Kassab esgarça limites com jogo múltiplo em negociações do PSD

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o ex-presidente Lula (PT) em jantar do grupo Prerrogativas, em dezembro
Foto: Divulgação/Arquivo
Não que seja exclusividade dele nesta fase de incertezas do jogo eleitoral, mas uma passada de olhos pelas falas e movimentações recentes do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, pode dar a impressão aos mais desavisados de que o ex-ministro esteja afoito ou até perdido.

Mas há estratégia, e das sofisticadas, segundo correligionários e potenciais aliados ouvidos pela Folha.

Isso explicaria a existência simultânea do discurso de que o partido terá candidato próprio à Presidência da República, da insinuação (desmentida um dia depois) de aliança com o PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno e do flerte em alguns estados com o PDT de Ciro Gomes.

À primeira vista conflitantes, todas as hipóteses cabem hoje no balaio do ex-prefeito da capital paulista, que em 2011 fundou o Partido Social Democrático com a antológica definição de que a legenda não seria “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”.

A marca do pragmatismo é apontada no universo político como a razão de Kassab para empurrar as conversas até o limite em que seja possível ter algum grau de certeza de que estará perto do projeto com maior chance de vitória, ao lado do objetivo maior de engordar as bancadas da sigla.

O esforço para manter a unidade na agremiação, que comporta simpatizantes de Lula e de Jair Bolsonaro (PL) e busca o rótulo de maior partido de centro no país, está por trás do plano de candidatura autônoma ao Planalto, na visão de interlocutores.

A pré-candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), no entanto, já é descartada, dentro e fora do PSD, diante da postura vacilante do senador. O próprio Kassab indicou concordar com isso ao abrir diálogo com o tucano Eduardo Leite e demonstrar empolgação com o nome do gaúcho.

Apesar de Pacheco ter frustrado seus planos até aqui, o dirigente mantém tom cordial com o aliado, à espera da desistência. É uma demonstração, segundo pessoas que orbitam o ex-prefeito, de seu modo diplomático de fazer política, pouco dado a rompantes ou ataques públicos.

O afastamento dele do governador João Doria (PSDB), por exemplo, ficou restrito aos bastidores. Sua saída do cargo no governo paulista —que nem chegou a assumir, após virem à tona acusações de corrupção passiva e e falsidade ideológica eleitoral— envolveu até elogios abertos.

A ala do PSDB que trabalha pela candidatura de Leite vê condições para avanço com o PSD. Nesta semana, a filiação do governador do Rio Grande do Sul, derrotado por Doria nas prévias tucanas, passou a ser tratada como certa por alas do partido de Kassab.

Leite pediu garantias de que terá coligação robusta e não será abandonado pelo partido. A confirmação da troca só deve ocorrer após a retirada de campo de Pacheco.

Nos cálculos da ala do PSD favorável ao lançamento de postulante próprio ao Planalto, isso ajudaria os candidatos ao Legislativo a se desvencilharem da polarização entre Lula e Bolsonaro. Eles poderão se escorar no nome de um quadro do partido caso optem por uma campanha de tom neutro.

Um dos argumentos em favor da ideia é o de que isso contribuiria para a meta de ampliar as bancadas nos estados e na Câmara, onde hoje há 25 parlamentares do PSD. As projeções mais otimistas falam em dobrar o número de deputados federais e elevar o de senadores dos atuais 11 para ao menos 15.

Por esse raciocínio, o primordial para conter rebeliões em uma legenda heterogênea e repelir rachas é ter candidato próprio. Um integrante do grupo de Leite, que compara Kassab a um piloto que precisa administrar vontades conflitantes, diz que a única rota é equilibrar a situação interna.

Além de Leite —que sofre pressão para continuar no PSDB e passou a ser cotado também como candidato à reeleição no governo gaúcho—, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) é apontado como provável presidenciável do PSD, um cenário tido como mais remoto.

Paralelamente, avança o assédio de Lula pelo apoio do partido ao PT já no primeiro turno, dado que no segundo uma adesão já é dada como certa caso o adversário seja Bolsonaro. O enfrentamento entre os dois é o mais factível à luz das atuais pesquisas de intenção de voto.

Kassab, até então empenhado em rebater a possibilidade de coligação imediata com o ex-presidente, deu sinais em entrevistas na semana passada de que a chance não está fora de seu radar. Ela envolveria, contudo, prós e contras nada irrelevantes.

A vantagem óbvia estaria na expectativa de cargos —o próprio dirigente do partido foi ministro nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB)— em eventual governo de Lula. O ex-presidente se mostra disposto a uma conversão ao centro para ganhar o pleito e conseguir governar.

