Afrouxamento da Ficha Limpa no STF opõe PDT de Ciro a idealizador da lei
Foto: Fabio Texeira/Arquivo/Folhapress |
O julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que flexibiliza a Ficha Limpa, previsto para esta quarta-feira (9), põe em polos opostos um dos idealizadores da lei, o juiz aposentado Márlon Reis, e o PDT do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes. O Supremo analisará um pedido do PDT para que seja encurtado o tempo que um condenado fica inelegível, de pelo menos oito anos, o que tem sido criticado por movimentos contra a corrupção —como o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), fundado por Reis.
A tendência é que, no tribunal, os cálculos sejam flexibilizados ao menos em alguns pontos pelos ministros.
O partido afirma que, com a solicitação, busca acabar com desproporcionalidades em sanções aplicadas devido à Lei da Ficha Limpa. Para o PDT, a atual aplicação da lei provoca uma dupla condenação a quem deseja ser candidato. A tentativa de mudanças que o partido quer aplicar provocou nos últimos anos questionamentos a Ciro, que pretende concorrer novamente ao Planalto e exaltou no passado que era livre de processos. “Sou ficha limpa! Nunca respondi por nenhum malfeito em 38 anos de vida pública”, escreveu em rede social na época da campanha de 2018.
Em dezembro de 2020, o relator da ação, ministro Kassio Nunes Marques, concedeu uma liminar (decisão provisória) favorável ao entendimento do partido. A Lei da Ficha Limpa define que políticos condenados por órgãos colegiados (como tribunais de segunda instância) ou cujo processo tenha transitado em julgado ficam inelegíveis desde a condenação até oito anos depois de cumprirem a pena. A lei lista dez tipos de crimes aos quais se aplica a proibição de disputar eleições, como corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.
A redação original da norma diz que a inelegibilidade tem início na condenação e só acaba oito anos depois de o condenado ter cumprido a sua pena.
Kassio, à época, suspendeu os efeitos da frase “após o cumprimento da pena”, que o PDT considera inconstitucional. Com isso, o cálculo muda e a político fica inelegível por oito anos a partir do momento em que é condenado por um tribunal colegiado. Após esse período, pode concorrer novamente. A questão, que já tem levantado divergências entre os ministros do Supremo, começou a ser julgada em plenário virtual, quando o ministro Luís Roberto Barroso divergiu de Kassio a respeito de alguns pontos.
O principal é que, para Barroso, deve-se apenas deduzir do prazo de oito anos após o cumprimento da pena o período entre a condenação em segunda instância e o trânsito em julgado (quando não é mais possível recorrer na ação). O ministro Alexandre de Moraes enviou o caso para o plenário físico, e a ação foi pautada para esta quarta-feira.
O juiz aposentado Márlon Reis tem defendido ao Supremo, como representante do MCCE, que não haja mudanças na forma como se interpreta a Ficha Limpa. Para ele, o pedido do PDT “vai igualar situações como a de um professor que foi expulso da sua carreira em processo administrativo ao de uma pessoa condenada por narcotráfico”. “Esse dispositivo que querem relativizar se refere somente delitos mais graves”, afirma Reis, citando como exemplo, além do tráfico, homicídio, estupro e corrupção. “Seria um grande retrocesso.”
A Lei da Ficha Limpa, que teve Reis como um dos criadores, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2010.
Márlon Reis largou a magistratura em 2016 e entrou para a política. Concorreu pela Rede nas eleições ao Governo do Tocantins duas vezes em 2018 —uma delas era uma eleição tampão após a cassação do ex-governador Marcelo Miranda (MDB). Atualmente, está filiado ao PSB. O MCCE tem defendido que, com a Lei da Ficha Limpa, o Congresso instituiu a inovação de, em vez do trânsito em julgado da condenação da dar início ao prazo de inelegibilidade, o marco temporal adotado passou a ser a condenação por órgão colegiado.
“Descontar prazos para diminuir o tempo total do período de inelegibilidade constitui uma forma de dizer o que o legislador não quis dizer, sem que haja qualquer violação a comando constitucional”, afirma o movimento. Do outro lado, a advogada do PDT, Ezikelly Barros, faz um contraponto ao argumento de Reis e afirma que, na prática, a mudança na lei “não tornará elegíveis aqueles que estejam cumprindo penas superiores a oito anos”, como homicídio, cuja pena varia entre 12 e 30 anos.
Nesses casos, diz, a Constituição determina a suspensão dos direitos políticos, que é a de votar e ser votado.
“Além disso, ainda no texto constitucional, exige-se ‘o pleno gozo dos direitos políticos’ e a ‘filiação partidária’ para que alguém possa ser candidato, requisitos que só são possíveis de preencher se o indivíduo não estiver cumprindo pena”, diz a advogada. “O que se busca evitar é uma dupla restrição aos direitos políticos do pretenso candidato pela mesma condenação.” Logo após a liminar concedida por Nunes Marques em 2020, o presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que o questionamento judicial havia partido inicialmente do diretório da legenda em Mato Grosso do Sul, por meio do deputado federal Dagoberto Nogueira.
O órgão partidário estadual levou o assunto para a direção nacional, que é a instância com poder para apresentar ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo. A equipe jurídica do diretório nacional concordou com a tese e levou a contestação adiante, com o aval do próprio Lupi, que diz que esse tipo de situação é corriqueiro. “A Lei da Ficha Limpa é infalível, não comete injustiças? Quantos já recorreram [de condenações] e já ganharam recursos?”, disse Lupi à Folha à época.
“Não estamos questionando a Lei da Ficha Limpa. Pegar um artigo da lei e transformar isso numa celeuma, no mínimo é diminuir a inteligência das pessoas. É sobre os prazos de execução da inelegibilidade”, disse o presidente pedetista. Também afirmou que não houve discussão com Ciro a respeito do assunto. Ciro Gomes foi procurado, por meio de sua assessoria, para opinar a respeito da ação do seu partido, mas não se manifestou.
José Marques/Folhapress
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