Essa decisão levou o país a acionar o parque de usinas térmicas a mais de R$ 2.000 o MWh (megawatt-hora) encarecendo as contas de luz e fazendo subir a inflação.
Segundo o ministro, os leilões geraram R$ 680 bilhões em investimentos contratados, considerando ainda as ofertas de óleo, gás e mineração.
“Dá para terminar o ano com autoestima elevada e recompensado pelo trabalho, que não é meu, é de todos”, disse Albuquerque em entrevista à Folha.
Mesmo assim, o governo vai manter permanentemente o programa de incentivo à redução de consumo das empresas.
O próximo ano “deverá ser um ano melhor” [do ponto de vista das chuvas] e, graças aos projetos de expansão da matriz de geração, o Brasil ficará imune a crises hídricas a partir de 2026.
“Vamos passar por eventuais crises hídricas com maior governança e sem sobressalto”, disse.
Albuquerque disse ainda que não houve intenção eleitoreira de Bolsonaro, que disputará a reeleição em 2022, no represamento de reajustes tarifários deste ano para os próximos, e que uma de suas missões [com o represamento das tarifas e repasse de custos da energia] foi conter a inflação, já que o insumo passou a representar o item que mais pesa no IPCA.
As empresas e as pessoas instalaram luzes de Natal. A crise energética acabou?
A crise de energia, a meu ver, nunca ocorreu. Passamos por um período de escassez hídrica que resultou no aumento do custo da geração de energia e isso abala o orçamento de todos nós. As luzes de Natal e a retomada das empresas mostram simplesmente a volta da atividade econômica.
Durante esse período, da maior escassez hídrica que o país já passou, procuramos manter a segurança energética para toda atividade socioeconômica do país.
Qual o cenário hídrico para o próximo ano? Vamos continuar com escassez?
O que podemos afirmar é que terminamos dezembro em melhores condições [de chuvas] do que há um ano. E isso é muito bom. Agora não temos como prever a afluência. Nossas previsões são muito assertivas de forma quinzenal. De forma mensal perde um pouco de confiabilidade. Temos de aguardar.
Essa condição hídrica mais favorável levou o governo a afrouxar o programa de estímulo à redução do consumo residencial e de empresas?
Não. O programa de resposta da demanda [empresas são pagas para não consumirem energia] foi muito importante e pretendemos mantê-lo. A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] está trabalhando nisso com as diretrizes do ministério e acreditamos que no início do próximo ano teremos esse programa permanente. Sempre que necessário e oportuno para as empresas, poderá ser utilizado.
Agora, gostaria de frisar que, mesmo com a pandemia e todas as restrições, tivemos um aumento na geração de energia de 16% nos últimos três anos, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, e um aumento de 17% na transmissão. A produção de petróleo aumentou 16% e a exportação de óleo cresceu 22%. Realizamos 20 leilões de energia elétrica, sete de petróleo e gás, oito de mineração. Foram
R$ 680 bilhões em investimentos contratados, o que representou 81% da carteira de infraestrutura do PPI [Programa de Parceria de Investimentos].
Fizemos leilões bem-sucedidos de energia. Tivemos ágios maravilhosos, uma média de 250%. [em um deles] Havia a expectativa de recebermos R$ 140 bilhões pela comercialização do óleo da União. Com o ágio, vamos receber R$ 320 bilhões.
Realizamos o primeiro leilão de capacidade de reserva com 50 GW [gigawatt] de projetos pré-aprovados de termelétricas a gás. Isso mostra que não só nossa matriz energética está crescendo, mas também está havendo uma retomada da atividade econômica por maior demanda de energia.
Dá para terminar o ano com autoestima elevada e recompensado pelo trabalho, que não é meu é de todos.
Tivemos uma pandemia, 2022 será o ano de eleição, Bolsonaro é pré-candidato e vem tentando ganhar a simpatia do eleitor com medidas de impacto positivo. Ele pediu o represamento de tarifas e preços de energia ao senhor ou para a Aneel?
