Novo presidente diz que OAB ‘não pertence a nenhum partido político
Foto: Eugênio Novaes/CFOAB |
Assumindo nesta terça-feira, 1º, a presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, José Alberto Simonetti afirma que o foco de sua gestão serão as questões que interessam diretamente à classe, buscando ‘reaproximar’ os advogados da entidade. Com o primeiro ano de seu mandato entrecruzado com as eleições 2022, o criminalista diz que a principal entidade da advocacia não ‘pertence a absolutamente nenhum partido político’: “Nenhum partido que queira tentar ou ousar fazer gerência na ordem conseguirá fazer com que isso vingue. A ordem não pertence a Lula, a Bolsonaro, a esquerda, a direita. Ela pertence a verdadeiramente a advocacia”, sustentou em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo.
O novo presidente da OAB também indicou que estará atento ao processo eleitoral, informando que não vai se furtar a combater ‘excessos que ofendem a sociedade e ofendam a do estado democrático. Simonetti aponta que vai buscar dialogar com o próximo presidente, ‘antes de qualquer embate’, em busca de uma ‘união verdadeira e efetiva’ do Brasil.
Com um perfil menos combativo que seu antecessor, Felipe Santa Cruz, e propostas voltadas à ‘ressignificar’ a advocacia, ‘Beto’ foi eleito chefe da OAB nesta segunda-feira, 31, com 77 votos dos 81 conselheiros federais que integram o plenário da OAB Nacional. Compõem ainda a nova cúpula da entidade máxima da advocacia, os advogados Rafael de Assis Horn, vice-presidente; Sayury Silva de Otoni, secretária-geral; Milena da Gama Fernandes Canto, secretária-geral-adjunta; e Leonardo Pio da Silva Campos, diretor-tesoureiro.
Dentro da proposta de uma gestão ‘feita por advogados e para advogados’, Simonetti observa que quer ‘resgatar a dignidade da profissão’. O novo presidente da OAB pretende realizar um censo para desenvolver medidas direcionadas a diferentes necessidades da classe, dando ênfase para temas como a defesa das prerrogativas dos advogados e discussões ligadas a honorários. Um dos temas que o advogado pretende pautar para reflexão da classe ainda em 2022 é o do modelo de eleição para a presidência da entidade.
Confira a seguir a íntegra da entrevista com o novo presidente da OAB:
As eleições das seccionais foram marcadas pelo debate sobre a política de paridade de gênero e cotas raciais? A gestão do sr. vai buscar ampliar esse debate?
Eu vejo essa decisão do Conselho Federal como um avanço muito positivo, a política de inclusão. Eu fui um grande defensor da aprovação, da lei da paridade de gêneros entre homens e mulheres e também da implementação de cotas raciais. Conseguimos fazer a aprovação desses dois temas no pleno. Conseguimos superar o princípio da anualidade, para que pudessem estar implementadas nas últimas eleições. E assim foi feito. Então hoje nós temos um pleno muito mais plural. Não são pleno, nós temos um sistema, o sistema da OAB como um todo, muito mais plural e inclusivo. Foram cinco mulheres eleitas para a presidência de seccionais. Isso traz uma alegria enorme para o sistema. É perceber que nós temos e nós pretendemos ter cada dia mais lideranças femininas a frente da nossa instituição.
O sr. já deu declarações sobre o debate sobre a forma de realização das eleições para a presidência nacional. Qual a opinião do senhor sobre o atual modelo? Defende a eleição direta?
A minha opinião será a opinião que nós tiraremos da conclusão quando isso vier a baila. Eu tenho um compromisso com algumas seccionais e com a própria advocacia como um todo. Somos quase um milhão e trezentos considerados hoje como entidade civil organizada do Brasil. Minha opinião estará vinculada à vontade que que será expressa através da discussão e dos votos que restarão apurados por esse quando essa discussão entrar em pauta.
