Por que Merkel pode ficar 16 anos no poder e Ortega não?, questiona Lula sobre ditador da Nicarágua
Foto: Zanone Fraissat/Arquivo/Folhapress |
Após a reeleição do ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em um pleito de fachada, o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comparou a permanência no poder do latino-americano com a da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que completou 16 anos à frente do país europeu.
“Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que o Felipe González [primeiro-ministro da Espanha entre 1982 e 1996] pode ficar 14 anos no poder? Qual é a lógica?”, questionou o petista em entrevista ao jornal espanhol El País.
Lula respondia à pergunta feita pelas jornalistas sobre a situação na Nicarágua. No início do mês, Ortega, 75, ganhou a eleição em que disputou o quarto mandato consecutivo. Ao lado da mulher, Rosario Murillo, sua vice, ele concorreu com cinco outros candidatos —todos parte do teatro, já que são aliados do governo.
O ex-presidente começou dizendo que “todo político que começa a se achar imprescindível ou insubstituível começa a virar um pequeno ditador”. “Por isso sou favorável à alternância de poder. Eu posso ser contra, mas eu não posso ficar interferindo nas decisões de um povo. Nós temos que defender a autodeterminação dos povos.”
Depois, no entanto, fez a comparação com os líderes europeus. As jornalistas, então, rebateram que os dois permaneceram no poder sem encarcerar opositores —nos meses que antecederam a eleição, o regime de Ortega prendeu sete candidatos de oposição, acusados de lavagem de dinheiro e traição à pátria.
Ao responder, o petista relativizou o regime e lembrou do seu tempo detido. “Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. No Brasil, eu fui preso, eu era considerado Presidente da República eleito e fui preso. Fiquei 580 dias na cadeia para que Bolsonaro fosse eleito”, afirmou. “Eu não sei o que as pessoas fizeram para ser presas. […] Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado.”
A relativização de Lula ao regime de Ortega vai na linha da posição do seu partido, que publicou nota celebrando a reeleição do ditador nicaraguense. No texto assinado por Romenio Pereira, secretário de Relações Internacionais, a legenda classifica o pleito como “uma grande manifestação popular e democrática” e diz que o resultado confirma “o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”.
Outro regime abordado na entrevista foi o de Cuba, que coibiu no último dia 15 manifestações de opositores, ao proibir a realização dos atos e colocar militares nas ruas para garantir que permanecessem vazias. Os protestos dariam sequência aos atos de julho, quando milhares foram às ruas contra a ditadura comunista, motivados pelos cortes de luz, a perseguição a dissidentes e a falta de alimentos e remédios.
O petista defendeu que não apenas na ilha caribenha manifestações são proibidas e que no mundo inteiro a polícia é violenta. “Agora, é muito engraçado porque a gente reclama de uma decisão que evitou protesto em Cuba e a gente não reclama que os cubanos estavam preparados para dar vacina e não tinha seringa, e os americanos não permitiram que entrasse vacina em Cuba.”
O regime cubano alegou, desde o início da crise sanitária, enfrentar dificuldade para adquirir insumos médicos em razão do embargo americano ao país.
As jornalistas rebateram que é possível condenar o bloqueio e pedir a liberdade de opositores. Para Lula, no entanto, o problema da democracia em Cuba não será resolvido “instigando os opositores a criar problema para o governo”, mas sim encerrando o embargo.
Durante a entrevista, o petista, provável candidato à Presidência nas eleições de 2022, também aproveitou para exaltar seus anos no poder e criticar a gestão do rival Jair Bolsonaro, que chamou de mentiroso.
“Quando deixei a Presidência em 2010, o Brasil estava numa situação internacional e numa situação interna de crescimento econômico, de respeitabilidade muito grande”, disse. “O que estamos vendo hoje é que o Brasil está quebrado.”
Lula ressaltou os números de desempregados (13,7 milhões) e de pessoas com fome (que chegou a 19 milhões durante a pandemia).
Para ele, a eleição de Bolsonaro fez parte de um momento de “anomalia na política mundial”. “O eleitor brasileiro votou no Bolsonaro pelas mesmas razões que o americano votou no [Donald] Trump. Foi um momento de desajuste emocional de uma parte da humanidade.”
Disparou ainda contra o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, também virtual candidato à Presidência no próximo ano. “O juiz Moro e procuradores tinham formado uma quadrilha política e econômica para destruir a mim e ao meu partido”, afirmou sobre as investigações da Operação Lava Jato.
Lula está desde a semana passada em viagem pela Europa. Ele foi recebido por líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, e discursou no Parlamento Europeu. Macron é desafeto de Bolsonaro, com quem tem atritos desde 2019.
Folhapress
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