Autonomia nas estradas ainda é desafio para carro elétrico
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress/Arquivo/Carro elétrico |
Ligar um carro na tomada, encher a bateria e depois sair por aí despreocupadamente deve ser algo tão comum nos próximos anos quanto atualmente é carregar o celular. Hoje, porém, para o motorista ter certeza que não vai ficar no meio do caminho em um veículo elétrico, ele precisa conhecer bem a região onde vai rodar, ter a capacidade de medir com precisão a distância que vai percorrer e calcular qual será seu consumo.
Em resumo, não dá para rodar o Brasil inteiro achando que tem um eletroposto em cada canto. Ainda há “pontos cegos” em diversos trechos –mesmo uma viagem entre as duas maiores cidades do país precisa ser bem planejada. “Entre São Paulo e Rio de Janeiro, a cada 100 km, em média, o motorista tem um local para fazer a recarga”, diz Davi Bertoncello, CEO da Tupinambá Energia e diretor de infraestrutura da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico). Como os carros elétricos têm autonomia de 250 km, é preciso se programar para não ficar sem combustível no trecho entre dois postos, portanto.
Segundo Bertoncello, é possível também sair de São Paulo e chegar a todas as capitais mais próximas, como Belo Horizonte e Curitiba, além do Rio, “mas com inteligência”. “Quem muda para o carro elétrico aprende a fazer conta rapidamente”, diz. Na Grande São Paulo, há pelo menos 250 pontos públicos de recarga, concentrados principalmente no centro expandido da capital paulista. Em alguns, é possível “encher a bateria” de forma rápida, desde que pagando por isso. Em média, é cobrado um quinto do valor equivalente ao que se gastaria para rodar com combustível aditivado. Por exemplo, R$ 200 de gasolina ou R$ 40 de energia elétrica rendem a mesma quilometragem.
Durante a COP 26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, 33 países e também algumas montadoras assinaram um acordo para deixar de vender carros movidos a combustíveis até 2040 –na Europa, os elétricos já representam 10% do total de veículos vendidos. O Brasil não fez parte, mas, por aqui, há iniciativas que estimulam a mobilidade elétrica, como a substituição de 20% da frota paulistana de ônibus municipais até 2024 –trólebus fazem parte dos planos.
Outras medidas também devem colaborar com a mudança. Todos os prédios construídos a partir de 31 de março deste ano na cidade de São Paulo precisam contar com pontos de recarga em suas garagens. Mas isso, por si só, não é garantia de que o proprietário do veículo elétrico terá total tranquilidade.
Em uma tomada simples, de 220 volts e 20 amperes, obter a carga total pode levar muito mais que uma noite inteira, por exemplo. Já em um eletroposto, o motorista pode estacionar com 20% da bateria e sair com 80% em pouco mais de uma hora. Professor do departamento de mobilidade elétrica do Centro Universitário FEI, Fabio Delatore afirma que, no caso das instalações prediais, é interessante a disponibilidade de duas fontes de energia –a tomada convencional e um carregador modo três (mais rápido).
“Do ponto de vista tecnológico é algo simples, mas é necessária essa conversa entre comprador e construtora no momento da venda do imóvel”, diz. Delatore também diz que sempre que se fala na mobilidade elétrica existe a questão do que deve vir primeiro, se a infraestrutura de recarga –para que o consumidor se sinta mais seguro ao comprar um carro desse tipo– ou a demanda por ela.
Para o professor da FEI, o principal impasse para a popularização está no valor atual dos veículos, que começa em R$ 140 mil. “Qual o nicho da população que consegue ter essa disponibilidade, por mais ecológico e não agressor do meio ambiente?”, diz. “Não dá para se falar em alteração de matriz se não tiver uma mudança radical no preço dos carros”, afirma.
Vencido esse obstáculo, o futuro é promissor. Manter distância dos postos de combustíveis, sem se preocupar com a variação dos preços na bomba, pode ser viável. Um investimento inicial em placas de energia solar e sistema de armazenamento pode fazer com que o proprietário não precise gastar mais nada para colocar o carro em movimento. “Um cálculo bem realizado pode permitir que seja 100% autossuficiente”, diz Delatore.
Fazer o carro “viver de luz” (solar, no caso) foi um sonho alcançado pelo empresário Leonardo Celli Coelho, 44. A mobilidade elétrica, porém, é só mais um entre tantos itens que compõem o pacote de sustentabilidade do qual se cercou quando deixou a capital paulista e foi para Jaguariúna (126 km de SP).
Bicicleta também elétrica, coxinha de jaca para os vizinhos, biodigestor de resíduos orgânicos e os cachorros que viraram “uma usina de gás” são alguns dos indícios da redução da pegada ambiental. “É um combo de tudo isso. E tem que ser. É a questão de consciência circular. Parar e estudar as reais necessidades do dia a dia. O que você consome para que elas sejam atingidas”, diz.
Coelho tem um carro elétrico desde 2016 e já rodou 110 mil quilômetros com ele. O abastecimento é feito majoritariamente em casa mesmo, com uso da energia gerada por placas solares. O veículo, porém, tem um “plano B” para eventuais emergências: a capacidade de também abastecer o motor com eletricidade gerada por combustão. “600 cilindradas, a gasolina. Só usei em 10% das vezes. Nunca fiquei em uma situação crítica.”
Bancário e motorista de aplicativo, Thiago Franco Garcia, 36, é ainda diretor da Abravei (Associação Brasileira dos Veículos Elétricos Inovadores). A experiência dele começou em 2019, quando comprou um carro movido a energia elétrica por R$ 189 mil. “Você gasta mais para ter o carro, mas menos para mantê-lo na mão funcionando. Tem menos peças de desgaste natural”, diz.
Segundo Garcia, o valor de um carro elétrico em comparação com um convencional é mais amigável quanto maior for o preço. “Quanto mais caro, mais próximo os preços. São tantos itens de luxo que a bateria é só mais um”, explica.
William Cardoso / Folhapress
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