O sr. é presidente colocar esse tema em pauta logo agora no começo da gestão?
Nós temos um acúmulo de processos que guardam alguma urgência e relevância. Pretendo colocar se se me for permitido ainda no segundo semestre desse ano. Espero conseguir fazê-lo. Eu vou me filiar ao que restar a decisão do pleno, que é o nosso órgão soberano.
Como o senhor avalia a gestão de seu antecessor, Felipe Santa Cruz? Quais pontos pretende manter e reforçar ao longo de sua gestão? Há algum tema em que pretende ir em um sentido contrário?
Eu participo da gestão, sou diretor da gestão e represento nossa diretoria o norte do Brasil na qualidade do secretário geral. Eu tenho muito orgulho de ter ocupado esse cargo, com muita honra, até o último minuto da gestão. Nós tentamos fazer muito. E não conseguimos talvez fazer tudo aquilo que pretendíamos por tudo pelas razões óbvias, que foram trazidas aí os grandes impasses, os grandes impedimentos trazidos pela pandemia. Mas se você quer saber qual vai tirar nossa rota de atuação eu posso te dizer que nós teremos uma gestão de advogados feita para advogados. Teremos os olhos voltados baseada em premissas que interessam diretamente a advocacia. Há muito o que fazer, houve um distanciamento muito grande da advocacia da ordem, portanto uma reconexão é eminente. Essa reconexão que nós pretendemos fazer será através de políticas internas da ordem, de reaproximação. Fazer com que os advogados e advogadas retornem a frequentar a sua casa. No caso o conselho federal, as seccionais e as subsecções. E fazer um resgate de dignidade da nossa profissão. Muitos advogados hoje passam por empobrecimento. Não adianta nós negarmos isso. Seria incoerente tentar tapar o sol com a peneira. Há um empobrecimento muito grande na advocacia. Muitos advogados desistindo de advogar porque não conseguem hoje sua subsistência através do ofício da advocacia. Nós não temos como garantir empregabilidade, mas nós podemos ah implementar novos formatos de política que permita a um advogado, suportados pela ordem, de exercer dignamente a profissão. Entendi doutor. O que eu pretendo é implementar os projetos que nós trazemos conosco. Nós temos inúmeros projetos definidos hoje, através de diretrizes, que é ter os olhos voltados muito mais para a advocacia.
Quais as medidas que o senhor tem e priorizar nesses primeiros meses da gestão?
A gestão certamente deflagrará um censo para nós possamos conhecer a fundo as necessidades da advocacia brasileira e atentos para as peculiaridades e regionalidades. O Brasil tem distâncias continentais, onde as realidades mudam de estado a estado. Então a partir desse censo nós implementaremos políticas de resgate a incessante, intransigente e inflexível defesa das prerrogativas. Uma vigilância sobre a aplicação da lei de abuso de autoridade que já traz consigo um tipo que criminaliza a violação das prerrogativas. Exatamente a questão dos honorários nos é muito cara. Estamos atentos e acompanhando diariamente, agora com a com a retomada do ano judiciário nós voltaremos para dentro os tribunais superiores aonde a discussão hoje está posta para defender exatamente honorários dignos, prerrogativas, condições de trabalho, tudo aquilo que for em benefício da advocacia.
Como será a atuação da OAB no contexto político de 2022?
A ordem continuará cumprindo o seu papel constitucional, sendo colaborando para o equilíbrio do estado democrático de direito, a proteção da cidadania, servindo a advocacia. Registro também de maneira muito enfática e tenho repetido isso de forma recorrente é de que a OAB não pertence a absolutamente nenhum partido político. Nenhum partido político que queira tentar ou ousar fazer gerência na ordem conseguirá fazer com que isso vingue. A OAB é uma instituição que tem uma história combativa ao longo dos seus quase 92 anos. Então o que eu posso dizer é que a ordem não pertence a Lula, a Bolsonaro, a esquerda, a direita, ela pertence a verdadeiramente a advocacia. A ordem estará atenta ao processo eleitoral. Estaremos cumprindo o nosso papel, que sempre cumprimos junto ao Tribunal Superior Eleitoral, em todas as eleições, sobretudo nas eleições presidenciais. E não nos furtaremos a criticar ou mesmo nos insurgir na seara que for quando identificarmos excessos que ofendem a sociedade brasileira e ofendam diretamente o equilíbrio, a estabilidade do estado democrático.
