Ato bolsonarista em Roraima tem banda com PMs e financiamento de arrozeiros contra terra indígena
Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress |
De lá, apoiadores do presidente saíram em carreata pedindo impeachment de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e voto impresso. Roraima é um bastião bolsonarista —em 2018, Bolsonaro venceu no estado com 71,5% dos votos no segundo turno, e 78% em Boa Vista.
O ato teve participação da banda cívica, composta por policiais militares à paisana. “Vamos ter a banda cívica, formada por militares que hoje estão como civis representando um segmento do qual temos muito orgulho”, disse a apresentadora do evento, Jane Lopes da Costa, da Marcha da Família. Ela se recusou a falar com a Folha.
Segundo estimativa da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, 10 mil pessoas participaram do ato. O protesto da oposição, realizado em local próximo, reuniu cerca de 300 pessoas.
Bancado pelos produtores de arroz e empresários locais, o ato bolsonarista contou com uma megaestrutura, com telão, palco, banheiros químicos e trio elétrico, e decoração com uma escavadeira usada em garimpo.
Estava prevista programação para o dia todo, das 9h às 21h, e organizadores divulgaram que seria servida 1 tonelada de arroz carreteiro grátis para os participantes da manifestação. Procurada, Izabel Itikawa, presidente do Sindicato dos Beneficiadores de Grãos do Estado de Roraima, afirmou que a manifestação contou com contribuição dos empresários de vários segmentos do estado e que o Sindigrãos doou 1,8 tonelada de arroz para o preparo do carreteiro.
“[Os empresários que ajudaram no ato] Estão todos unidos em favor do nosso país. A união de todos em favor da nossa liberdade”, disse Itikawa. Ela é da família Itikawa, que tinha duas fazendas de arroz nas áreas indígenas da Raposa Serra do Sol.
Após decisão do STF em 2009, os Itikawa e outros arrozeiros tiveram que deixar a área. Bolsonaro já prometeu que iria tentar rever a demarcação das terras, e, durante seu governo, nenhuma terra indígena foi demarcada. O presidente também defende a abertura dessas áreas para o garimpo —o que lhe rende amplo apoio entre os garimpeiros.
Outro organizador do ato foi Alfredo Schmitt-Prym, ex-assessor do ex-vice governador Paulo Cesar Quartiero, também produtor de arroz. Procurado, Alfredo não quis falar com a reportagem, mas ele foi visto na véspera coordenando trabalhos.
Em 2017, Quartiero foi denunciado pelo Ministério Público Federal por suposta prática do crime de tentativa de homicídio, com uso de armas de fogo e de bombas caseiras contra indígenas durante o processo de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em 2008.
No evento, havia inúmeros caminhões da Bebidas Monte Roraima, fabricante de refrigerantes e água. Procurado, um dos donos da empresa, Verlei Verri, não retornou contatos.
O governador Antonio Denarium (sem partido), aliado de Bolsonaro, esteve no ato e tirou muitas fotos com apoiadores, mas não subiu no palco para falar. “Estou aqui para apoiar uma manifestação ordeira e pacífica em prol do presidente Bolsonaro”, disse Denarium à Folha.
Enquanto o governador falava com a reportagem, um dos organizadores do ato, Valdeilson da Silva, conhecido como Deilson Bolsonaro, começou a gritar e hostilizar a repórter, pressionando o governador a não conceder entrevista. Bolsonaro fez vídeo de apoio a Deilson em 2018, quando ele se candidatou a deputado federal, e pediu votos durante uma de suas lives em 2020, quando Deilson se candidatou a vereador.
Os músicos da banda cívica usavam camisetas com os dizeres “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil” e o regente, que afirmou não ser militar, exortou os presentes a “mudar o destino da nossa nação”.
O comandante da banda, que se identificou como Sidney, afirmou que muitos integrantes são da PM. “Poder, não pode participar [do protesto]”, disse. O comandante da PM de Roraima, coronel Francisco Xavier, afirmou que não se trata da banda oficial da PM.
“Segundo nosso regulamento estadual, à paisana os PMs podem participar de qualquer manifestação, seja de direita ou de esquerda”, disse à Folha.
Apoiadores erguiam faixas com os dizeres “PT nunca mais” e gritavam “Nossa bandeira jamais será vermelha” e “Supremo é o povo”.
O evento foi aberto pelo pastor Isamar Ramalho, presidente das Assembleias de Deus em Roraima, que rezou uma ave Maria com os presentes. Isamar se candidatou à Prefeitura de Boa Vista pelo Podemos no ano passado. “Deus levantou um grande homem, Jair Bolsonaro, e o estabeleceu como presidente”, disse.
“É muito sério o que está acontecendo no Brasil, não respeitam nossa liberdade e a esquerda e o STF não deixam o presidente governar. Por isso queremos tirar o STF e ter voto impresso”, disse Clea Nunes, 67, professora aposentada. “A recessão tá no mundo todo, não é culpa do presidente.”
Seu irmão, Edmundo Nunes, 59, concordou. “Vamos acabar perdendo o estado para os venezuelanos se a esquerda ganhar”, disse o servidor público aposentado.
A rede de lojas de material de construção Brasferro esperava que 350 de seus cerca de 500 funcionários participassem do ato, segundo informou um gerente. A empresa montou na praça uma mesa com vários tipos de comida e bebida gratuita para os empregados.
Em informativo que circulou pelo WhatsApp, os organizadores listavam como pautas as liberdades individuais, o voto impresso e o impeachment dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Também orientavam sobre o uso de hashtags que deveriam ser usadas nas redes sociais e faixas para o ato, inclusive em inglês e espanhol: #SUPREMOÉOPOVO, A NOSSA LIBERDADE É INEGOCIÁVEL, CONTAGEM PÚBLICA DOS VOTOS, JÁ!, BRAZIL WILL NEVER BE COMUNIST (sic) AGAIN, WE LOVE OUR PRESIDENT BOLSONARO, The Supreme court will not run our country, La corte suprema de justicia está quitando nuestras libertades.
Patrícia Campos Mello, Folhapress/Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress
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