Fusão entre DEM e PSL é estimulada por receio de fracasso nas urnas e busca por peso político

Foto: Michel Jesus/Arquivo/Câmara dos Deputados

Com a perda de filiados de destaque em 2021 e com as perspectiva de que não haverá a volta das coligações partidárias, a cúpula do DEM decidiu negociar um “corpo que pudesse carregar seu conteúdo”, como afirmaram caciques da legenda à Folha reservadamente.

De um lado, o PSL, com 53 parlamentares na Câmara, deverá ter um dos maiores tempos de televisão em 2022, além de ter um robusto fundo eleitoral e partidário.

Do outro, o DEM, um partido que já teve momentos áureos no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas que hoje, com uma bancada de 28 deputados, não tem a importância que já teve um dia.

​A fusão de ambas as siglas (com a incorporação do DEM ao PSL), na avaliação de dirigentes do DEM, além de uma questão de sobrevivência devido a mudanças nas regras eleitorais, tem por objetivo garantir a relevância dos dois partidos após as eleições de 2022.

Isso porque o PSL foi nanico por cerca de 25 anos, desde a sua fundação, em 1994, até 2018, quando abrigou a surpreendente eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República.

A onda bolsonarista fez o partido eleger a segunda maior bancada da Câmara e, com isso, ter a segunda maior fatia da verba pública partidária e eleitoral a partir de 2019.

Porém, sem Bolsonaro, que rompeu com a sigla ainda em 2019, o PSL dificilmente terá desempenho perto do que conseguiu em 2018, mesmo com os cofres de campanha cheios.

As eleições municipais de 2020 foram uma prévia. O partido elegeu 90 prefeitos, nenhum deles em grandes cidades.

Já o DEM está longe dos áureos tempos dos anos 1980 e 1990, quando sob o nome de PFL (Partido da Frente Liberal) chegou a ter a maior bancada da Câmara e a presidir as duas Casas do Congresso, além de ter a vice-presidência da República.

Com a chegada do PT ao poder, o partido trilhou o caminho da oposição e acabou entrando em declínio. Em 2007, na tentativa de se renovar, trocou o comando e mudou o nome para DEM. Em 2014, chegou ao fundo do poço, tendo eleito apenas 21 deputados federais.

O partido ganhou um novo fôlego após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, e com a eleição de Rodrigo Maia (RJ) para a presidência da Câmara. Em 2019, venceu também o Senado, com Davi Alcolumbre (AP).

A sucessão de Maia, em 2021, porém, levou a um racha no partido. Seu candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), acabou derrotado por Arthur Lira (PP). Maia se disse traído por ACM Neto (atual presidente da legenda) nessa disputa, fez duras críticas e acabou expulso da sigla que presidiu de 2007 a 2011.

“Depois do erro de posicionamento do partido na eleição da Câmara, não sobrou outra alternativa. Ou acaba incorporado ao PSL ou vai acabar pela falta de clareza política”, disse Maia.

Além de perder o ex-presidente da Câmara, a sigla também viu a saída de Rodrigo Garcia (PSDB), vice-governador de São Paulo, e ainda teme que Rodrigo Pacheco (DEM-MG) deixe a legenda e vá para o PSD, pelo qual tem sido assediado.

Com a criação do novo partido, haverá tentativa de segurar Pacheco, cotado como pré-candidato à Presidência.

Dirigentes do DEM que articulam a fusão afirmam que o casamento será certeiro porque o partido tem o conteúdo, e o PSL, a embalagem.

A estimativa de integrantes da cúpula do PSL é que, sem a fusão, a sigla deverá ter de cerca de um minuto de propaganda partidária nacional do ano que vem. Com a junção, esse número poderia subir para um minuto e quarenta segundos.

Com relação ao fundo eleitoral, o PSL deverá ter cerca de R$ 210 milhões para investir em campanhas em 2022, e o DEM, R$ 130 milhões.

Na largada, o partido terá quatro governadores: Ronaldo Caiado (Goiás) e Mauro Mendes (Mato Grosso), hoje no DEM, Mauro Carlesse (Tocantins) e Coronel Marcos Rocha (Rondônia), do PSL.