O que o Sr. espera do próximo presidente?
Seja quem for o próximo presidente, o que a ordem tentará desde o primeiro momento é o diálogo. Nós acreditamos muito que o diálogo, antes de qualquer embate, pode dirimir qualquer situação. Nós pretendemos através do debate, a união verdadeira e efetiva do Brasil. Porque o Brasil me parece que o Brasil há muito tempo quer ser um só.
E caso não haja diálogo, a ordem vai estar vai estar atenta?
Sempre atenta e vigilante. E a disposição da advocacia e da sociedade.
Uma questão levantada nessa última gestão foi o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Como se o senhor enxerga essa questão? O sr. chegou a defender o impedimento?
Nós tivemos uma discussão sobre isso e a discussão foi praticamente natimorta. O Conselho Federal, em seu órgão soberano que é o plano do Conselho Federal composto por 81 conselheiros e conselheiras federais rechaçou a possibilidade de nós podermos apreciar.
Como secretário geral da OAB, o senhor lidou com questões relativas ao exame da Ordem, que já foi amplamente atacado pelo presidente Jair Bolsonaro, chegou até chama-lo de ‘caça-níquel’. Como que o senhor avalia essa declaração, essa visão da advocacia em geral?
Eu acho que que os comentários do presidente Bolsonaro, e até me coloquei naquele momento através de quem me deu oportunidade, pedi uma oportunidade para poder explicar ao presidente Bolsonaro a necessidade e a importância da prevalência do exame de ordem. O exame foi dito pelo Supremo Tribunal Federal como constitucional, ele é uma ferramenta importantíssima não só para permitir o ingresso dos bacharéis a classe, mas ele serve como um escudo de proteção à própria sociedade. O exame de ordem ele afere se minimamente aqueles bacharéis tem condições mínimas de advogar e se debruçar com a responsabilidade necessária e a o conhecimento necessário, por exemplo, a proteção da vida, da liberdade, da saúde, disposição de bens, da família. Enfim, todas as questões nas quais um advogado precisa exercer o seu mister.
A ‘politização’ da ordem foi um ponto levantado nas campanhas das seccionais e da OAB Nacional. Qual a opinião do senhor sobre o assunto?
Como eu falei e repito com muita tranquilidade, a ordem pertence aos advogados. A vontade dos advogados é que prevalece. Mas o que eu posso garantir a toda advocacia e a sociedade brasileira é de que a ordem não se imiscuirá. Primeiro, eu tenho que fazer uma defesa da instituição Ordem dos Advogados do Brasil. A história da ordem fala por si só. A história nunca se permitiu ser considerada uma instituição partidária. Repito, não pertence hoje a quem quer que seja, a qualquer ator político nacional, seja Lula, Bolsonaro, o que quer que seja. Ou governo de esquerda, direita ou atender ideologias. A ordem pertence a advocacia. Então, a ordem permanecerá sendo apartidária como foi ao longo de sua história de 92 anos.
Eu gostaria de enfatizar quanto a ordem não ter absolutamente nenhum tipo de preferência política, não ter não seguir a nenhum tipo de ideologia. A ênfase vem exatamente no ponto em que a ordem pertence a vontade da advocacia brasileira. E isso é exatamente o que vai governar essa gestão. É a vontade da advocacia brasileira. E a questão da reconexão, da intenção de ressignificar a advocacia, é exatamente o nosso sentimento nessa gestão.
