Brasil sofre apagão de dados oficiais, mas laboratórios relatam alta de covid

Foto: Josué Damascena/Arquivo/Fiocruz
Em meio ao apagão de dados do Ministério da Saúde, que sofreu ataque hacker neste mês, farmácias e laboratórios têm identificado alta de casos de covid-19 e de gripe nos últimos dias. Com o avanço da variante Ômicron do coronavírus, mais contagiosa, a falta de monitoramento mais preciso preocupa especialistas.

Nas redes sociais e entre pessoas públicas – como os cantores Caetano Veloso e Chico César e o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) –, também aparece uma sequência de relatos.

No Grupo Fleury, a procura por testes dobrou, mas o alerta vem da taxa de casos confirmados: perto de 20%. “Estava com positividade de 3% a 2%, a nossa maior baixa. De repente começou a subir o número de pedidos e de positividade”, diz o infectologista Celso Granato, diretor clínico do grupo, um dos principais de medicina diagnóstica.

“Gostaria de falar que estão fazendo mais testes por precaução, para se encontrar com a família, mas, se fosse isso, não estaria dando tanto positivo.” Segundo ele, a demanda intensificada aqui e no exterior fez com que até outros laboratórios tenham procurado o grupo para terceirizar testes, diante da dificuldade de obter insumos no mercado. Sobre o vírus influenza (gripe), a situação também é atípica: mais de 27 mil testes só em dezembro (48% de positivos).

Situação similar é relatada pela rede Dasa, que reúne mais de 900 unidades ambulatoriais no País: a taxa de positividade da covid passou de 1,38% no dia 4 para 11,4% no último domingo. Virologista da Dasa, José Eduardo Levi diz que o índice de positividade era o mais baixo da pandemia no início do mês. São Paulo e Rio são os principais responsáveis por elevar a média. No caso da influenza, a positividade na Dasa subiu de 7% (dia 1º) para 24%, no sábado.

Para Levi, as festas de fim de ano podem ser uma das explicações, assim como o avanço da Ômicron. No exterior, essa combinação já tem resultado em recordes de casos – embora sem registros de explosões de hospitalizados e mortes, como em outras fases da crise sanitária.

Dados levantados pela rede indicavam cerca de 20% de predominância da nova cepa na 1.ª quinzena do mês, média que estima chegar perto da metade até sexta. O predomínio é apontado também no monitoramento de variantes do Albert Einstein, no qual a Ômicron representa 61,1% dos casos dos últimos 30 dias.

O Grupo Pardini teve 14% de alta na realização de testes e mais positividade na última semana ante a anterior – chegou a 6,2%. No Grupo Drogarias Pacheco e São Paulo, a positividade foi de 5%, na 1.ª semana de dezembro, para 15% na última semana, e o total de testes praticamente dobrou.

Já a média móvel (dos sete dias anteriores) de exames confirmados de covid relatados pelas secretarias estaduais da Saúde segue tendência distinta. Caiu de cerca de 8,7 mil no início do mês para perto de 5 mil na terça-feira. No fim do ano, tradicionalmente, as redes têm mais dificuldade de atualizar as bases de dados e é comum que registros fiquem represados.

Em nota, o ministério informou que as plataformas para registros de dados de infectados e vacinados – como e-SUS Notifica, SI-PNI (Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações) e ConecteSUS – já foram restabelecidas na última semana. “A pasta trabalha para restabelecer as demais plataformas afetadas o mais rápido possível”, disse.

Internações
No Estado São Paulo, as novas internações de casos suspeitos de covid-19 têm subido desde o dia 10, quando a média móvel era de 269 hospitalizações, taxa que chegou a 465 no dia 27, conforme números de plataforma do governo (que compila dados da rede pública e privada). Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde disse que seria “equivocado” associar o cenário de novas hospitalizações a um avanço do coronavírus, pois pode incluir casos de outras síndromes respiratórias agudas graves.

“A Secretaria de Estado de Saúde mantém o monitoramento do cenário epidemiológico em todas as regiões e reforça a queda de indicadores da pandemia, como é possível perceber pelo número de pacientes internados em UTI, com balanço inferior a mil nos últimos dias. Em comparação ao pico da segunda onda, este número é 97% menor”, apontou.

Na capital paulista, os atendimentos de pacientes com sintomas respiratórios tiveram explosão na rede municipal. No dia 27, o balanço da Prefeitura apontou 1.279 casos com este quadro, dos quais 423 com suspeita de covid-19. Em 1º de dezembro, por exemplo, eram 325 atendidos, – 135 com suspeita da doença.

No mesmo período, contudo, caíram as internações, de 262 hospitalizados (120 na UTI) no primeiro dia do mês para 197 na segunda-feira (57 em UTI). Em nota, a Prefeitura apontou que “não tem registrado aumento significativo nas internações por suspeita ou casos confirmados para covid-19”.

No setor privado, o Hospital Albert Einstein teve aumentode internações por covid, de 15 pacientes na primeira semana do mês para 43 pacientes de enfermaria, entre os dias 22 e 28 de dezembro. Porém, o número caiu em UTI, de 57 para 23. Já o Hospital Sírio-Libanês apontou que a procura no pronto atendimento de pessoas com síndromes gripais dobrou, a maioria com diagnóstico de influenza.

Nos hospitais paulistas da rede Dasa, também identificaram um aumento no número de atendimentos de pessoas com sintomas de doenças respiratórias. No Santa Paula, são 55% do total, média que era de 40% até 15 de dezembro. No 9 de Julho, houve crescimento de 18% nos pacientes atendidos na emergência com gripe de 2% nos de covid na semana de 20 a 26 de dezembro em comparação à média da anterior. “Sobre a ocupação de leitos, o número de internações dobrou no mesmo período comparativo, porém são casos de menor gravidade, e a maioria deles sem necessidade de terapia intensiva”, informou.

‘Estamos em voo cego’
Para Alexandre Naime Barbosa, chefe do setor de Infectologia da Unesp em Botucatu (SP), o País lida com o surto de gripe em meio à pandemia sem saber os rumos a tomar. “Estamos em voo cego”, critica. Ele destaca que o manejo dos pacientes infectados com o vírus causador da covid e com o da gripe é diferente, logo não ter as confirmações pode causar ainda mais complicações. “Hoje, não temos noção de qual é a gravidade do problema.” A vacinação é o que vem fazendo a diferença, afirma o médico. Não fosse isso, os casos graves de síndrome respiratória seriam muito maiores do que o devem ser hoje, sem a confirmação oficial.

Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz Amazônia, destaca que os dados já tinham problemas, diante da baixa testagem e vigilância genômica – o que permite dizer por onde andam as cepas, como a Ômicron. “Dezoito meses após o início da pandemia, os sistemas deveriam estar aperfeiçoados, com erros que não deveria ter nessa altura do campeonato. Mas não ter o básico é o fundo do poço.”

Medo do vírus motiva busca por teste, vacina e consulta médica
Para quem apresenta coriza e dor de cabeça, os sinais confundem: covid ou gripe? Nesta semana, o designer George Eduardo Teixeira Júnior, de 35 anos, teve esses sintomas. Com laboratórios cheios, foi à farmácia atrás do teste da covid – deu positivo. “Passei por consulta médica para saber como proceder, caso tenha sintomas agravados. Por enquanto, são leves”, conta Júnior, que já tomou a 3,ª dose e se recupera em casa. A vacina não barra a infecção, mas evita hospitalizações. “Depois que fui testado, tive conhecimento de outros que tiveram a doença no trabalho.”

O receio com os vírus motiva a busca por testes assim que o corpo alerta. A empresária Valdirene Moraes, de 53 anos, estava com a família em Maragogi (AL) na semana passada e teve dor de garganta e coriza. “Cheguei de viagem ainda indisposta e fui a um hospital particular de referência”, diz. Por sorte, os exames de covid e influenza deram negativo. Nas unidades básicas de saúde (UBSs) de São Paulo, já houve filas na busca pela vacina da gripe./COLABORARAM EMÍLIO SANT’ANNA E RENATA OKUMURA

Priscila Mengue/Estadão Conteúdo

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