Já as bancadas na Câmara e no Senado serão inicialmente as maiores, com 81 deputados e 8 senadores, mas, como há divisões em ambos os partidos, a expectativa é que haja desfiliações no ano que vem.

O presidente do DEM, ACM Neto, avalia que os partidos comungam das mesmas ideologias.

“Existem evidentemente muitas convergências que nos colocam sentados na mesma mesa. Se teremos ou não fusão dependerá das conversas em curso e uma aprovação majoritária e colegiada de cada partido”, disse Neto à Folha.

As siglas estão trabalhando no estatuto do novo partido, que já está na terceira versão.

Um dos acordos da fusão é que a nova legenda não se juntará ao palanque de Bolsonaro. A ideia é ter candidato próprio em 2022. Além de Pacheco, são citados os nomes do apresentador José Luiz Datena (PSL) e do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM).

O novo partido será presidido pelo atual presidente do PSL, o deputado federal Luciano Bivar (PE). O presidente do DEM, ACM Neto, será secretário-geral.

Para concretizar a fusão, faltam ainda ajustes em quatro estados. O ex-ministro da Educação no governo Temer (MDB), Mendonça Filho, um dos principais quadros do DEM, avalia que a fusão ocorre da necessidade de as siglas se adaptarem às mudanças nas regras eleitorais.

“É uma novidade complexa, mas não posso querer eternizar uma situação que está mudando de forma estrutural e fortemente. O poder, entre aspas, é legitimado se for pelo respaldo da urna, do eleitor. E acredito que o partido tem que ser plural, democrático. Não pode ser e não será um partido cartorial. Isso é um pré-requisito posto nas tratativas do [ACM] Neto”, afirmou Mendonça. ​

O ex-ministro, que tem forte influência na estrutura do partido em Pernambuco, deverá presidir o diretório da nova sigla no Recife. Bivar comandará a estrutura estadual da legenda.

Há temor de integrantes do DEM de que o PSL queira se sobrepor ao partido e determinar os rumos dos diretórios estaduais de maneira unilateral. Isso porque o PSL é conhecido por ser “autocrático”, partido de uma pessoa só, que, nesse caso, é Bivar.

Mendonça Filho, porém, avalia que as tratativas regionais estão sendo feitas com muita conversa e que essa será a tônica do novo partido, se vier a ser criado.

“Não temo perder. Nunca tive apego a isso. Sempre fui um idealista e nunca me comportei como dono de partido, nem me sinto dono de partido. Eu confio no meu taco, na minha capacidade politica. Desde que as regras sejam claras, republicanas e democráticas, não tenho nenhuma dificuldade de conviver.”

“É um partido que vai ter que ter muita respiração, debate, conversa e, às vezes, disputas eleitorais”, continuou Mendonça.

O deputado Juscelino Filho (DEM-MA), que também negocia a estrutura da futura sigla no estado, diz que o DEM terá grande participação no diretório nacional e representação nos estados. “Estamos antecipando uma situação pela qual vários partidos vão passar”, afirma..

A Folha procurou outras figuras históricas do partido, como o ex-prefeito do Rio Cesar Maia e o ex-senador Jorge Bornhausen (que deixou o DEM em 2011), mas eles não quiseram se manifestar.

Além de ser um dos principais líderes da criação do PFL, em 1985, Bornhausen liderou a tentativa final de manter Fernando Collor no cargo de presidente, em 1992, e, em 2005, durante o escândalo do mensalão, chegou a se dizer encantado por prever que, em referência ao PT, o Brasil estaria livre “dessa raça pelos próximos 30 anos”.

Lula foi reeleito no ano seguinte. Bornhausen sempre negou que tenha usado o termo “raça” como “designação preconceituosa de etnia”, mas sim, como “camarilha, quadrilha, grupo”.