O ano também deve ser marcado por discussões ligadas à estrutura do Judiciário – proposta de reforma do Judiciário, na Câmara a discussão sobre a redução de idade para a aposentadoria no STF. Como se dará a atuação da OAB nesses casos?
A ordem tem intenção colaborativa nisso, mas a a vontade quanto a reforma do judiciário tem que partir do próprio judiciário e no momento seguinte passar pelo legislativo, no Congresso nacional. A ordem quer se colocar à disposição, caso isso venha a ocorrer, caso essa eventual reforma seja colocada na pauta de prioridades do Brasil. A ordem tem intenção colaborativa. Quer participar do processo, pode ter muito a dizer, mas com certeza tem muito a contribuir.
E em casos ligados a direitos fundamentais, nos quais a ordem se envolveu nos últimos anos? A gente viu uma atuação marcante da entidade ao longo da pandemia, por exemplo. Como se dará essa atuação da ordem nesses casos?
A intenção é que a ordem tem que ouvir esse conselho que chegará, mas eu acho que há um sentimento de consenso em que a Ordem se filie sempre à ciência. A ordem é contra o negacionismo, a ordem deve se filiar certamente à ciência. Nós temos visto os números que se durante essa onda com a nova variante ômicron, que o fato de o protocolo vacinal ter sido cumprido em boa parte da população brasileira, o índice de letalidade do vírus caiu de forma drástica. Então é um fator preponderante para que nós possamos continuar apoiando a ciência.
Então a OAB vai continuar com atuação firme em casos ligados a direitos fundamentais?
Com certeza absoluta. É óbvio a ordem não vai se furtar nenhum debate que venha a defender direitos fundamentais, o estado democrático, a constituição, a cidadania. Mas a ordem procurará, antes de entrar em qualquer embate, procurará travar o diálogo da forma mais urbana possível com quem quer que seja, com quem quer que sejam os atores envolvidos em qualquer questão.
O que o Sr. pensa dos supersalários e penduricalhos que predominam na magistratura, no Ministério Público?
Eu respeito muito a independência das instituições e dos poderes constituídos no Brasil. Eu tenho que conhecer mais a fundo a que estão atrelados esse recebimento de pecúnia. Mas de antemão eu respeito a independência dos poderes e as decisões tomadas por determinadas instituições, ali representadas por quem estiver a chefiar. Mas eu preciso conhecer mais a fundo a que está ligado essas pecúnias acessórias.
Quem é José Alberto Simonetti
Simonetti é advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foi eleito cinco vezes conselheiro federal da OAB pelo Estado e, ao longo dos mandatos, passou pelos cargos de diretor-geral da Escola Nacional da Advocacia, corregedor-geral adjunto, ouvidor-geral do sistema OAB e o atual, de secretário-geral do Conselho Federal. Uma de suas principais atuações foi pela aprovação do projeto que deu origem à Lei de Abuso de Autoridade.
Em sua campanha, Simonetti se comprometeu a investir na interiorização dos sistemas da OAB, para apoiar advogados que atuam fora dos grandes centros urbanos. Outra bandeira é a melhora das condições de trabalho por meio da ampliação dos programas de capacitação e assistenciais. A avaliação é de que a crise da Covid-19 evidenciou a vulnerabilidade em que se encontra boa parte da classe.
Advogado desde 2001, o presidente da OAB tem ascendência no Direito: o escritório da família é o segundo mais antigo nos registros da OAB Amazonas. Seu pai, Alberto Simonetti Cabral Filho, falecido em 2006, foi quatro vezes presidente da seccional da Ordem no Estado. Seu irmão, Alberto Simonetti Cabral Neto, foi conselheiro federal, presidiu a seccional amazonense e assume agora a presidência da caixa de assistência do Amazonas. Como homenagem, Beto batizou sua chapa como ‘OAB de Portas Abertas’, mesma alcunha usada pelo patriarca nas eleições locais.
Estadão Conteúdo
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