Isso eu escuto dele desde de 2019 [primeiro dia do governo], para tomarmos medidas [relacionadas à tarifa] que não impeçam a atividade socioeconômica. Isso é permanente. Para 2022, vamos fazer a mesma coisa que fizemos nos anos anteriores.
Mas na pandemia o governo e a Aneel postergaram o pagamento de encargos setoriais e faturas como forma de dar fôlego à população e às empresas que enfrentavam a crise financeira. Muito desse passivo será diluído para reajustes tarifários nos próximos anos. Existiu uma conotação política nesse movimento mirando as eleições de 2022?
Não existe nenhuma conotação política. O que existe é uma preocupação muito grande com a inflação, que pode limitar a retomada da atividade econômica.
O custo da energia é o que mais vem pesando na inflação. Quanto, afinal, o governo e a Aneel vão represar em reajustes deste ano para os próximos anos?
Não sabemos. Isso está sendo calculado pelos técnicos da Aneel e do ministério. Por isso, aliás, ainda não apresentamos números nessa última MP [medida provisória, que definiu uma segunda rodada de socorro às distribuidoras].
Desde 2019 temos adotado diversas ações para que os impactos nas tarifas não sejam significativos tanto para o consumidor, quanto para as empresas.
[Na pandemia] Tivemos aumento de custo por conta de geração termelétrica e a importação de energia e isso impactou diretamente a tarifa. No entanto, tomamos medidas que vão reduzir esse aumento, como a própria expansão de geração e das linhas de transmissão.
As fontes de energia hoje estão apresentando valores [por megawatt-hora] cada vez menores nos leilões. E quando falo que houve um deságio de 50% [no penúltimo leilão] significa que o consumidor vai pagar R$ 3 bilhões a menos [nas tarifas]. Isso somado aos R$ 5 bilhões [que virão da capitalização da Eletrobras] vai tornar a tarifa cada vez mais barata.
Esse [redução das tarifas] é um trabalho permanente e que não vai terminar nunca, seja neste ou no próximo governo.
Uma das críticas à gestão da crise foi a queda do preço da energia no mercado quando o país estava acionando as térmicas a mais de R$ 2.000 o MWh. Como o sr. explica essa situação?
Isso é a distorção que existe na garantia física [quantidade potencial que uma usina se compromete a comercializar energia], principalmente nas hidrelétricas da Eletrobras, que tem uma participação muito grande na geração do país. Na capitalização [da estatal] essa garantia será revista.
Essa foi uma reclamação dos grandes consumidores e um questionamento relevante do TCU. Essas distorções serão mesmo corrigidas antes da capitalização?
Já estão sendo revistas. Tem uma comissão tratando disso e está em curso. E isso começou em 2020, por uma necessidade do setor. Estamos pagando esse custo [elevado] por conta da garantia física daquelas usinas da Eletrobras que têm prejuízo muito grande.
Isso reduzirá o valor da Eletrobras na capitalização?
As usinas deixarão de gerar por cotas [pré-definidas], como no passado, e poderão vender a energia que for produzida e não o que, em tese, teria disponível. Isso, de certa forma, elimina a questão da garantia física.
Diante de tantos questionamentos do TCU [Tribunal de Contas da União], será possível realizar a capitalização no próximo ano?
O ministro Vital do Rego pediu vista do processo [julgamento ficou paralisado], mas o TCU teve uma preocupação de manter o cronograma. Acredito que em janeiro, quando houver a próxima plenária do TCU, tenhamos todas as condições de prestar os esclarecimentos demandados e esse processo vai seguir seu curso normal para termos a capitalização em abril.
A Petrobras será privatizada neste governo?
Neste governo não haverá a privatização da Petrobras. Não existe nenhum estudo do ministério nesse sentido e isso já foi dito recentemente até pelo presidente Bolsonaro.
O presidente sempre sinaliza que interfere nos preços da Petrobras. Há poucas semanas, ele disse que a estatal reduziria os preços. Depois de um desmentido, a companhia de fato baixou preços. O sr. ou o presidente interferem na Petrobras?
