Esforços do Centrão para anular o STF

Parece inacreditável que um parlamentar do Centrão, talvez por uma crise de nervos ou mera insatisfação pessoal, além de ignorância jurídica, tenha chegado ao extremo de propor a aprovação pelo Congresso Nacional de uma emenda à Constituição federal prevendo o uso de decretos legislativos para anular decisões não unânimes do Supremo Tribunal Federal (STF)

Para ter uma visão do absurdo da iniciativa, basta verificar que, se fosse aprovada, a emenda poderia permitir a anulação até mesmo da decisão que resultou na libertação do ex-presidente Lula, ocorrida após o Supremo vetar, por 6 votos a 5, as prisões após condenação em segunda instância – aquela que impede alguém de ser preso antes de serem julgados todos os recursos previstos na legislação processual.

O Centrão ganhou no Brasil a imagem de estar constituído por um grupo de parlamentares que votam sempre a favor do presidente Jair Bolsonaro, talvez não tanto por admirá-lo, mas porque é pródigo em conceder vantagens aos políticos que o apoiam. Exemplo disso está no famoso orçamento secreto, denunciado pelo Estadão, em que parlamentares do Centrão passaram a receber, sem a necessária contabilização e sem prova da destinação final, valores enormes que melhor finalidade alcançariam se tivessem sido usados para alimentar os milhões de miseráveis brasileiros.

A pretensão de aprovar lei que fere o princípio constitucional da independência entre os Poderes decorre, certamente, de desconhecimento do que sejam nosso país e a Constituição. Isso porque o Supremo Tribunal Federal não pode mesmo influir no Legislativo, mas pode, sim, julgar inconstitucionais as leis que ali são aprovadas.

Isso equivale a dizer que a aprovação da estranha emenda pretendida pelo Centrão só ganharia existência e eficácia se o próprio Supremo a admitisse como válida – e isso não parece razoável, porque significaria a aquele órgão aceitar o término de sua própria existência como órgão julgador.

Pretensões deste calibre decorrem, certamente, do despreparo de parlamentares que, de repente, para demonstrar que estão ativos, resolvem criar uma situação de desconforto para os ministros do STF, nestes dias tormentosos de acusações equivocadas sobre a já testada qualidade de nossas urnas eletrônicas.

A Constituição federal exige que o mecanismo dos freios e contrapesos entre os Poderes se subordine ao princípio da harmonia, que não significa o predomínio de um Poder sobre o outro, mas uma colaboração e consciente controle recíproco.

Tornou-se quase um modismo, nos dias presentes, atacar o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entre aqueles políticos que defendem o voto conferível, ou seja, aquele tipo de voto que permite saber quem votou em quem. Para essas pessoas, em geral afetadas por radicalismos, o voto eletrônico e impossível de identificação pessoal representa, mesmo, um entrave.

Não há sentimento democrático verdadeiro nesta defesa de voto conferível. Em todos os países de melhor civilização prevalece o sentido de que a democracia repousa em três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade. A liberdade de votar livremente nos afasta daquela visão trágica do voto de cabresto, em que os mais humildes e menos cultos votavam em quem o patrão escolhia.

O voto eletrônico ampliou essa liberdade e merece sempre ser festejado, ao invés de permanecer sob acusações eivadas de interesse político voltado tão somente para as eleições que se aproximam.

Como faltam apenas três meses para a realização das eleições para presidente da República e as prévias de forma unânime apontam a bipolarização, com vantagem para o candidato da oposição, percebe-se uma inquietação crescente do presidente Jair Bolsonaro e dos seus seguidores, os quais, é preciso reconhecer, lhe são mesmo muito fiéis.

Daí os ataques às urnas eletrônicas e as tentativas de envolver as Forças Armadas e imaginar divergências, procurando qualificar os militares como descontentes com a forma programada da eleição por voto eletrônico.

Ainda a respeito das pesquisas eleitorais, é interessante observar que elas refletem o mesmo fenômeno de votar contra da eleição passada, em que o candidato era Fernando Haddad, apoiado por Lula. Grande parte do País condenava o ex-presidente e, por isso, votou em Jair Bolsonaro, praticamente um desconhecido. Agora, o fenômeno parece repetir-se, porque é majoritária, entre os pesquisados, a intenção de votar em Lula por discordar de Jair Bolsonaro.

Curiosamente, na política e em eleições, quando um fato se repete, é sempre na forma de caricatura. E, desta vez, a forma de votar caminha para a repetição, ou seja, boa parte do eleitorado vai votar contra este ou contra aquele candidato – circunstância que, lamentavelmente, exalta a falta de qualidade de ambos.

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