Um fator determinante nessa equação, porém, é a hipótese de que o ex-governador Geraldo Alckmin se filie ao PSD para ocupar a vice do petista. A sigla de Alckmin é um detalhe no arranjo montado por Lula, já decidido a ter o ex-tucano a seu lado. Para Kassab, no entanto, empecilhos surgiriam.

Apesar do prestígio de ter um vice-presidente do partido, o PSD ficaria com margem de manobra reduzida para pleitear ministérios e outros cargos, dado que já teria espaço nobre na cúpula do governo. Em uma das versões que circulam, Kassab teria interesse ele mesmo na vaga de vice, o que enfrentaria resistência no PT.

Ainda que Alckmin ingresse no PSB (o que é hoje o mais provável), o abraço declarado do PSD a Lula implicaria prejuízo à estratégia de passar pelo primeiro turno à paisana, de certo modo, e assegurar a eleição de deputados antes de escolher um dos lados da corrida presidencial.

Um aceno antecipado na direção do petista embute ainda o perigo de debandada durante a janela partidária, em abril. Por isso, parlamentares consultados pela reportagem afirmam que dificilmente antes do prazo das convenções, em agosto, virá algum compromisso mais definitivo.

Nos últimos dias, Kassab reiterou a deputados que o plano é ter competidor próprio na briga pelo Planalto e afastou a ideia de união com o PT no primeiro turno.

Apesar disso, o ex-ministro avalizou tratativas com petistas e bolsonaristas nos estados. Na Bahia, o senador Otto Alencar (PSD), de perfil lulista, sairia ao governo no lugar do também senador Jaques Wagner (PT), que abriria mão do posto em troca do apoio da legenda ao PT na esfera nacional.

No Paraná, o governador Ratinho Júnior (PSD), eleito com as bênçãos de Bolsonaro em 2018, costura alianças com partidos da base do governo e agora se equilibra entre o histórico de relação com o Planalto e a rejeição de parte de seu eleitorado a essa vinculação.

Ao mesmo tempo, líderes do PSD articulam palanques com o PDT de Ciro Gomes. O caso mais emblemático é do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que fechou um acordo com o pré-candidato pedetista ao governo local e disparou alfinetadas a Lula, depois minimizadas.

O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), esteve com Ciro, mas também é cortejado pelo PT em busca de uma composição na disputa pelo Governo de Minas Gerais.

Dois articuladores da campanha de Ciro ouvidos sob reserva confirmam que as negociações têm a anuência de Kassab. Mesmo com o panorama instável, há a avaliação de que interessa ao PDT ter a sinalização da sigla, única do campo de centro com a qual as conversas têm evoluído.

E assim, entre aproximações momentâneas e recuos táticos que podem confundir aliados e adversários, o patrono do PSD reforça a fama de sempre jogar com mais de uma opção à mão e tentar ganhar tempo, como resumem colegas de partido e líderes envolvidos em costuras com ele.

A eleição de 2022 é encarada, nesses meios, como um teste para a pecha de político habilidoso do ex-prefeito. Ele também é descrito como o artífice de “um novo MDB”, em alusão à composição multifacetada e à aptidão para margear o poder sem tanto apreço a amarras ideológicas.

Ainda que abrigue bolsonaristas e possua até um ministro na gestão Bolsonaro —Fábio Faria (Comunicações), que Kassab considera escolha da cota pessoal—, a sigla buscou manter distância protocolar do presidente e do centrão, bloco que dá sustentação ao atual mandatário. Entretanto, votou com o governo em várias ocasiões.

A visão que o dirigente compartilha com interlocutores é a de que o PSD se traduz hoje como o principal partido de centro no país e está em posição de vantagem na comparação com outros de contornos semelhantes, como MDB, PSDB e União Brasil (fruto da fusão de PSL e DEM).

O entendimento, por essa ótica benevolente, é o de que as demais legendas falharam na solução de cisões domésticas ou estão começando agora processos de unificação que o PSD estabeleceu desde a sua origem, permitindo que, dez anos depois, apresente um clima menos conflagrado.

Isso explicaria o fato de o partido ter hoje seu apoio disputado por diferentes forças, além de figurar como um aliado desejável no Congresso para qualquer governo.

Procurado via assessoria de imprensa, Kassab não atendeu ao pedido de entrevista para esta reportagem.

RAIO-X
Gilberto Kassab, 61
Economista e engenheiro civil, foi secretário de Planejamento de São Paulo (1997-8, governo Celso Pitta, PPB e PTN), deputado federal (1999-2005), vice-prefeito (2005-6, governo José Serra, PSDB) e prefeito (2006-13) de São Paulo, ministro das Cidades (governo Dilma Rousseff, PT, 2015-16) e da Ciência e Tecnologia (governo Michel Temer, MDB, 2016-18). Foi do PL, PFL, DEM e, em 2011, fundou o PSD, que preside.

Joelmir Tavares, Folhapress

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