China espera o butim enquanto velocidade da guerra na Ucrânia agonia Rússia e Ocidente
Foto: Alexei Drujinin/AFP |
Nesses dez dias que abalaram o mundo, roubando aqui o título do clássico de John Reed sobre o golpe revolucionário bolchevique de 1917, muitas verdades de consumo instantâneo surgiram sob as lagartas dos tanques de Vladimir Putin na Ucrânia.
Uma das mais repetidas é a suposta ressurreição da Otan, a aliança militar ocidental criada em 1949 para deter o rolo compressor de Stálin sobre as ruínas europeias. Suposta pois, como aliança militar, a Otan não cumpre seu objetivo de fundação. Mostra-se fraca e insegura.
A definição é de quem está com as bombas sobre a cabeça, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. Ele se queixava de que o clube não havia topado fazer uma zona de exclusão aérea sobre seu país, o que colocaria ocidentais e russos um na mira do outro.
Para o mundo, claro, é melhor que seja assim: uma Otan que fosse inclinada a agir militarmente nos garantiria uma Terceira Guerra Mundial, o que dá a Putin uma vantagem de saída algo assustadora. E mesmo esse risco segue no radar, a depender da leitura que o russo fizer de movimentos como o envio de armas ofensivas para Kiev ou mesmo de sanções mais duras, como ele já ventila.
Por ora, os EUA, secundados pelos aliados, apostam na Primeira Guerra Mundial das Sanções, com o isolamento sem precedentes da Rússia do sistema internacional. É um cabo de guerra. Até agora, por toda a destruição prevista de sua economia e talvez base de apoio interna, Putin não piscou.
Mesmo quando associou as sanções a atos de guerra, na sexta (4) e no sábado (5), ele o fez desdenhando do efeito até aqui. Mas se a carestia vertical na sociedade, dos oligarcas bilionários aos moradores dos rincões russos, apertar, como tudo indica que irá, a ideia de um presidente acuado com armas nucleares não soa confortável.
Seja como for, a esta altura, sua campanha, problemática como está sendo para ele por não ter quebrado Kiev de forma rápida, prossegue num crescendo de violência.
A perspectiva de um conflito mais longo apavora a todos. Ucranianos, pelo evidente sofrimento de sua população. O Kremlin, por abrir a porta para a exaustão militar que obrigue a escaladas de violência que podem ou não condizer com seu objetivo —que é sempre presumido. Ninguém sabe até onde Putin irá.
O Ocidente, pois sem uma derrota rápida de Putin os efeitos da quimioterapia das sanções começarão a afetar o paciente como um todo. Há sinais disso aqui e ali, e quando o jogo chegar, de fato, aos setores de hidrocarbonetos, será mais fácil mensurar o estrago fora da Rússia.
Sujeito oculto desse jogo, a China mira o distanciamento. Quando tudo acabar, se não for com o apocalipse, será o principal ator a observar. Aliado de Putin, a quem abraçou como irmão numa cruzada contra as pressões ocidentais, Xi Jinping tem se mantido discreto.
Não condenou a guerra e criticou as sanções, como seria óbvio, mas tem adotado uma linha de buscar ponderação. Olhou de lado quando foi acusado de saber do conflito e ter pedido seu adiamento devido aos Jogos de Inverno de Pequim, encerrados quatro dias antes da primeira explosão.
Xi está tomando nota das lições que vê, e Washington resolveu desenhar ao reunir o Quad nesta semana. A aliança com Japão, Índia e Austrália lembrou os chineses que a reação à invasão é um modelo a ser seguido no caso de Taiwan, a ilha que Pequim vai tentar reabsorver.
À falta de sutileza se soma o fato de que a China teria muito mais a perder do que a Rússia num embate desses. Se alguma acomodação entre a ditadura e os EUA sairá desse entrechoque, que no outro extremo verá um mundo dividido em blocos e os russos no colo dos chineses por falta de opção, é algo a ver.
Mas as condições de navegabilidade para Xi são razoáveis enquanto aguarda o butim, até porque o Ocidente não sairá bem dessa crise por mais que se venda como unido nas telas de TV e celular.
Igor Gielow / Folha de São Paulo
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