Covid e gripe afastam profissionais de saúde e sobrecarregam equipes na linha de frente
Foto: Alex Silva/Estadão |
A alta de casos de síndromes gripais nos últimos dias tem levado ao afastamento de suas funções milhares de profissionais de saúde infectados pela Covid-19 ou pela influenza em várias regiões do País. Consequentemente, as equipes na linha de frente estão sobrecarregadas. Diante do quadro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o governo estuda a possibilidade de redução da quarentena para profissionais de saúde com teste positivo para covid-19, o que possibilitaria o trabalho deles mesmo contaminados. Entidades de saúde avaliam a proposta com preocupação.
Em São Paulo, a prefeitura somava 1.585 profissionais afastados por Covid-19 ou síndrome gripal na quinta. A rede municipal conta, atualmente, com 94.526 profissionais. A Secretaria da Saúde destaca que, desde 1.º de dezembro, houve um aumento no número de afastamentos. Já a Secretaria de Saúde do Estado informa ter 1.754 profissionais afastados por suspeita ou confirmação de Covid-19 e demais síndromes respiratórias agudas graves (Srag), até quinta.
No Rio, desde o início de dezembro cerca de 20% dos profissionais que trabalham na rede municipal de saúde da capital precisaram se afastar periodicamente das funções por causa de Covid-19 ou suspeita de ter a doença ou influenza. Foram cerca de 5.500 profissionais afastados, do total de pouco menos de 28 mil, segundo a secretaria municipal de Saúde.
Entre os profissionais afastados estão médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, maqueiros e recepcionistas. Para lidar com a sobrecarga, a prefeitura foca em novas contratações. “A gente já chamou 146 profissionais nas primeiras semanas de janeiro. Na semana que vem serão mais 400 profissionais. No mês de dezembro já haviam entrado 1.200”, diz o secretário Saúde, Daniel Soranz.
No Rio, a quarentena reduzida de cinco dias já é realidade. A secretaria tomou a medida pelo aumento de casos de covid, principalmente da variante Ômicron. “A gente trabalha com um período de cinco dias para os assintomáticos. E eles só retornam ao trabalho depois da testagem. E, para os sintomáticos, a gente trabalha com um intervalo de sete dias. Se os sintomas forem mais graves, determinamos um afastamento maior. E precisa da negativa do teste”, diz Soranz.
Em Belo Horizonte, 487 profissionais de UPAs, Centros de Saúde e Samu estiveram afastados em dezembro por sintomas respiratórios. Plantões extras são ofertados para os que seguem no trabalho.
Em Florianópolis, são 166 profissionais e trabalhadores da Saúde de Centros de Saúde e Unidades de Pronto Atendimento afastados por Covid-19 atualmente. Na rede municipal são 2.730 profissionais ao todo. A capital catarinense convocou nesta semana 130 profissionais de saúde, que devem começar a atuar entre os dias 10 e 12 de janeiro.
Queiroga disse que a possibilidade de redução da quarentena para profissionais de saúde ainda é discutida com secretários, mas já adiantou que o Brasil “possivelmente” pode adotar a conduta, estabelecendo uma quarentena de cinco dias para profissionais que estejam assintomáticos. Atualmente, a recomendação da pasta para quem foi contaminado, com ou sem sintomas, é ficar em isolamento por duas semanas.
Segundo o ministro, tanto o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC, na sigla em inglês) quanto países como a França já adotam prazo menor de quarentena para assintomáticos, medida que visa a, em um primeiro momento, evitar que a licença de médicos ou outros profissionais da área comprometa o trabalho em hospitais diante da alta demanda provocada pela variante Ômicron. No Reino Unido, o alto número de afastamentos – cerca de 39 mil profissionais de saúde – levou o governo a convocar militares para dar apoio aos hospitais.
Entidades de saúde avaliam proposta com preocupação
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) considera preocupante a proposta do ministério. “Os profissionais de enfermagem atuam diretamente na assistência à população, incluindo doentes, imunossuprimidos e convalescentes, entre outros grupos altamente vulneráveis. Reduzir o afastamento para apenas cinco dias implicaria risco de transmissão para a população assistida”, afirmou, em nota.
César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), considera arriscado. “Primeiramente, devemos considerar é que o tempo de quarentena estipulado inicialmente de 14 dias parece demasiadamente alto para os conhecimentos que temos agora da doença. O recomendável seria pelo menos sete dias e até no máximo dez dias. Isso seria apropriado. Abaixo de sete dias não seria recomendável trazer o profissional de saúde. Exceto em condições extremamente excepcionais como alguns países estão enfrentando”, afirmou.
Victor Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) critica a proposta de reduzir a quarentena de profissionais da saúde acometidos pela covid-19 que estejam assintomáticos. Segundo ele, neste momento, o governo deveria focar em ações para conter o avanço da doença. “Vendo a situação caminhar para cenário vivido nos Estados Unidos, no lugar de tomar medidas para evitar que o Brasil enfrente a mesma situação, já quer que os médicos atendam mesmo com Covid-19 porque a situação vai chegar no colapso. Ou seja, vamos deixar que as pessoas se infectem e vão para a UTI, mas as medidas para evitar isso não estão sendo feitas”, criticou Dourado.
