Ação líder em réus da Lava Jato vive conflito sobre divisão de multas

Foto: Reprodução / Google Street View/
Torre Pituba, construída para ser sede da Petrobras em Salvador

A ação com maior quantidade de réus da Lava Jato do Paraná se tornou ponto central nas discussões sobre a “divisão da conta” na reparação aos cofres públicos em processos da operação. O caso, relativo à 56ª fase da Lava Jato, é conhecido como Torre Pituba e teve denúncia aceita em dezembro de 2018. Tem 39 réus, sendo que 14 firmaram colaboração premiada.

Nessas delações, estão previstas multas e ressarcimentos de danos ao erário. Além disso, a Odebrecht e a OAS também firmaram acordos de leniências (espécie de delação de empresas) que prometem esse tipo de compensação. Mas a partilha do pagamento de ao menos R$ 150 milhões como reparação nesse processo tem causado longos debates e acirrado conflitos jurídicos. O valor é uma espécie de piso, já que o dano total é objeto de ação civil.

A ação da Torre Pituba envolve suspeitas de um esquema de pagamento de propina relativo à construção da sede financeira da Petrobras em Salvador. Segundo o Ministério Público Federal, foram cometidas práticas de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, desvio de recursos da Petros (fundo de pensão da estatal) e organização criminosa.

As defesas dos réus que não são delatores querem, caso condenados, descontar do total a ser reparado aos cofres públicos os valores pagos por quem firmou acordo. Para os advogados, esse desconto evitaria dupla cobrança -ou seja, que a soma das reparações imposta pela Justiça supere o dano estimado das irregularidades. Recorrentemente, eles têm usado a metáfora de um bar cujo cliente é cobrado pela mesma conta duas vezes.

A forma de divisão do pagamento, porém, ainda não está definida. O motivo é que não se sabe quanto da reparação financeira prevista nos acordos da Odebrecht e de seus ex-executivos é referente à Torre Pituba. O juiz que é sucessor de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, Luiz Antônio Bonat, concordou em setembro com posicionamento do Ministério Público Federal de que as multas definidas nos acordos da Odebrecht têm valores globais e não dizem respeito a fatos específicos relatados nas colaborações.

Um exemplo hipotético desse entendimento: um ex-executivo da empreiteira que confessou em colaboração premiada ter cometido os crimes “X” e “Y”, pagou uma quantia ao erário para aliviar sua punição. Segundo o informado pelo MPF em autos, não há definição de quanto desse valor ressarcido é referente ao crime X e ao crime Y.

Em sua decisão, Bonat afirma que a “posição final acerca do montante necessário à reparação dos danos e à pena de multa [deve] ser reservada para o julgamento da ação penal, quando será clareado sobre a eventual responsabilidade de cada acusado”. O magistrado ainda informou que a divisão final de valores entre eventuais condenados levará em conta a responsabilização dos colaboradores tanto no caso da Torre Pituba como “nas ações penais a que efetivamente respondem perante este e outros Juízos”.

A situação tem incomodado as defesas de réus que não fizeram acordo de delação e são céticas a respeito do argumento de que o valor é global -atualmente, esses réus têm bens bloqueados para garantir o pagamento das reparações. “Ainda que não individualizado o valor para cada fato nos acordos firmados com o MPF, parte das multas levaram em conta os fatos e, portanto, de alguma forma deverá ser aferido e individualizado de forma proporcional para que não haja dupla cobrança”, disseram em petição as advogadas Carla Domenico e Ana Lúcia Penón, que defendem o ex-presidente da OAS Elmar Varjão Bomfim.

“Estes valores, parece certo, não podem simplesmente ser ignorados e a defesa tem o direito de conhecer as informações detidas apenas pelo MPF.” A demanda também foi feita pelos advogados Danyelle Galvão e Leandro Raca, defensores do ex-marqueteiro do PT Valdemir Garreta. Outras têm reiterado o pedido.

Durante o processo, advogados tentaram descobrir os valores que as empreiteiras propuseram pagar em relação ao caso. Conseguiram informação com a Controladoria-Geral da União que a leniência da OAS previu R$ 102 milhões em relação à Torre Pituba -uma parte por lucros indevidos e outra por pagamentos de propinas.

No dia 8 de novembro, no próprio processo, um delator da Odebrecht, o ex-diretor Paul Altit, informou que havia uma divisão lógica nos pagamentos previstos em seu acordo. “Segundo a própria Procuradoria-Geral da República, (…) esses valores possuem caráter compensatório/reparatório, motivo pelo qual foi requerida a destinação de porcentagens específicas do total recolhido aos lesados pelas condutas descritas nos anexos da colaboração”, disse sua defesa.

“Nessa linha, oportuno mencionar que houve a destinação de 39,56% do valor total para a Petros e 18,52% para a União, tendo em conta o anexo específico do acordo que fundamentou, em conjunto com outros elementos, a presente ação penal.” Procurada, a Novonor (antiga Odebrecht) afirmou que não se manifestará “por serem sigilosos os acordos celebrados com as autoridades”.

“A empresa continua colaborando com a Justiça, honrando compromissos assumidos desde o início da colaboração, entre eles o de atuar sempre com ética, integridade e transparência”, diz a companhia, em nota. Também procurado, o Ministério Público Federal no Paraná afirmou em nota que “todas as manifestações do MPF sobre o requerido já foram anexadas aos autos”.

“Os procuradores da República atualmente responsáveis pelo caso Lava Jato não se manifestarão sobre os atos processuais da extinta força-tarefa”, disse a Procuradoria.
José Marques / Folhapress

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