Ucrânia arma milícias nacionalistas para resistir à ocupação de tropas da Rússia

Foto: Forças Armadas da Ucrânia via Reuters

O ativista ucraniano e miliciano senta-se diante da bandeira de seu partido, deixando pouca dúvida de sua disposição para a ação. A bandeira ostenta dois machados com os cabos unidos, sobre um fundo vermelho. Yuri Hudymenko está pronto para pegar em armas, mas não necessariamente contra a Rússia.

Como membro do Machado Democrático – uma das dezenas de grupos nacionalistas de direita que representam uma força política na Ucrânia e se opõem ferozmente a qualquer concessão a Moscou – sua fúria será direcionada ao governo ucraniano, caso Kiev concorde em concessões em troca da paz.

Moscou concentrou mais de 130 mil soldados na fronteira da Ucrânia, ameaçando invadir a não ser que suas exigências sejam cumpridas: que a Otan descarte a adesão ucraniana e retire suas forças do Leste Europeu.

Continua incerto se os líderes ocidentais e o presidente russo, Vladimir Putin, serão capazes de negociar um acordo. Mas qualquer resolução tende a forçar Kiev a aceitar concessões arriscadas, que poderiam ser desestabilizadoras domesticamente. Nesta semana, por exemplo, o presidente francês, Emmanuel Macron, propôs uma “finlandização” da Ucrânia, que deixaria o país em uma posição neutra entre a Rússia e a Otan, como a Finlândia durante a Guerra Fria.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, tem poucas cartas para jogar em qualquer negociação com Moscou. Talvez sua melhor carta seja a ameaça da insurgência de grupos nacionalistas, como o Machado Democrático e o ainda mais influente Setor da Direita, no caso de invasão russa. Recentemente, o governo até pediu que os partidos nacionalistas obtenham armamento mais pesado.

Mas os grupos são uma faca de dois gumes, ameaçando não apenas o Kremlin, mas também o governo ucraniano, que poderá ser abalado e possivelmente derrubado por eles se Zelenski concordar com um acordo de paz que, segundo sua visão, ceda demais a Moscou.

O chanceler ucraniano e o ministro da Defesa afirmaram recentemente que o maior risco que o país corre é de desestabilização interna sob a ameaça da invasão, não do ataque em si. E, em um país cujos cidadãos tomaram as ruas duas vezes desde o fim do período soviético e depuseram sem cerimônia governos vistos como capachos de Moscou, essa ameaça não é nada remota. Analistas afirmam que Zelenski estaria assumindo riscos extremos, mesmo ao considerar um acordo de paz, motivo pelo qual ele está tão cuidadoso em não mencionar uma possível via de negociação.

Macron quer sacrificar a soberania da Ucrânia para acalmar a Rússia, mas não entende que isso não funciona”, afirmou Oleksandr Ivanov, diretor de um grupo chamado Movimento Contra a Capitulação. “Aqui, a sociedade civil tem mais influência sobre a política do que os partidos políticos.” Para Zelenski, disse ele, “a ameaça da guerra é, na verdade, apenas uma ameaça, enquanto assinar compromissos é a garantia de protestos”.

Hudymenko concorda. Seu escritório tem as paredes decoradas com vários machados e uma besta, um lembrete de que seu partido dá treinamento paramilitar para seus membros. Ele ressaltou que qualquer protesto contra um possível acordo seria pacífico, mas deixou pouca dúvida de que isso resultaria na deposição de Zelenski. Mesmo os principais partidos políticos ucranianos se opõem a fazer concessões e afirmam que convocarão protestos caso o governo se curve demais.

Macron adotou a estratégia de reavivar o diálogo sobre a guerra no leste da Ucrânia como um passo na direção de um acordo mais amplo, que também incluiria negociações a respeito das demandas russas por uma reforma na arquitetura da segurança europeia que reduza o papel da Otan. Sob uma interpretação, o acordo de paz no leste da Ucrânia poderia descartar uma futura adesão da Ucrânia à aliança.

Nacionalistas da Ucrânia ainda são problema

O risco dos grupos nacionalistas entrou em foco no ano passado, quando Zelenski acusou o Machado Democrático de planejar um protesto armado na Praça da Independência, em Kiev, como parte de uma conspiração golpista.

Isso colocou o partido – fundado por um grupo de blogueiros que escolheram o machado como símbolo pela ferramenta ter sido usada tradicionalmente na Ucrânia tanto como utensílio como arma do camponês – no centro das preocupações com a possibilidade de a política de estímulo ao treinamento militar para civis também elevar o risco de instabilidade interna.

Hudymenko, um ex-jornalista e consultor de marketing, de 34 anos, disse que não pode haver nenhum tipo de reconciliação com os separatistas apoiados pela Rússia antes de as tropas russas se retirarem do leste da Ucrânia, onde Moscou fomenta a guerra desde 2014.

Ele disse que mantém em casa um fuzil Kalashnikov e treina frequentemente com a arma, preparando-se para combater os russos. Hudymenko afirma que só usaria seu fuzil durante um protesto se a polícia abrisse fogo contra a multidão, como ocorreu nos protestos de 2014 em Kiev. “Zelenski e seu governo podem estar sob pressão tanto dos ucranianos quanto da Rússia”, afirmou Hudymenko. “Mas, no fim das contas, eles temem o povo ucraniano mais do que temem o Exército russo.”
Estadão

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