Comunidade questiona Réveillon em área de desova de tartarugas na Bahia
Foto: Divulgação/ Festa para 600 pessoas será dentro de área de proteção ambiental em Santo André, distrito de Santa Cruz Cabrália (B |
Na praia de Santo André, distrito de Santa Cruz Cabrália (690 km de Salvador), um grupo de moradores se mobiliza pelo segundo ano consecutivo contra a realização do Réveillon da Vila, evento privado que prevê quatro dias de festa com um público diário de 600 pessoas. O distrito tem uma população de cerca de 800 pessoas. Parte delas busca um turismo sustentável e tem postura crítica a festas organizadas por empresas sem relação com a comunidade local.
Além da preocupação quanto à questão sanitária, que levou associações locais a cancelarem a própria festa de Réveillon organizada pela comunidade e aberta ao público, também há críticas quanto ao possível impacto ambiental da festa privada que será realizada em Santo André. O Réveillon da Vila será realizado na praia das Tartarugas, conhecida por ser uma das principais áreas de desova destes animais e que fica dentro da Área de Proteção Ambiental de Santo Antônio. A região é local de nascimento de cerca de 4.000 tartarugas marinhas por ano.
A realização da festa dentro da área de proteção ambiental foi alvo de manifestações da comunidade, que realizou uma passeata e organizou um abaixo-assinado que coletou cerca de 2.000 assinaturas. Entidades que atuam em defesa do meio ambiente, além da Associação de Moradores de Santo André, fizeram uma série de questionamentos extrajudiciais à prefeitura de Santa Cruz Cabrália, mas não obtiveram retorno. As entidades devem mover uma ação civil pública visando o cancelamento da festa: “Nos causou espanto que a prefeitura tenha autorizado o licenciamento do evento em uma área onde há desova de tartarugas”, afirma a advogada Marcela Browne, que representa as entidades.
Coordenadora do Projeto Maré do Instituto Gea Ética e Meio Ambiente, que atua na proteção das tartarugas marinhas em Santo André, Monica Paoletti afirma que a realização de uma festa em uma região que é praticamente intocada pode trazer consequências irreversíveis o ecossistema local. Ela diz que alteração da vegetação nativa de restinga, além da emissão de luz e de som, não só coloca em risco a desova das tartarugas, mas impacta toda a fauna e flora da região. “A gente também não quer que isso seja uma abertura de portas para que eventos desse mesmo porte ou maiores comecem a se instalar em um local que não tem estrutura e que não precisa disso para sua sobrevivência”, afirma Paoletti.
Presidente da Associação de Moradores da vila de Santo André, Jânio Alcântara também critica os impactos ambientais da festa: “É uma área de extrema importância para a nossa biodiversidade. É um corredor ecológico”, afirma Edimar Soares Oliveira, 46, da Associação de Barraqueiros de Santo André, diz que a comunidade também teme pelas possíveis consequências sanitárias de um evento que deve aumentar vertiginosamente a circulação de pessoas dentro do distrito de Santo André. “Aglomeração não é boa para ninguém. Entendo que esse ainda não é o momento de fazer festa. É o momento de se precaver e aproveitar o verão, mas não com uma multidão de pessoas”, diz, Oliveira, lembrando que a vila tem uma população pequena e com muitos idosos.
Procurado, o secretário de Meio Ambiente de Santa Cruz Cabrália, Fernando Ricaldi, informou que a festa acontecerá em uma área particular e que a prefeitura impôs condicionantes ambientais para autorizá-la. “Haverá uma série de restrições em relação à área de preservação de tartarugas e às áreas de vegetação de restinga”, afirma o secretário, destacando que fiscais da prefeitura vão atuar durante a festa. Em nota, a organização do Réveillon da Vila informou que a festa tem alvará e licença ambiental concedidas pela prefeitura e que todas as ações são pensadas levando em conta os possíveis impactos ao meio ambiente.
Diz ainda que, para a realização da festa, foi necessária a supressão e replantio de sete árvores, o que ocorreu com autorização da prefeitura. “Todas as sinalizações ambientais da restinga e das tartarugas serão mantidas, seguindo o protocolo da licença ambiental. Toda a sonorização e iluminação serão voltadas para a estrada e não para o mar, minimizando os impactos de poluição sonora”, afirmou. A empresa também destacou que trabalha com dezenas de moradores locais que apoiam a realização do Réveillon da Vila: “Infelizmente, o Réveillon da Vila vem sendo denunciado falsamente por diversos aspectos ambientais e sociais. Porém, todas essas denúncias são falsas, visto que a organização está seguindo todos os protocolos ambientais e sociais impostos pela prefeitura”.
Além de Santo André, também houve questionamentos da realização de festas de maior porte em balneários como Boipeba, município de Cairu, e Caraíva, que fica no litoral sul de Porto Seguro. Depois do registro de eventos clandestinos no ano passado, a prefeitura de Cairu autorizou a realização de dois eventos na virada do ano —a festa Amaré, em Morro de São Paulo, e a festa Réveillon Boipeba 2022, na vila de Boipeba. As festas foram proibidas pela Justiça em 2020, que acatou o argumento da Promotoria de que o evento traria riscos para a comunidade por gerar prováveis aglomerações em meio à pandemia.
Este ano, a prefeitura não deferiu o pedido de licenciamento de outras festas que aconteciam na cidade, caso da Mareh NYE. Após um imbróglio judicial com a prefeitura de Cairu, a produtora decidiu realizar a festa na cidade vizinha de Nilo Peçanha. Em Caraíva, a pressão da comunidade fez com que a prefeitura revisse regras para a realização de festas. A vila enfrentou momentos difíceis durante o Réveillon do ano passado, quando ficou apinhada de visitantes, parte deles descumprindo regras sanitárias. O cenário de aglomeração gerou reações, incluindo uma carta aberta enviada à prefeitura de Porto Seguro pela Associação dos Nativos de Caraíva.
Após pressão da comunidade, a prefeitura limitou as festas de fim de ano a um público de 850 pessoas, a despeito do decreto estadual da pandemia em vigor permitir eventos com até 5.000 pessoas.
João Pedro Pitombo / Folha de São Paulo
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