Pedido de extradição de Allan dos Santos chega ao governo dos EUA
Foto: Roque de Sá/Arquivo/Agência Senado |
O pedido de extradição do bolsonarista Allan dos Santos já está com o governo americano, que agora terá que decidir o que fazer. A ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, chegou aos Estados Unidos na semana passada.
O influenciador é amigo do presidente da República.
O processo saiu de um departamento do Ministério da Justiça a caminho dos EUA dois dias antes de a decisão de Moraes ser divulgada, em outubro.
A cúpula da pasta e do Palácio do Planalto ficaram sem informações sobre o caso e só souberam que a documentação de extradição havia sido encaminhada para o governo americano na segunda semana de novembro.
O episódio provocou a demissão da chefe desse setor, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional), a delegada Silvia Amélia.
A prisão de Allan dos Santos foi decretada por Moraes no âmbito da investigação que apura a existência de uma milícia digital voltada a desacreditar a democracia e as instituições. Na mesma decisão, ele pede a extradição do influenciador, que mora nos EUA desde que virou alvo de inquéritos no Supremo.
O despacho foi assinado pelo ministro do STF no dia 5 de outubro e logo encaminhado ao DRCI, o órgão do governo que cuida de extradições. No dia 19 de outubro, quando ainda estava sob sigilo, saiu do setor e foi para o Itamaraty, que em seguida o enviou fisicamente por via diplomática para os EUA.
Apenas dois dias depois, em 21 de outubro, quando essa primeira parte do trâmite já havia sido feita, a decisão de Moraes foi divulgada.
Aliados de Torres negam que Silvia tenha sido exonerada pelo fato de ter dado andamento ao processo e alegam que houve quebra de confiança e traição.
O DRCI responde à Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), comandada por Vicente Santini, próximo de Jair Bolsonaro.
Pessoas ligadas ao ministro e a Santini consideram que ela escondeu informações sensíveis de seus superiores hierárquicos. Na versão de colegas de Silvia, no entanto, o departamento é técnico e não deve se misturar com questões políticas. Eles diziam ver risco de interferência pelo forte interesse do presidente no tema.
No dia 27 de outubro, Torres falava em entrevistas que o caso seria analisado de forma técnica assim que chegasse à pasta.
Nessa altura, no entanto, não dava mais tempo. Os autos não só tinham chegado como já não estavam mais lá há quase dez dias. Ele não tinha sido informado.
Esses aliados de Torres e de Santini dizem que não havia intenção de interferir ou obstruir o andamento, mas que existia interesse de se posicionar politicamente a respeito.
A decisão de Alexandre de Moraes foi considerada excessiva dentro do governo, assim como outras contra bolsonaristas nos inquéritos de relatoria do ministro.
A cúpula do ministério da Justiça tentou ter acesso a documentos do caso e depois apenas a informações básicas, mas não teve sucesso. Silvia recusou esses pedidos.
Diante das negativas, Santini fez um despacho para tentar mudar o fluxo das tramitações, com a justificativa de que poderia fazer isso por ser chefe imediato do DRCI.
Ele solicitou duas alterações: 1) que fosse dele a última palavra sobre extradições ativas [que é o caso do Allan dos Santos, quando o pedido tem origem no próprio país –nas passivas, quando a ordem vem de fora, essa incumbência já é do secretário] e 2) pediu para ter acesso aos documentos colocados no sistema eletrônico interno do DRCI.
O despacho de Santini foi assinado no dia 26 de outubro, quando ainda toda a cúpula do ministério estava sem saber onde estavam os autos.
Mesmo assim, o setor chefiado pela delegada Silvia Amélia continuou rejeitando qualquer possibilidade de dar informações.
A interpretação dos aliados de Santini e Torres é a de que a relação ali já tinha degringolado, que não havia confiança.
Nesse período, a chefe do DRCI estava de férias. O próprio encaminhamento da documentação foi assinado por outro servidor, que permanece na área.
Quando ela voltou, um novo pedido foi feito, para que seu departamento ao menos comunicasse a cúpula da pasta no momento do envio da extradição ao Itamaraty.
Ainda segundo essa versão, Silvia teria se comprometido a checar e depois voltou com a notícia de que o processo já tinha sido enviado havia mais de 15 dias, o que foi considerado traição.
Foi essa a gota d’água, segundo pessoas próximas do ministro e de Santini.
Logo também se criou a desconfiança de que tudo tinha sido feito de maneira combinada com Alexandre de Moraes, para evitar a ciência do governo.
No dia 10 de novembro, a delegada foi exonerada e nenhum substituto foi colocado no lugar, o que chamou ainda mais atenção para o caso.
Colegas de Silvia contam a história de forma semelhante, mas com interpretação oposta. Diversos delegados saíram em defesa dela nos bastidores.
Eles afirmam que o DRCI é um órgão técnico, pelo qual passam dezenas de questões sensíveis, que não deve ficar suscetível a pressões políticas e, por isso, o caso todo tramitou como deveria, sem que houvesse qualquer aviso.
A decisão de Moraes continha expressamente a orientação de que a extradição fosse mantida em sigilo. O ministro a tornou pública no dia 21, mas manteve segredo em relação a seu andamento.
Na interpretação de pessoas próximas à delegada, a preocupação de governistas com o setor só ficou dessa forma por envolver um aliado do Planalto. Havia receio, segundo essa versão, de que o governo tentasse obstruir o processo, atrasando o andamento dele.
Casos de cooperação internacional são tratados por meio das autoridades centrais de cada país, definidas por suas respectivas leis.
No Brasil, a autoridade central é o Ministério da Justiça por força do artigo 26, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil. O DRCI foi designado para tratar das extradições por meio de um decreto presidencial. Uma portaria interna normatiza a questão, esclarecendo como esses casos devem ser tratados e por quem.
O setor é um dos mais sensíveis do governo, reúne informações sigilosas sobre investigações e condenações que dependem de diálogo com outros países.
Durante a Lava Jato, por exemplo, acumulava dados bancários e fiscais do exterior sobre alvos da operação.
Painel/Folhapress
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