Nem se quiséssemos. O estatuto da companhia impede ingerências na precificação dos combustíveis. Além disso, cerca de 20% dos combustíveis consumidos hoje no país não são produzidos pela Petrobras. São de concorrentes ou importados. [Para reduzir o preço do mercado] teríamos de mexer no mercado como um todo. O que precisamos é ter mais agentes e políticas públicas que evitem a volatilidade dos preços.
Qual política pública o sr. defende nesse caso?
Existe uma discussão no Congresso sobre a criação do fundo de estabilização de preços, algo que poderia ser utilizado para compensar eventuais perdas de arrecadação por parte dos estados.
Qual sua opinião sobre o fundo?
O fundo é importante, mas não haverá recursos necessários de forma imediata. Se for ver, a arrecadação cresceu muito nos últimos anos. Poderia trabalhar a questão tributária, não para reduzir a arrecadação, mas que, com aumento do custo do combustível, pudesse reduzir a margem dos tributos para ter estabilidade maior. Acredito que seria um colchão tributário. Esse é o caminho mais rápido para evitar a volatilidade.
Esse mecanismo também foi discutido com a Petrobras para garantir reajustes quinzenais pela estatal, por exemplo?
Com a Petrobras, não. Esqueça. Estamos trabalhando junto ao Congresso. A Câmara fez a apreciação em relação ao ICMS que agora está no Senado. A meu ver é a forma mais rápida de evitar a volatilidade dos preços sem alterar a perspectiva de arrecadação dos estados.
Acabou o monopólio da Petrobras no gás e, agora, grupos privados tentam criar monopólios locais. O governo vai reagir?
A abertura está ocorrendo. Em 2021, apenas uma empresa [a Petrobras] atuava. Em 2022, teremos oito empresas, sendo quatro nacionais. O mercado está sendo aberto, mas isso não é da noite pro dia.
No que diz respeito ao monopólio, um dos princípios foi retirar a Petrobras do mercado com os desinvestimentos [venda de empresas] que seguem monitorados por um comitê dentro do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] e pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] para evitar que se transfira um monopólio estatal para outro privado.
A agência reguladora de São Paulo entrou em choque com uma decisão da ANP (Agência Nacional de Petróleo) e isso pode abrir espaço para um monopólio privado no estado. Como se pacificam situações similares a essa e que podem comprometer a abertura?
Se não se chegar a um consenso, temos o Judiciário para arbitrar. Esse é o caminho natural de qualquer divergência em termos de competências e atribuições.
Quando ficaremos imunes às crises hídricas?
O ano de inflexão será 2026. Não é uma opinião. É baseado na expansão da nossa matriz energética, não só pela diversificação [entrada de novas fontes geradoras], mas pela entrada em operação dessas usinas a gás que leiloamos [leilão de capacidade de reserva]. Dentro do nosso planejamento, a partir de 2026, vamos passar por eventuais crises hídricas com maior governança e sem sobressalto.
Até lá, o preço do gás para mover essas usinas estará baixo ou continuaremos a pagar mais de R$ 2.000 por MWh?
Estará mais baixo com certeza. A rota [de transporte] do gás produzido no pré-sal entrará em operação no início do próximo ano e todo o gás terá condições de ser escoado para o continente. Temos novos investimentos anunciados, como o da Equinor, para trazer esses gás. Daqui quatro anos teremos esse gás chegando e até 2030 nossa produção vai crescer duas vezes e meia.
O sr. será o ministro até 2026?
(Risos). Até quando o presidente Bolsonaro quiser.
Bento Albuquerque, 62
Ministro de Minas e Energia, ingressou na Marinha em 1973, formando-se pelo Colégio Naval. Chegou ao topo da carreira, como almirante de esquadra. Atuou em diversos cargos. Já foi observador militar de Forças de Paz da ONU, assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação da Marinha, em 2006, e, posteriormente, a Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico. Participou do programa do submarino nuclear brasileiro
Julio Wiziack/Folhapress
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