Onda de mulheres vices reflui, e eleitas em 2018 traçam novos planos para 2022
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Quatro anos depois de uma onda que abriu espaço para uma presença recorde de mulheres em disputas majoritárias, as eleições de outubro indicam que haverá menos espaço para candidaturas femininas aos cargos mais importantes em disputa em 2022.
No ano em que a conquista do voto feminino no Brasil completa 90 anos, o país vive um panorama de maior pragmatismo dos partidos, o que fortalece a aposta em nomes da política tradicional, em sua maioria homens, para a disputa nacional e também nos estados.
O principal sintoma do menor espaço está nas vice-governadoras. Das sete que foram eleitas em 2018, nenhuma vai concorrer ao mesmo cargo este ano. Duas são cotadas para concorrer a governos estaduais, mas sem garantia de apoio aos seus nomes pelas coalizões nos estados.
O avanço do número de vices há quatro anos aconteceu na esteira da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que definiu que ao menos 30% do fundo público de financiamento de campanhas deve ir para candidaturas femininas. Naquele ano, foram 67 candidatas a vice, contra 45 em 2014.
Para os demais cargos majoritários, a situação não é diferente. Até fevereiro, foram lançadas ao menos 24 pré-candidaturas a governos estaduais, mas apenas 10 dentre os maiores partidos do Congresso. Para o Planalto, são pré-candidatas a senadora Simone Tebet (MDB) e a líder sindical Vera Lúcia (PSTU).
Única governadora eleita em 2018, Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte, concorrerá à reeleição. Também são cotados nomes como os da prefeita de Caruaru, Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco, e o da ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), em Roraima.
Dentre as vice-governadoras, Izolda Cela deve assumir o governo do Ceará em abril, com a renúncia do governador Camilo Santana (PT) para concorrer ao Senado. Mesmo com a missão de completar o mandato, ela ainda disputa com outros três postulantes a pré-candidatura ao governo do estado pelo PDT.
De perfil técnico e com uma trajetória ligada à educação, Izolda começou a ganhar força nos últimos dias, sobretudo por um nome que enfrentaria menos resistência da ala do PT cearense que defende candidatura própria em detrimento da manutenção da aliança com o PDT.
Não é o caso de Lígia Feliciano (PDT), da Paraíba, que adotou nos últimos meses um discurso de oposição ao governador João Azevêdo (PSB), candidato à reeleição. Apesar de se assumir como candidata ao governo, está isolada politicamente frente aos três principais grupos políticos do estado.
Assim como Izolda Cela, a vice-governadora do Piauí, Regina Sousa (PT), também deve assumir o comando do governo do estado em abril com a renúncia do governador Wellington Dias (PT) para ser candidato ao Senado.
Mas Regina não é cotada para concorrer à sucessão: o PT escolheu o secretário estadual da Fazenda, Rafael Fonteles, como pré-candidato ao governo, em uma chapa que deve ter outro homem, o deputado estadual Themístocles Filho (MDB), como candidato a vice.
À Folha Regina celebra a provável ascensão ao cargo de governadora em abril e diz que não pleiteou concorrer à sucessão por uma decisão pessoal: “Se quisesse concorrer, teria apoio. Mas não tenho mais muito apetite para fazer política”.
As articulações em curso devem resultar em uma chapa sem presença feminina, ao contrário de 2018 e 2014, quando Wellington Dias teve mulheres como vice. Para Regina Sousa, o cenário é resultado das negociações para manter a aliança que sustenta o governo petista no Piauí.
“Pesa essa questão da coalizão. Não é uma coisa simples, e às vezes, a gente perde espaços. Ninguém governa sozinho”, diz.
Das outras quatro vice-governadoras eleitas em 2018, ao menos três anunciaram que são candidatas a deputada federal, a despeito de poderem legalmente concorrer ao mesmo cargo. São elas Eliane Aquino (PT), de Sergipe, Daniela Reinehr (PL), de Santa Catarina, e Jacqueline Moraes (PSB), do Espírito Santo.
Luciana Santos (PC do B), vice-governadora de Pernambuco, é pré-candidata ao Senado. Mas sua candidatura ainda depende de um consenso na base aliada do governador Paulo Câmara (PSB), que tem outros pré-candidatos ao cargo.
Presidente nacional do PC do B, ela afirma que seu partido dá espaço e valoriza candidaturas de mulheres para cargos majoritários. Por outro lado, lembra que a escolha para candidaturas de governador e senador, por exemplo, são fruto de ampla composição de diferentes forças políticas.
“Quanto mais ampla a frente, mais a subjetividade do machismo se apresenta e, portanto, há mais dificuldade para viabilizar as mulheres em posições de candidaturas majoritárias”, afirma.
Apesar de reconhecer o crescimento da presença de mulheres nas majoritárias em 2018, Luciana destaca que será difícil repetir este cenário nas eleições de outubro.
“Estamos em um ambiente de muitos retrocessos sob a presidência de Bolsonaro, há uma ausência completa de políticas que promovam o papel da mulher. O cenário não é muito alvissareiro em função desse retrocesso”, diz.
Eliane Aquino (PT), vice-governadora de Sergipe, tem uma avaliação semelhante. Ela diz que falta continuidade na trajetória política de parte das mulheres que assumem cargos eletivos, resultado da falta de espaço em ambientes de decisão nos partidos.
“A mulher ocupar a posição de vice em uma chapa majoritária é importante. Mas daí para chegar nos espaços centrais de poder é outra luta”, diz Aquino, que se lançou pré-candidata a deputada federal.
Primeira vice-governadora do Espírito Santo, Jacqueline Moraes (PSB) também vai disputar um assento na Câmara dos Deputados –segundo ela, esse é o “trajeto normal” dos vice-governadores no estado.
Ex-camelô e ex-vereadora, Jacqueline também reforça que, historicamente, os partidos políticos não dão espaço às mulheres. Em 2016, idealizou a campanha Não Seja Laranja, que condena práticas que colocam a mulher como uma espécie de figurante do processo eleitoral e político. Em 2019, a Folha revelou a existência esquemas de candidaturas laranjas nos estados de Pernambuco e Minas Gerais.
Para Jacqueline Moraes, ainda há uma série de obstáculos a serem superados. “Assumi o governo três vezes nesses últimos quatro anos e sempre escutei coisas do tipo ‘a senhora vai dar conta?’, ‘a senhora tem medo?’ como se fosse uma incapacidade. Existe o conceito de que a mulher não dá conta do recado e esse é um estereótipo que precisamos quebrar”, diz ela.
No campo bolsonarista, deve ser candidata a deputada federal a vice-governadora de Santa Catarina Daniela Reinehr (PL), rompida com o governador Carlos Moisés (sem partido) desde 2020.
Professora da Universidade Federal de Pernambuco, a cientista política Priscila Lapa reforça que a consolidação de um ciclo político conservador entre 2019 e 2022 tende a deixar em segundo plano a pauta da participação das mulheres na política.
“A gente vinha numa crescente das agendas femininas, seja com mais mulheres candidatas, seja com candidaturas mais competitivas. Mas em 2022 devem prevalecer pautas mais pragmáticas. A variável do voto feminino perde fôlego em comparação com 2018”, avalia.
Por outro lado, ela destaca que o bolsonarismo abriu espaços para a ascensão de mulheres no campo conservador, caso da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), que deve ser candidata ao Senado.
“É um perfil de candidata que defende que a mulher na política não necessariamente representa o rompimento com a tradição”.
Victoria Azevedo e João Pedro Pitombo / Folha de São Paulo
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