Eleição dificulta combate à inflação, dizem economistas
Pressão do petróleo, quebra de safra e incerteza política desafiam preços em 2022Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/Arquivo |
Uma combinação de ameaças ganha força e deve dificultar o combate à inflação no Brasil neste ano eleitoral, avaliam economistas. Os riscos têm origens distintas: envolvem desde a elevação dos preços do petróleo no mercado internacional, que impacta os combustíveis no país, até os danos causados pela estiagem na produção de alimentos em estados das regiões Sul e Centro-Oeste. Há, ainda, o temor de reflexos sobre a taxa de câmbio —e a inflação— que podem ser causados por incertezas políticas e ruídos na área fiscal.
Diante desse contexto, analistas começam a enxergar a possibilidade de o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ficar ainda mais distante da meta perseguida pelo BC (Banco Central) em 2022. Neste ano, o teto da meta de inflação é de 5%. O mercado financeiro, porém, já espera um IPCA maior. A mediana das projeções para o indicador subiu de 5,09% para 5,15%, conforme a edição mais recente do relatório semanal Focus, divulgada na segunda-feira (24) pelo BC.
“Não se trata de uma inflação puramente de demanda. Há uma grande pressão de custos sobre preços importantes, como os de energia e alimentos”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento). Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, tem opinião semelhante. “A gente começa a vislumbrar um IPCA mais próximo de 6%”, diz. Por ora, ela projeta inflação de 5,5% no acumulado de 2022, mas menciona que o viés é de alta nessa estimativa.
COMBUSTÍVEL MAIS CARO
O avanço do petróleo no mercado internacional causa pressão inflacionária no Brasil porque é levado em consideração pela Petrobras na hora de definir os preços dos combustíveis nas refinarias.Na semana passada, a commodity atingiu o maior nível desde 2014. Analistas associam a escalada do petróleo a tensões geopolíticas em regiões produtoras e à decisão dos principais países fornecedores de não elevarem a oferta, apesar da demanda crescente.
Pressionado pela carestia de itens como gasolina e luz, o governo Jair Bolsonaro (PL) estuda uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para autorizar a redução temporária de tributos sobre combustíveis e energia elétrica, em uma tentativa de aliviar o bolso dos consumidores no ano eleitoral.
A proposta preocupa parte dos analistas em razão do possível reflexo nas contas públicas. Caso as alíquotas de PIS/Cofins sobre gasolina, diesel e etanol fossem zeradas, o impacto na arrecadação ficaria na faixa de R$ 50 bilhões ao ano, segundo fontes do governo informaram à Folha. Na visão de analistas, mesmo com o eventual alívio nos preços para os consumidores, a perda de receitas também provocaria uma espécie de efeito colateral sobre a inflação.
CONTAS PÚBLICAS EM RISCO
É que um novo ruído fiscal tende a repercutir de maneira negativa no mercado financeiro e pode pressionar ainda mais o dólar, gerando reflexos sobre bens e serviços que dependem de insumos importados, por exemplo. “O projeto é como dar com uma das mãos e tirar com a outra. A leitura do mercado é de mais incertezas fiscais. Isso pode elevar riscos e desvalorizar ainda mais o real frente ao dólar”, relata Camila Abdelmalack, da Veedha Investimentos.
Como mostrou reportagem da Folha, o temor de que haja um pico de inflação no terceiro trimestre de 2022, no auge da campanha eleitoral, deflagrou a decisão de Bolsonaro de patrocinar a PEC do corte de tributos sobre os combustíveis. “O cenário para a inflação continua preocupante”, diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating. “A festa fiscal potencializa riscos e, consequentemente, a inflação. Além disso, também há questões como o aumento dos preços do petróleo e a seca no Sul”, completa.
Em 2021, o IPCA teve alta de 10,06%, a maior desde 2015, quando a economia brasileira atravessava recessão no governo Dilma Rousseff (PT). Com o resultado, o indicador oficial de inflação estourou com folga a meta perseguida pelo BC no ano passado, cujo teto era de 5,25%. Em 2022, a expectativa do mercado é de uma desaceleração do IPCA. Ou seja, o índice tende a apresentar um aumento menor do que em 2021, mas deve continuar em patamar desconfortável, acima da meta.
SECA AMEAÇA ALIMENTOS
Na largada de 2022, a estiagem que castiga lavouras dos estados da região Sul e do Mato Grosso do Sul também preocupa economistas devido aos possíveis reflexos sobre a oferta de produtos agropecuários e seus respectivos preços. A quebra de safra, segundo analistas, pode pressionar itens como milho, soja e frutas. Pastagens também já foram danificadas pela escassez de chuva, afetando a produção de leite e carne. “Os alimentos não devem ter uma desaceleração tão rápida”, analisa Nicola Tingas, da Acrefi.
Para tentar frear a inflação, o BC vem subindo a taxa básica de juros. A Selic está em 9,25% ao ano e deve encerrar 2022 em 11,75%, de acordo com a mediana do boletim Focus. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, avaliou neste mês que a inflação no Brasil é impactada pela alta nos preços de petróleo e por questões climáticas. Segundo ele, esses fatores já provocaram um pequeno crescimento das expectativas do mercado para o IPCA. No entanto, Campos Neto sinalizou que a inflação acumulada em 12 meses pode ter atingido seu pico, iniciando movimento de perda de fôlego.
“Será mais um ano difícil em termos de inflação, por mais que a expectativa seja de um avanço menor do que em 2021”, afirma a economista Ana Cláudia Além, professora do Ibmec-RJ. “A pressão das commodities como o petróleo continua, e o dólar segue caro no Brasil. O câmbio é impactado por incertezas, que costumam não faltar nos anos eleitorais. E ainda há a quebra de safra”, acrescenta. Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, projeta inflação de 5,4% ao final do ano, mas não descarta um acumulado maior.
“Tem riscos para cima e para baixo, mas a probabilidade maior hoje é para cima”, diz.
Na visão do analista, as principais ameaças para o controle dos preços vêm do exterior no momento, com a pressão de custos gerada por commodities como o petróleo. “Nossa aposta é de que, neste primeiro quadrimestre, vamos ter uma inflação rondando ainda os 10%”, estima.
Leonardo Vieceli, Folhapress
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