CRONOLOGIA DO DEM
1980: é criado o PDS, partido que reuniu a maioria dos apoiadores do regime militar. Eles integravam antes a Arena, extinta após o fim do bipartidarismo no Brasil
1985: Após Paulo Maluf levar a melhor na disputa interna para escolha do nome do partido à eleição presidencial indireta, dissidentes deixam o PSD e fundam o PFL, o Partido da Frente Liberal
1994: Partido chega ao auge, elegendo o vice-presidente da República. Assumiria nos anos seguintes o comando da Câmara e do Senado e, em 1998, faria a maior bancada de deputados federais (105 cadeiras)
2002: Tenta alçar o voo máximo da presidência da República com Roseana Sarney (MA), mas a pré-candidatura naufraga após uma operação da Polícia Federal no escritório do marido dela
2007: Com a chegada do PT ao poder, em 2003, o PFL entra em declínio e, em 2007 passa por uma renovação na liderança e troca o nome para DEM
2011: Sofre novo baque, com a saída do então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que leva um pedaço da legenda para a sigla que criou, o PSD
2014: Chega ao ponto mais baixo na Câmara, elegendo apenas 21 deputados
2016: Após o impeachment de Dilma Rousseff, consegue voltar aos holofotes com a eleição de Rodrigo Maia (RJ) para a presidência da Câmara. Em 2019, consegue também a presidência do Senado, com Davi Alcolumbre (AP)
2021: Rodrigo Pacheco (DEM-MG) sucede Alcolumbre na presidência do Senado, mas negocia ingresso no PSD de Kassab. Rompido com a cúpula da legenda, Rodrigo Maia é expulso. DEM negocia fusão com PSL
O QUE ACONTECEU COM ALGUNS DOS PRINCIPAIS NOMES DO PARTIDO
Aureliano Chaves (MG): Vice-presidente de João Figueiredo, foi um dos líderes da fundação do PFL. Tentou a presidência em 1989, mas ficou na 9ª posição. Morreu em 2003, aos 74 anos
Jorge Bornhausen (SC): Um dos principais caciques do PFL, foi ministro, governador de Santa Catarina e senador. Em 2007, no processo de renovação que mudou o nome da sigla para DEM, passou o comando a Rodrigo Maia, se afastando dos holofotes políticos. Em 2010 deixou a legenda no processo que culminou com a saída de Kassab. Tem hoje 83 anos
Marco Maciel (PE): Outro dos líderes fundadores do PFL, foi vice-presidente da República de 1995 a 2002. Após isso, foi senador, mas sofreu uma derrota na tentativa de se reeleger, em 2010. Morreu em junho, aos 80 anos
Antonio Carlos Magalhães (BA): Um dos principais e mais aguerridos caciques políticos do século passado, foi governador, ministro, presidente do Senado e pivô do escândalo da violação do painel de votações da Casa. Morreu em 2007, aos 79 anos
Luís Eduardo Magalhães (BA): Foi presidente da Câmara e era a aposta do pai, ACM, e do PFL, para chegar à Presidência da República. Um infarto fulminante o matou em 1998, porém, aos 43 anos
Roseana Sarney (MA): Governadora do Maranhão chegou a figurar na lista dos favoritos da pré-campanha presidencial de 2002, mas teve a candidatura abatida após a Polícia Federal apreender mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo no escritório da empresa do marido. Em 2006 deixou o PFL após apoiar a candidatura de Lula
José Roberto Arruda (DF): Ex-líder do governo no Senado (então pelo PSDB), renunciou ao mandato no escândalo da violação do painel eletrônico. Já no PFL, foi eleito deputado federal e governador do DF. Em 2010, foi afastado do cargo e preso em decorrência do mensalão do DEM, escândalo de pagamento de propina durante seu governo. Hoje está no PL. A mulher, Flávia Arruda, é ministra do governo Bolsonaro
Cesar Maia (RJ): Pai de Rodrigo Maia, foi prefeito do Rio por três mandatos e hoje é vereador
Rodrigo Maia (RJ): Assumiu a presidência do partido em 2007, quando o PFL passou a se chamar DEM, mas chegou ao auge ao conseguir se eleger presidente da Câmara em 2016, cargo em que permaneceu até janeiro de 2021. Após acusar de traição o atual presidente da sigla, ACM Neto, foi expulso da legenda
Gilberto Kassab (SP): Tendo ingressado no PFL nos anos 90, foi prefeito de São Paulo, mas saiu da sigla em 2011 para fundar o PSD
ACM Neto (BA): Atual presidente do DEM e neto de ACM, foi por duas vezes prefeito de Salvador

Ranier Bragon e Julia Chaib/Folhapress

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