Congresso prevê R$ 3,4 bilhões para emendas ‘cheque em branco’ em 2022
Foto: Dida Sampaio/Estadão/Arquivo |
O Congresso decidiu ignorar alertas de órgãos de controle e deve assinar um “cheque em branco” de R$ 3,4 bilhões em emendas parlamentares para Estados e municípios em 2022, ano de eleições, sem fiscalização federal. O valor é o que está previsto para ser destinado por meio das chamadas transferências especiais e representa um aumento de 70% do total entregue neste ano, quando atingiram quase R$ 2 bilhões.
O mecanismo, criado em 2019, é mais uma forma nebulosa de parlamentares enviarem recursos públicos para suas bases eleitorais sem critérios mínimos de transparência. Por essa modalidade, as emendas são aprovadas no Orçamento da União sem detalhamento de como o recurso será aplicado. Assim, prefeitos e governadores podem gastar livremente onde bem entenderem, sem fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), diferentemente do que acontece com outras modalidades de emendas.
Como mostrou o Estadão/Broadcast em julho, em alguns casos, as verbas foram enviadas para prefeituras comandadas por familiares dos congressistas. Deputados e senadores defendem o formato e alegam agilidade nas transferências, que além de “emenda cheque em branco” têm sido chamadas de “PIX orçamentário”. Especialistas e órgãos de controle, no entanto, veem margem para desvios de dinheiro público.
O deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) foi um dos que aderiram a essa modalidade de emendas para beneficiar municípios da Bahia. “Se o problema da transferência especial é não ter um selo de fiscalização, do outro lado, o fato de exigir muitos selos e controle está levando à ineficiência na execução dos recursos”, disse. “Em todos os casos, exijo do prefeito saber em qual obra ele vai colocar, até para ter o meu ganho político, e quero participar da inauguração.”
No Congresso, a adesão a esse formato de transferência especial tem crescido. Pulou de 145 parlamentares em 2020 para 400 em 2021. Ainda não há um número fechado para 2022, mas a tendência é que seja maior.
Há, no entanto, quem adotou o modelo neste ano e promete não repetir a dose no ano que vem. “É muito sério pegar o dinheiro, botar na mão do prefeito e não saber aonde vai”, afirmou o deputado Zacharias Calil (DEM-GO), que indicou R$ 250 mil para a cidade de Goiás (GO). O combinado foi investir em infraestrutura turística, mas, na transferência especial, o município não é obrigado a cumprir o desejo do parlamentar. Calil disse que acionou o Ministério Público para investigar a aplicação e fará a cobrança ao prefeito. “Tudo que é relacionado a dinheiro fácil, você aumenta a corrupção”, afirmou ele.
Em 2021, 99% das emendas indicadas como transferências especiais foram pagas até o início de outubro, ou seja, praticamente todo o dinheiro já caiu no caixa dos prefeitos e governadores. Enquanto isso, apenas 25% dos repasses enviados por outras modalidades tiveram o pagamento realizado no mesmo período.
Fiscalização
O montante das transferências especiais para o próximo ano foi estimado pelo consultor de orçamento da Câmara Ricardo Volpe e obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast. Segundo o consultor, esse tipo de transferência dificulta a fiscalização, mesmo nos órgãos locais. “A transparência está comprometida porque se perde o controle e a fiscalização pelo TCU, além de dificultar o trabalho de tribunais de contas locais. Em ano eleitoral, é dinheiro direto no caixa de municípios”, disse Volpe.
Assessores do presidente Jair Bolsonaro também admitem o risco. “Muita gente reclama da burocracia que ainda tem, mas imagina que, ainda assim, você tem desvios tendo essa burocracia robusta. Imagina se você entrega dinheiro como doação aos demais entes e sem interação do TCU?”, declarou o secretário especial da Presidência da República, Bruno Grossi, em evento do tribunal na quarta-feira da semana passada.
Em audiência na Câmara no mesmo dia, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, revelou que sua pasta e a Polícia Federal investigam um esquema de “venda de emendas”. Uma das suspeitas é de que parlamentares cobram comissões para indicar recursos a prefeituras.
Além das emendas “cheque em branco”, também estão na mira das autoridades os recursos destinados via emendas de relator (RP9), base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão em maio. Neste outro formato, bilhões de reais foram distribuídos para um grupo de deputados e senadores que determinaram o que fazer com o dinheiro sem qualquer critério técnico ou transparência.
Em agosto, o deputado Vinícius Poit (Novo-SP) enviou uma representação ao TCU pedindo que a corte investigue as emendas “cheque em branco” pagas a 16 governos estaduais e 1.309 prefeituras. “Se não tiver fiscalização e transparência, vai continuar a farra. Vão deitar e rolar. Falta dinheiro para educação e saúde e sobra dinheiro para mandar para emenda parlamentar”, disse Poit.
Para 2022, metade do montante das emendas individuais (R$ 5,2 bilhões) precisa ser necessariamente aplicada em saúde. O restante fica livre para os parlamentares e pode ser colocado no “cheque em branco”. O valor pode crescer ainda mais se o Congresso conseguir abocanhar o modelo para as emendas de bancadas estaduais. A Constituição não permite esse modelo para as bancadas, mas o Legislativo aprovou essa possibilidade na Lei de Diretrizes Orçamentárias . O impasse foi parar no Supremo Tribunal Federal, que ainda não julgou o imbróglio.
Três perguntas para Diogo Ringenberg, procurador de contas do MP de Santa Catarina
Por que as transferências especiais têm crescido?
É um instrumento feito sob medida para captar votos. A possibilidade de controle se tornou muito pequena.
O argumento de menos burocracia se justifica?
É um argumento baseado no absurdo. Não há dúvida de que é preciso aprimorar. Mas o que está acontecendo não é um aprimoramento, é um retrocesso. Se há desvios com burocracia, imagina sem.
Essas emendas podem gerar casos de corrupção?
É evidente que vai acontecer. É a crônica de uma morte anunciada e toda a máquina de controle está em xeque. É um contexto de rebelião possivelmente com o recrudescimento da eficácia dos órgãos de controle que culminou em operações como a Lava Jato. Agora o pêndulo está do outro lado e todo o controle deve ser destruído.
Daniel Weterman e Lorenna Rodrigues, Arquivo
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