Crise com Congresso e crítica a militares isolam Supremo em ano crucial
Aviões raramente caem por um só motivo, diz o clichê padrão após desastres aéreos. Crises envolvendo instituições seguem o mesmo roteiro: são montadas a partir de elementos às vezes imiscíveis, até formar um quadro coerente de entropia.
É sob essa ótica que pode ser lida a crise provocada por Luís Roberto Barroso ao criticar o suposto uso que Jair Bolsonaro faz das Forças Armadas para minar o sistema eleitoral brasileiro. Foi um erro tático que poderá ter repercussões estratégicas em um ano tão crucial para a democracia.
Primeiro, é preciso separar os fatos. Bolsonaro de fato tenta sempre que pode usar o estamento fardado em favor de suas maquinações golpistas, colocando comandantes de Forças e o ministro da Defesa em saias justas. Em março do ano passado, isso resultou numa ruptura inédita, com a queda de toda a cúpula militar.
O general Walter Braga Netto assumiu com muito mais desenvoltura o papel de ministro da Defesa comprometido com o bolsonarismo, e ganhou a virtual cadeira de vice na chapa do chefe como recompensa.
Seu sucessor, o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio de Oliveira, é bastante mais moderado e até aqui se equilibrou ante as pressões do chefe, mas foi colocado na parede pelas críticas de Barroso.
Que se mostram algo esotéricas, já que não há notícia de que fardados da ativa trabalhem contra a Justiça Eleitoral. Barroso parece crer que as 48 perguntas feitas pelo Exército acerca do funcionamento do sistema eletrônico de votação são equivalentes a uma saraivada de petardos bolsonaristas enviados a pedido do presidente.
Os fardados foram trazidos para dentro do Tribunal Superior Eleitoral por obra e graça do próprio, numa aparente tentativa de desarmar Bolsonaro de suas argumentações contra as urnas eletrônicas. Não só tiveram suas questões aceitas e respondidas como haverá um general numa comissão de transparência do pleito deste ano.
Assim, se o arranjo soa estranho, ainda mais com a instrumentalização explícita que o presidente faz das Forças, ele não caiu do céu. O TSE ajudou a criar essa imagem de militares como fiadores do processo. Até aqui, o único questionamento feito pelo Exército foi acerca do tamanho da amostragem de urnas eletrônicas pós-pleito, nada bombástico.
Restaria então saber lidar para reduzir fricções, e Barroso foi no sentido contrário, gerando críticas de alguns de seus colegas do domingo (24) para a manhã desta segunda (25). Não que haja algum temor objetivo de golpe na corte, mas a quebra de interlocução em um ano em que as próprias Forças Armadas veem risco de violência associada a resultados eleitorais não parece sábia.
Voltando ao acidente aéreo, o problema é também de contexto. A troca de farpas entre o ministro e Paulo Sérgio ocorre sob o impacto da condenação do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) pelo Supremo, suspensa por uma graça concedida por Bolsonaro, no maior embate técnico entre Planalto e a corte até aqui -retoricamente, nada superou os atos golpistas do Sete de Setembro de 2021.
O inquérito das fake news, dentro do qual Silveira foi fisgado, é um dos maiores calcanhares de Aquiles do Supremo em relação a seus críticos. Entre eles, o generalato, inclusive a maioria que nunca embarcaria numa aventura golpista. Juiz julgando caso no qual ele é vítima é de difícil absorção, e de muito fácil entendimento para os bolsonaristas espalharem desinformação.
O problema para a corte, aqui, é outro. Silveira é um personagem menor, mas vale na Câmara o mesmo que o artigo 5º da carta da Otan, a aliança militar ocidental: ataque a um é ataque a todos. Logo, o Congresso está lado a lado com o Executivo nessa contenda, já que muitos por lá têm alguma pendência com o STF.
É algo suprapartidário: não há casualidade no silêncio do ora favorito para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no episódio.
O grau do isolamento do Judiciário pode ainda crescer, caso o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), faça valer o dispositivo de suspensão de processos contra parlamentares, como vem sendo pressionado a fazer. Com tudo isso, fragiliza-se no processo um pilar central para que o país atravesse esse crucial ano e suas turbulências.
Igor Gielow/Folhapress
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