do benefício).
Julia Chaib e Thiago Resende/Folhapress
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente esta matéria.