Desde o fim do ano passado, o número de casos no novo coronavírus está aumentando muito rapidamente, principalmente em razão da variante Ômicron. “Muitos profissionais, inclusive, médicos estão se contaminando com covid. Nos Estados Unidos, o número de novos casos diários já está novamente maior que 700 mil. Lá e assim como em outros países já está faltando ou vai faltar profissionais de saúde para fazer o atendimento da população. O que se discutiu no ano passado sobre o que fazer se não tivesse ventilador mecânico para atender todo mundo, neste ano estamos vendo o que fazer se não tiver profissional de saúde, diante do aumento da demanda”, avaliou o presidente do Simesp.
‘Nosso sistema de saúde está sobrecarregado faz tempo. E nós estamos todos cansados’
Diante da falta dos dados que são usados para análise da evolução da pandemia, o Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu nesta sexta-feira, 7, um boletim extraordinário com um único indicador: a taxa de ocupação de leitos de UTI destinados a adultos com covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS). Para os pesquisadores, o momento atual, com o crescimento rápido de casos da variante Ômicron, desenha um novo cenário epidemiológico. Em comparação com os registros obtidos em 20 de dezembro de 2021, os dados relativos a 5 de janeiro de 2022 mostram aumento relevante no número de pacientes internados nesses leitos. Entre os Estados, destacam-se Tocantins (23% para 62% de ocupação, com queda de 122 para 87 leitos) e Piauí (47% para 52%, com aumento de 106 para 130 leitos).
Em Camaçari (BA), região metropolitana de Salvador, a médica Marília Gomes, 29 anos, disse que não conseguiu perceber as ondas da pandemia de Covid-19. “Desde o início, os casos se mantiveram altos”, conta. Com o avanço da vacinação, principalmente entre agosto e novembro, conta que, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e na de Saúde da Família (USF) que trabalha, houve uma “aliviada”.
Em dezembro, o cenário se reverteu e a demanda voltou a crescer, principalmente de pessoas com síndrome gripal. Ela atribui essa alta a uma série de fatores: a junção da pandemia de covid com um surto de gripe; a cepa Ômicron; a variante H3N2, do Influenza; e o período de festas de final de ano e início da temporada de festas.
“Há uma epidemia de Influenza no meio da pandemia da covid”, fala. “Senti muito essa diferença epidemiológica em meu território. É zona costeira, a população trabalha na praia, então, agora é o período em que eles mais estão expostos. Até antes do Natal, a demanda de síndrome gripal estava muito menor.”
A espera por atendimento, consequentemente, aumentou. Enquanto isso, Marília observa colegas adoecerem e serem afastados. “Lidar com a sobrecarga devido ao adoecimento dos colegas é complexo. Infelizmente, nosso sistema de saúde já está sobrecarregado faz tempo. E nós estamos todos cansados. Foram dois anos de muito luto, e muita luta”, diz. “Mas a gente se ajuda muito, e pensa muito de forma coletiva nesse momento.”
Lidando com o luto da perda do pai há seis meses, ela conta não conseguir trabalhar horas além do estipulado, algo comum nos últimos dois anos. “E precisa ser assim, pois estou trabalhando o meu luto, enquanto cuido das pessoas. Precisa haver um balanço positivo.”
Em 2021, Marília conta que foi duro trabalhar horas a mais. “Foi muito difícil conciliar tudo. Foram muitas sessões de terapia. E eu tive duas crises de ansiedade, que culminaram com o meu afastamento devido a um quadro de epistaxe (sangramento na mucosa nasal).”
Quanto a possibilidade de que profissionais com covid trabalhem ainda contaminados, como discute o governo federal, ela avalia que seja uma “declaração grave”. “Porque ela vem da mesma boca que também orienta que as pessoas não se vacinem, da mesma caneta que quer dificultar a vacinação infantil”, explica.
O médico de Família e Comunidade Jonas José Oliveira Junqueira, de 38 anos, que atua no Centro de Saúde Caminho das Águas, em Lavras (MG), atende diretamente pacientes com síndrome gripal. Desde o natal, conta ele, houve um aumento nos pacientes com suspeita e confirmação de covid.
“Esse aumento se tornou ainda mais significativo na última semana”, fala Junqueira. “Nos últimos três dias, apenas no centro de saúde que trabalho tivemos 36 casos com teste rápido de antígeno para covid positivos. Houve família que todos os integrantes que residiam na mesma casa foram infectados”
Com a alta, pacientes com sintomas respiratórios representam metade de seus atendimentos diários – antes, eles eram cerca de 20%. Ele atribui esse cenário às festas de final de ano, ao início do período de férias e ao descuido de medidas de proteção após o avanço da vacinação.
Junqueira não tem tido de trabalhar mais horas ou visto um número expressivo de colegas afastados, no entanto, tem atendido mais pacientes diariamente. Antes do Natal, esse número ia de 20 até 25. Agora, atende de 30 até 35.
“Após esses dois anos de pandemia, com a vacina e a queda dos casos no ano passado, esperava que estivéssemos em uma situação melhor hoje”, diz. “Esses novos picos e ondas podem acarretar novos prejuízos à vida das pessoas.” Mesmo assim, destaca que, até o momento, os pacientes apresentam quadro leve, sem necessidade de hospitalização.
O médico considera um “equívoco” a possibilidade de médicos trabalharem infectados pelo novo coronavírus, pelo risco de transmissão do vírus. “Na minha opinião, o tempo de isolamento deve ser igual a todos, independente da profissão que exerçam”, afirma.
Estadão Conteúdo
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