Auxílio Brasil supera emprego formal em quase metade dos estados

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Em quase metade dos estados brasileiros, o número de famílias contempladas com o Auxílio Brasil supera a quantidade de vínculos de emprego de carteira assinada registrados pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Em fevereiro, 12 das 27 unidades federativas (contando o Distrito Federal) tinham mais famílias recebendo o auxílio do que o estoque de vagas formais, a partir dos dados do Caged. Naquele mês, eram 41,2 milhões de brasileiros com carteira assinada, segundo o cadastro.

A comparação considera o número de famílias beneficiadas com ao menos R$ 400 em cada mês e o estoque de empregos, que é a quantidade de vínculos formais de trabalho, no mesmo período, incluindo o setor público. A diferença em relação ao Auxílio Brasil é visível nos estados do Nordeste e Norte.

Uma reportagem recente do site Poder 360 já mostrava esse comparativo entre beneficiários e profissionais de carteira assinada em fevereiro. ​Ao se olhar para a série histórica, também é possível perceber que esse cenário piorou em relação ao fim do ano passado, quando eram nove estados nessa situação.

No Maranhão, por exemplo, eram 962,3 mil famílias beneficiadas em novembro passado, ante um estoque de 526,2 mil empregos; no Pará, 957,2 mil, ante 526,2 mil empregados formais; em Alagoas, 412,8 mil lares recebendo o auxílio, ante 375,3 mil vagas formais em estoque no Caged. Em fevereiro, pelos dados mais recentes, o número de beneficiados no Maranhão já havia subido 15%, para 1,11 milhão de famílias, enquanto o estoque de vagas formais permaneceu praticamente estagnado ante novembro, somando 529,2 mil vagas.

Um movimento parecido no período, de aumento nas famílias no Auxílio Brasil, ocorreu no Pará (20%) e em Alagoas (17%). Já o emprego não conseguiu acompanhar os beneficiados pelo programa no mesmo ritmo: no Pará, houve uma queda de 0,6% no estoque; em Alagoas, de 0,1%. O Caged considera apenas os postos de emprego com carteira assinada, enquanto boa parte da recuperação do mercado de trabalho desde a pandemia tem se dado pelo trabalho informal.

Esses movimentos, segundo analistas, podem ter ocorrido tanto por um aumento no número de pessoas buscando o Auxílio Brasil quanto por um maior conhecimento a respeito do novo programa de transferência de renda. Em fevereiro, o Caged apontou que o país registrou a criação líquida de 328,5 mil empregos com carteira assinada, o que significa uma retração de 17% ante o mesmo mês do ano passado. Além disso, os salários iniciais dos trabalhadores voltaram a cair.

A remuneração média para quem foi contratado em fevereiro foi de R$ 1.878,66, 3% menos do que em janeiro e 2,4% inferior a um ano antes (já considerando valores corrigidos pela inflação), ainda de acordo com dados do Ministério do Trabalho. “Isso comprova que, mesmo com uma melhora do emprego, as famílias vão continuar dependendo dos programas de transferência em um cenário em que a renda das famílias está em queda”, diz Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós Desenvolvimento Social.

Ele lembra que a renda por pessoa naquele domicílio é o principal critério para a entrada e permanência em programas como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil. “Mesmo que o chefe da família tenha emprego, seu salário pode não ser suficiente para manter a casa e ele acaba tendo de entrar no programa. A renda do trabalho não é suficiente para tirar as famílias da pobreza, o emprego deixou de ser garantia de segurança.”

No ano passado, o rendimento domiciliar per capita (por pessoa) foi de R$ 1.367, um patamar 0,94% menor que o registrado em 2020, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso, mesmo sem considerar a inflação, de 10,06% em 2021 e que continua apertando o bolso dos brasileiros neste ano.

A manicure Luana Santana, 29, é um exemplo disso. Sem vínculos formais de trabalho, ela conta com o programa para ajudar no sustento dos dois filhos, enquanto tenta recuperar a clientela perdida durante a pandemia. “É uma ajuda da qual a gente não pode abrir mão, ainda mais com os preços no supermercado subindo tanto.”

Nos estados em que o estoque de trabalho formal é menor do que o número de famílias no Auxílio Brasil, a renda domiciliar per capita está abaixo da média nacional. É o caso de Maranhão (R$ 635), Pará (R$ 847), Acre (R$ 888) e Alagoas (R$ 777), por exemplo.

DIFERENÇAS REGIONAIS PERMANECEM COMO DESAFIO PARA O AUXÍLIO BRASIL
O Auxílio Brasil substituiu o Bolsa Família em novembro passado, após 18 anos de existência do programa original. Essa foi a forma que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) encontrou para criar uma bandeira na área social que substituísse uma das marcas dos governos petistas.

A busca de popularidade entre a população mais vulnerável também é importante para o presidente, que deve buscar a reeleição no pleito de outubro, quando poderá enfrentar o ex-presidente Lula (PT). “O programa é uma continuação do Bolsa Família, que foi criado com o objetivo de aliviar pobreza. Ao se olhar os efeitos de longo prazo, pode-se perceber o quanto benefícios como ele são importantes para toda a família, ainda que os resultados variem de região para região”, diz o economista Paulo Tafner, do IMDS (Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social).

Ele comandou um estudo recente, antecipado pela Folha, que mostra que apenas 20% dos dependentes do Bolsa Família ainda precisavam do programa após 14 anos.

Tafner ressalta que o sucesso do Bolsa Família e do Auxílio Brasil, embora não deva ser medido pelas crianças e jovens que conseguiram sair do programa, também se reflete nesse aspecto, já que muitas famílias vulneráveis puderam fazer com que seus filhos acumulassem capital humano.

Uma das principais críticas feitas ao substituto do Bolsa Família, no entanto, é que o benefício mínimo de R$ 400 está garantido até o fim deste ano. Os especialistas em políticas públicas temem que a medida siga apenas interesses eleitorais e que as famílias tenham uma nova queda brusca na renda a partir do ano que vem.

“O Brasil precisa reduzir as diferenças regionais, com mais oportunidade de emprego e aumento da renda média, para que as chances que um trabalhador tem de deixar de depender do programa aumentem”, diz o economista Bruno Ottoni, da IDados. O economista complementa que um dos melhores caminhos para reduzir esse cenário, embora seja uma medida de médio a longo prazo, é o investimento em educação e capacitação para o mercado de trabalho.

“Não é fácil resolver esse problema e a gente costuma pensar em respostas prontas. No caso do Ceará, a escolaridade melhorou muito e é impressionante o que fizeram em termos de ganho, mas o mercado de trabalho era fraco antes, com rendimento médio baixo e desemprego alto, e continua praticamente do mesmo jeito.”

Podem pedir o auxílio as famílias em situação de extrema pobreza, com renda mensal per capita de até R$ 105, e em situação de pobreza, com renda mensal de até R$ 210 por pessoa, segundo o Ministério da Cidadania. São cerca de 18 milhões de famílias beneficiadas em todo o país.

A consulta ao valor que a família irá receber pode ser feita por meio do aplicativo Caixa Tem, no telefone 111 da Caixa Econômica Federal e pelo aplicativo do Auxílio Brasil.

Também é possível checar os valores pelo aplicativo Meu CadÚnico e na central de relacionamento da Cidadania, pelos telefones 121 ou 0800-7072003.

Douglas Gavras / Folhapress

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