Protestos antigoverno na Argentina põem nas ruas grupos de esquerda e oposição

Manifestações de rua estão longe de ser incomuns na Argentina, onde semanalmente os mais variados grupos políticos se reúnem em grandes cidades. Neste sábado (9), feriado nacional pelo dia da Independência, não foi diferente —mas os atos convocados contra o governo, que indicam uma escalada da crise, contaram com um elemento distinto.

Os protestos, em várias cidades, criticaram a degradação política e econômica do país, em meio ao cansaço com os desentendimentos entre o presidente Alberto Fernández e sua vice e madrinha política, Cristina Kirchner —a querela teve como desdobramento mais recente a saída do ministro mais importante do gabinete, Martín Guzmán (Economia).

Até aqui, as marchas antigoverno vinham sendo lideradas apenas pela oposição. Neste sábado, se somaram a ela nas ruas grupos ligados a movimentos sociais de esquerda e ao líder comunitário Juan Grabois, que tem como principal reivindicação um salário mínimo universal a todos os argentinos.

De muita popularidade, ele sempre foi um importante apoio para Cristina e o movimento La Cámpora, ala mais radical do peronismo. Mas, nos últimos tempos, vem cobrando que a vice pressione o presidente para aumentar o gasto social para os setores mais pobres.

Em Buenos Aires, a polícia montou uma estrutura —liberada no final da tarde— para isolar o espaço que dá acesso à praça de Maio, onde se concentraram os manifestantes de esquerda. Os atos convocados pela direita abraçaram o Obelisco com uma faixa com as cores da Argentina e depois começaram uma caminhada em direção à Casa Rosada.

“Já bati panela em 2001, já me roubaram naquela época, agora vejo que tudo está voltando e não está bem”, disse Julia, 72, sem revelar o sobrenome à reportagem. “Também sou contra o que estão gritando ali”, completou, apontando para a barreira de policiais. “É feio, são argentinos contra argentinos”.

De um lado, vinham xingamentos chamando os manifestantes da direita de privilegiados, “chetos” (termo pejorativo para definir alguém rico, como playboy) e “mantidos pelos pais”. Do outro, os impropérios dirigidos aos militantes de esquerda eram muitas vezes racistas, na linha de “vão trabalhar, vagabundos” para baixo.

Havia, ainda, jovens de preto usando bandeiras do libertário Javier Milei e camisetas com um símbolo da extrema direita americana, uma cobra estampada em amarelo e os dizeres “Don’t tread on me”.

Em ritmo crescente, os protestos se dão num momento em que a economia argentina está debilitada, com inflação de quase 60% ao ano, e o dólar paralelo, o que rege a economia popular, disparando a mais que o dobro do oficial.

Guzmán saiu do governo porque se viu entre duas visões discordantes com relação à condução de sua pasta. Cristina, que o bancou no começo da gestão, passou a criticá-lo duramente depois do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para reestruturar uma dívida de US$ 44 bilhões do país com a entidade.

Guzmán considerava necessário um ajuste na forma de aumentos na conta de energia, que hoje tem subsídios. Fernández acredita na necessidade de um compromisso para pagar a dívida, para que a Argentina não fique ainda mais afastada do mercado internacional, mas se opõe à manutenção do nível de emissão de moeda realizado durante a pandemia, para não alimentar a inflação.

Cristina, que quando era presidente desdenhava da alta de preços e colocava ênfase no gasto social, continua defendendo essa bandeira e a de segurar aumentos à força —algo que Guzmán considerava inaplicável.

Depois de um jantar na noite do domingo passado (3), a primeira vez em que conversaram a sós nos últimos sete meses, presidente e vice chegaram a certa trégua, esperando que a nomeação de Silvina Batakis acalmasse a maré negativa.

Isso não ocorreu. Houve altas do dólar paralelo durante toda a semana, a remarcação de preços foi uma constante e chegou a haver desabastecimento em mercados e falta de peças importadas.

Sylvia Colombo/Folhapress

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