Não vacinados são 99% dos mortos por Covid nos EUA, e muitos se arrependem tarde demais
Foto: Mike Blake/Reuters |
“Estou recebendo pessoas jovens e saudáveis no hospital com infecções muito graves por Covid. Uma das últimas coisas que eles fazem antes de serem intubados é implorar pela vacina. Eu seguro as mãos deles e digo que sinto muito, mas é tarde demais.”
O relato é de Brytney Cobia, médica no estado americano do Alabama, que escreveu um post em suas redes sociais contando como tem sido seu dia a dia na “pandemia dos não vacinados” —como tem sido chamada a atual fase nos EUA, na qual há vacinas suficientes para todos, mas muita gente rejeita o imunizante.
Cobia segue contando que, após a morte do paciente, diz a seus familiares que a melhor forma de honrarem a pessoa amada é irem se vacinar e encorajarem outros conhecidos a fazerem o mesmo.
“Eles choram. E dizem que não sabiam. Eles achavam que era um hoax. Eles achavam que era político. Achavam que era ‘apenas uma gripe’. Eles gostariam de poder voltar atrás. Mas não podem. Então me agradecem e vão se vacinar. E eu volto ao consultório, faço a notificação da morte e faço uma oração para que essa perda salve mais vidas.”
No Alabama, 94% dos internados e 96% dos mortos por Covid são pacientes que não se vacinaram, segundo dados da associação de hospitais e da secretaria de saúde do estado.
Nos Estados Unidos como um todo, mais de 99% das mortes pelo coronavírus atualmente são de não vacinados, informou o conselheiro da Casa Branca para a crise sanitária, Anthony Fauci, em julho. Entre os hospitalizados, eles são 97%, disse também no mês passado Rochelle Walensky, diretora do CDC (Centro de Controle de Doenças) do governo americano.
Alguns desses pacientes se recusam até a acreditar que têm Covid-19, mesmo com os resultados dos exames e a confirmação dos médicos, contou um pneumologista intensivista ao New York Times. Mas outros se arrependem de não terem tomado a vacina e, depois que se curam, dão seu depoimento nas redes sociais, em programas de TV ou em campanhas de saúde para convencer outras pessoas céticas.
“Se eu soubesse o que sei agora, definitivamente teria me vacinado”, disse o trabalhador da indústria Joshua Garza, morador do Texas, à emissora de TV ABC. Aos 43 anos, ele teve que passar por um raro transplante duplo de pulmão, após os seus pararem de funcionar depois da infecção pelo coronavírus.
Ele foi internado em fevereiro e, em abril, recebeu o transplante. Foram várias semanas de recuperação e ele ainda está se reabilitando. “Teria sido muito mais fácil tomar a vacina do que passar pelo que ele está passando”, disse seu médico, na entrevista.
Garza diz esperar que sua história inspire outras pessoas. “Quando eles te dizem que seus pulmões estão falhando, você vai dormir sem saber se vai acordar no outro dia ou não.”
Outro que foi à imprensa dar seu testemunho sobre o risco de não se vacinar é o enfermeiro Aaron Hartle, 45, de Utah. Mesmo tendo tratado pacientes graves com Covid em sua clínica —um deles morreu—, ele preferiu não se vacinar quando chegou sua vez, já em dezembro do ano passado, pois entrou no grupo dos profissionais de saúde.
Além de acreditar que havia pouca informação sobre os imunizantes, ele se achava saudável demais para sucumbir ao vírus. Em junho, porém, Hartle acabou na emergência hospitalar e foi internado por uma semana com Covid.
Mesmo após ter alta, o enfermeiro, que era triatleta antes de contrair a doença, continua em recuperação e se cansa facilmente até ao falar. “Tudo bem ter um pouco de dúvida e ficar um pouco preocupado [com a vacina]. Mesmo que você pense, como eu, que não ficará muito doente, pode acontecer. [O vírus] está aí fora e pode ser prevenido. Só é preciso um pouco de coragem para encarar [a vacinação]”, disse a um dos jornais de Utah.
Também avesso à vacina, Russel Taylor, 42, contou o que o fez mudar de ideia. “Eu era um desses americanos céticos, que não sabiam em quem confiar”, diz, sentado em uma cadeira de hospital, em um vídeo chamado “Por que eu vou ser vacinado”. “Minha sobrinha trabalha aqui. Ela ia para casa e contava [dos pacientes com a doença]. Mas a ficha não cai de fato porque não é você. Quando é com você, é completamente diferente.”
Diagnosticado com dupla pneumonia devido à Covid, Taylor para de falar em vários momentos para tomar ar em um aparelho. Diz que a experiência foi o mais perto da morte que ele já chegou e que, assim que tiver alta, quer se vacinar e que toda a sua família faça o mesmo. O vídeo é uma campanha da rede de hospitais onde ele está internado há três semanas.
Alguns pacientes, porém, não têm essa segunda chance. Em Las Vegas, um homem de 39 anos, pai de cinco filhos, enviou uma mensagem de texto à companheira enquanto estava na cama do hospital. “Ai, meu Deus. Isto é terrível. Eu deveria ter tomado a maldita vacina.”
Jessica du Preez mostrou a mensagem do noivo, Michael Freedy, durante uma entrevista a uma rede de TV local. Ela contou que os dois preferiram esperar cerca de um ano para acompanhar os efeitos da vacina em longo prazo.
Em uma campanha de financiamento coletivo online, na qual pedia ajuda para pagar as contas por não conseguir manter a casa sozinha enquanto ele estava hospitalizado, Jessica relatou em detalhes o que aconteceu com Mike.
A família viajou de férias para San Diego e, na volta, ele achou que os sintomas que tinha eram resultado de uma insolação. Quando ele começou a “ficar fora de si de tanta dor que sentia e de tão assustado que estava”, sem conseguir respirar nem ficar em pé, eles começaram uma peregrinação por emergências de hospital, até que descobriram uma pneumonia dupla.
Durante sua internação, Mike não conseguia dormir nem comer e acabou sendo transferido para um hospital mais equipado. Sem poder visitá-lo, Jessica —que fez o teste de Covid, com resultado negativo— relata a angústia de mandar mensagens para ele e não obter resposta. “Ninguém nos dá nenhuma boa notícia”, escreveu ela.
Na última vez em que se falaram, ela diz que implorou para que ele lutasse pela vida. “Ele disse que estava lutando e que me ama, eu disse que o amo e pedi por favor, por favor, lute e volte para casa comigo.”
Após alguns dias, Jessica colocou um adendo no fim do relato: “O amor da minha vida, minha rocha, meu tudo, o pai dos meus bebês não está mais conosco. Eu não sei o que fazer.”
Flávio Mantovani / Folha de São Paulo
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