Fundão de R$ 5 bi aumenta gargalo da Justiça Eleitoral para fiscalizar contas
A Justiça Eleitoral terá o desafio de fiscalizar o uso de R$ 5 bilhões de verba pública destinada à campanha de 2022 com estrutura similar à de quatro anos atrás, quando o fundo eleitoral era de R$ 1,7 bilhão.
A análise da prestação de contas dos partidos e candidatos é um gargalo histórico tanto de tribunais regionais eleitorais quanto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que às vezes leva mais de cinco anos para finalizar um procedimento desta natureza.
Agora, como o dinheiro envolvido é ainda maior, há o temor de que esse cenário piore.
As cortes têm obrigação de apreciar as contas dos políticos eleitos antes da posse no mandato. Para as demais campanhas, no entanto, geralmente não se dá prioridade.
A prestação de contas das eleições de 2014 dos candidatos a presidente Marina Silva (Rede) e Aécio Neves (PSDB), por exemplo, só foram aprovadas em 2019, quando o mandato de Dilma Rousseff (PT), que venceu aquele pleito, já havia terminado. Nos tribunais estaduais, a morosidade é similar.
Além da demora, a Justiça Eleitoral também é alvo de críticas históricas sobre a falta de rigor na verificação que é feita nas contas. O TSE aprovou, por exemplo, diversas contas partidárias e de candidatos em que mais tarde foram identificadas, principalmente pela operação Lava Jato, diversas irregularidades, como casos de caixa dois.
Para dar vencimento da demanda prevista para este ano, o TSE avalia a possibilidade de recriar o Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral, que foi adotado nas últimas três eleições e é formado por cinco órgãos: Receita Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Ministério Público Eleitoral, Polícia Federal e o próprio tribunal.
A parceria entre os órgãos, segundo o TSE, permite o cruzamento de dados que facilita a identificação de irregularidades.
Questionado pela reportagem, o Tribunal Superior Eleitoral também afirmou que contratou, em 2019, dez novos funcionários para a área de verificação das prestações de contas a fim de reforçar a equipe do setor.
A área técnica do tribunal é responsável por opinar sobre as contas analisadas, mas a decisão sobre eventual punição a candidatos ou partidos é do plenário da corte, composto por sete ministros.
“Após o batimento das informações de relatórios de gastos, extratos bancários, notas fiscais eletrônicas, recibos de doação, cheques e demais documentos, os técnicos elaboram um parecer conclusivo, que, somado ao parecer do Ministério Público Eleitoral, pode servir de fundamento para a decisão do ministro-relator”, diz o tribunal.
Ao TSE, cabe receber a prestação de contas dos candidatos a presidente e também analisar os repasses dos diretórios nacionais dos partidos aos comandos estaduais da legenda.
Ainda não está definido qual será o teto de gastos dos candidatos ao Palácio do Planalto. No último pleito, o montante ficou em R$ 70 milhões.
Já os tribunais regionais eleitorais ficam responsáveis por verificar as movimentações financeiras dos concorrentes a deputado estadual e federal, senador e governador.
Nesse caso, os candidatos que ficarem insatisfeitos com uma decisão da corte local podem recorrer ao TSE, o que ajuda a aumentar a fila de procedimentos desta natureza que a corte superior precisa analisar.
O Judiciário pode aprovar as contas plenamente ou com ressalvas e também pode desaprovar as contas, além de determinar o pagamento de multa. Em 2018, por exemplo, o TSE aprovou as contas do então recém-eleito presidente, Jair Bolsonaro (PL), com ressalvas.
Na ocasião, a área técnica da corte identificou irregularidades em movimentações financeiras da campanha. No entanto, os ministros afirmaram que as inconsistências não foram suficientes para desaprovar as contas.
O ex-ministro do TSE e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral, Marcelo Ribeiro, afirma que o tribunal tem evoluído e que na década de 1990 a fiscalização era ainda mais precária. Desde 2005, segundo ele, a corte passou a dar mais importância para o tema.
Apesar disso, ele afirma que esta é uma área que o tribunal enfrenta muita dificuldade.
“O exame antigamente era muito superficial e era mais demorado. Está cada vez melhorando mais, mas ao mesmo tempo a função fica mais complexa e a verba mais volumosa. Fica difícil manter as prestações rigorosamente em dia”, avalia.
Ribeiro diz acreditar que só com um contingente de pessoal muito maior seria possível resolver esse gargalo da Justiça Eleitoral. “O tribunal está muito empenhado em analisar as contas da maneira mais rápida possível, mas é muito difícil, são milhares e milhares de contas. Teria que haver um número de funcionários muito grande para vencer tudo isso numa rapidez maior, que é o desejável”, afirma.
O ex-ministro do TSE Henrique Neves também chama a atenção para o fato de a prestação de contas ter se tornado ainda mais importante após a proibição do financiamento empresarial das campanhas, em 2015, e a criação do Fundão Eleitoral, em 2017. “Quanto maior o volume de recursos públicos utilizados, maior a responsabilidade de verificar sua boa aplicação”, diz.
PARA QUE SERVE O FUNDO ELEITORAL
O que é?
É uma verba pública que os partidos recebem em ano eleitoral para financiar campanhas. Em 2018, equivalia a cerca de R$ 1,7 bilhão. Em 2020, foi de R$ 2 bilhões.
Qual o valor previsto para o fundo eleitoral em 2022?
Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada pelo Congresso estabeleceu o valor de R$ 5,7 bilhões.
Ele é a única fonte de verba pública para as campanhas?
Não. Os partidos também podem usar recursos do fundo partidário (verba pública para subsidiar o funcionamento das legendas, distribuída mensalmente). O valor previsto para este ano é de cerca de R$ 1 bilhão.
Quais são as outras formas de financiamento possíveis?
Os candidatos podem recolher doações de pessoas físicas e podem financiar as próprias campanhas. O autofinanciamento é limitado a 10% do teto de gastos, que varia de acordo com o cargo disputado.
As doações empresariais são proibidas desde 2015.
Como o fundo eleitoral é distribuído?
A distribuição do fundo público para campanha entre os partidos acontecerá da seguinte forma nas próximas eleições:
2% distribuídos igualmente entre todas as legendas registradas
35% consideram a votação de cada partido que teve ao menos um deputado eleito na última eleição para a Câmara
48% consideram o número de deputados eleitos por cada partido na última eleição, sem levar em conta mudanças ao longo da legislatura
15% consideram o número de senadores eleitos e os que estavam na metade do mandato no dia da última eleição
Houve uma mudança recente da divisão do fundo. Antes, o que valia era o tamanho das bancadas na última sessão legislativa do ano anterior à eleição (o que contou em 2018 foi a bancada no fim de 2017). Agora, conta o resultado da eleição.
Matheus Teixeira/Folhapress
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