‘Alvo nº 2’ de Putin, primeira-dama da Ucrânia é roteirista e foi contra marido se candidatar

Foto: Reprodução/Instagram
Diante da vontade do marido de se candidatar à Presidência da Ucrânia, levando para a vida real o papel que exercia como comediante na TV, Olena Zelenska foi contra. “Não fiquei feliz com os planos. Percebi como tudo iria mudar e as dificuldades que iríamos enfrentar”, disse ela à revista Vogue, em uma entrevista em 2019, primeiro ano de mandato de Volodimir Zelenski. “Mas disse que sempre iria apoiá-lo.

Três anos depois, com o país atacado por tropas russas, Olena levou esse apoio a um nível muito mais elevado. Segundo Zelenski, ela e os filhos continuam na Ucrânia, apesar de serem “o alvo número 2 dos inimigos” –o número 1 é ele, conforme disse em um discurso televisionado na última quinta-feira (24), primeiro dia do ataque comandado por Vladimir Putin ao território do país vizinho.

“Eles querem destruir politicamente a Ucrânia destruindo o chefe de Estado”, disse Zelenski. “Eu continuarei na capital. Minha família também está na Ucrânia. Meus filhos estão na Ucrânia. Minha família não é traidora, eles são cidadãos da Ucrânia”, continuou, referindo-se a Aleksandra, 17, e Kiril, 9.

Roteirista e fundadora do maior estúdio audiovisual da Ucrânia, Olena, que acaba de completar 44 anos, embarcou na aura de heroísmo que o Ocidente tem conferido a Zelenski no conflito. Na sexta-feira (25), em um post com uma foto da bandeira ucraniana em sua conta de mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, ela se dirigiu à população, dizendo que “enxerga todo mundo na TV, nas ruas, na internet”.

“Vocês são incríveis. Estou orgulhosa de viver no mesmo país que vocês… Hoje eu não terei pânico nem lágrimas. Ficarei calma e confiante. Minhas crianças estão me olhando, eu estarei perto delas e perto do meu marido e com vocês. Amo vocês! Amo a Ucrânia.”

Dois dias depois, ela postou a foto de uma bebê que nasceu em um bunker antibombas em Kiev, louvando os médicos e as pessoas que ajudam a cuidar dela. “Nós somos o Exército, e o Exército somos nós. E as crianças nascidas em abrigos antibombas vão viver em um país pacífico que defendeu a si mesmo.” Nesta terça (1º), Olena publicou uma homenagem às mulheres que lutam no front.

Olena se casou com Zelenski em 2003 —quando recebeu o sobrenome do marido, com a variação para o feminino, Zelenska, como acontece nos idiomas eslavos. Eles são da mesma cidade, Krivi Rih, na região central do país, onde o russo é a língua predominante, e foram colegas de escola, mas se aproximaram na universidade, quando ele estudava direito e ela, arquitetura, que trocou pela carreira de escritora.

Uma das fundadoras do Studio Kvartal 95, que produz séries, filmes e programas de entretenimento, ela escreveu roteiros de programas e filmes de humor. À Vogue disse que sempre preferiu os bastidores, enquanto o marido aparecia “em primeiro plano”. “Eu me sinto mais confortável na sombra. Não sou de festas, não gosto de contar piadas”, disse. “Sou uma pessoa não pública. Mas as novas realidades exigem suas próprias regras, e estou tentando cumpri-las.”

De fato, ela acompanhou o marido nos compromissos de campanha, posando para fotos ao lado dele. Depois da vitória na eleição, puxada pela onda antipolítica que levou os eleitores a preferirem um outsider, afirmou que continuava escrevendo roteiros, mas também seguiu o script de outras primeiras-damas pelo mundo, assumindo causas sociais ligadas à saúde infantil, igualdade de gênero e diplomacia cultural.

Olena trabalhou em programas voltados a melhorar a nutrição de estudantes, combater a violência doméstica e difundir a língua ucraniana no exterior, com a introdução de audioguias no idioma em museus pelo mundo, por exemplo. Ela também apoia atletas paraolímpicos do país. A diplomacia cultural da primeira-dama inclui usar roupas de designers ucranianos e promovê-los quando questionada pela imprensa do Ocidente sobre qual é a marca de seus looks –algo que ela diz acontecer com frequência.

O casal não costuma expor publicamente os filhos, apesar de a mais velha, cujo apelido é Sasha, já ter atuado em alguns filmes. Já Olena Zelenska não tem muita escolha. Desde o início da guerra, seu perfil no Instagram ganhou quase 300 mil seguidores, e o interesse pela primeira-dama nas buscas do Google, de acordo com a ferramenta Trends, cresceu 900% na última semana em relação à anterior.

O paradeiro dela e dos filhos, porém, é segredo de Estado. “Onde exatamente eles estão eu não tenho o direito de dizer”, afirmou o presidente, no discurso em que afirmou que não abandonariam o país.

QUEM É VOLODIMIR ZELENSKI

Assim como a esposa, Volodimir Zelenski também tem 44 anos. Ele foi eleito líder do país após ficar famoso interpretando justamente um presidente ucraniano em uma série de TV.

Judeu, reagiu às acusações de Putin de que a Ucrânia é hoje comandada por uma gangue de neonazistas e afirmou que três de seus tios-avôs foram mortos no Holocausto. “Como eu poderia ser nazista? Diga isso a meu avô, que passou a guerra inteira na infantaria do exército soviético e morreu como coronel na Ucrânia independente”, afirmou, em entrevista ao jornal americano The New York Times.

Sem experiência política nenhuma antes de se candidatar, Zelenski tomou emprestadas várias das características da série de comédia que o alçou ao estrelato —na qual interpreta um professor de história que viraliza na internet com um vídeo em que desabafa contra a corrupção e acaba eleito presidente do país.

Na vida real, deu o mesmo nome do programa de TV ao seu partido, o Servo do Povo, e tinha na luta contra a corrupção sua principal proposta —ou única, já que um dos motes da campanha, em tom de piada, era que “quem não tem promessas não decepciona”.

Em meio a uma onda antipolítica e com uma campanha quase toda feita pela internet, venceu com 73% dos votos no segundo turno o então presidente Petro Porochenko, que buscava um segundo mandato.

Zelenski herdou uma guerra civil no leste de seu país, uma economia colapsada pela disputa e o conflito pela Crimeia, que havia sido anexada pela Rússia em 2014 como reação à revolta ucraniana que, no mesmo ano, tirou do poder um governo pró-Moscou.

Minutos após assumir o cargo como presidente, dissolveu o Parlamento, expediente previsto para os líderes do país, e convocou eleições legislativas na expectativa de consolidar seu poder —conseguiu, de fato, maioria de assentos na Casa. No comando do país, pôs entre seus conselheiros colegas de sua companhia de comédia Kvartal 95, a mesma que o tornou famoso antes de entrar na política.

Mesmo prometendo negociar com a Rússia para resolver os conflitos no leste, deixou claro que seu governo colocava a Ucrânia mais próxima do Ocidente do que de Moscou.

Flávia Mantovani/Folhapress

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria.